Thursday, November 02, 2006
Vivos na lembrança
Pedro J. Bondaczuk
Os romanos tinham o saudável hábito de cultuar os seus mortos e de não deixar, dessa forma, que a memória do que seus antepassados foram (ou fizeram) em vida viesse a se apagar das suas mentes, duas ou três gerações após a sua morte. E não se apagavam. Passados séculos, as pessoas não só conheciam, como transmitiam os feitos dos que foram seus ancestrais – com os acréscimos naturais ditados pela fantasia – não raro os transformando em mitos ou em lendas.
E os romanos iam ainda mais longe em sua reverência pelos antepassados: consideravam-nos “deuses” tutelares da família. Construíam, nos cômodos mais nobres de suas casas, altares em sua memória e mantinham o simbólico fogo sagrado sempre aceso. Essa, aliás, é a origem (e era a finalidade original) das atuais lareiras, hoje utilizadas – nos países de clima frio – como mero instrumento de aquecimento das residências – e, nos demais –, apenas como ornamento, como elementos de decoração.
Hoje, os mortos são esquecidos com uma rapidez estonteante. Uma vez por ano, em 2 de novembro, data consagrada no calendário para homenagear os Finados, alguns ainda são lembrados. Os parentes dedicam-lhe missas ou cultos (dependendo da religião) e levam flores aos seus túmulos. É o máximo que fazem. Na maioria dos casos, porém, isso ocorre apenas por uns cinco anos, se tanto, depois que morreram. Passado esse tempo...Não raro caem no mais absoluto esquecimento.
No meu caso, por exemplo, não conheço absolutamente nada dos meus bisavós, tanto os paternos quanto os maternos. Nem mesmo seus nomes eu sei. E eles, lógico, existiram, trabalharam, sorriram, choraram, amaram, odiaram, sentiram dores e tiveram saudades, como todos nós, que estamos vivos. Até porque, caso contrário, se não tivessem existido, eu não estaria hoje aqui, escrevendo estas nostálgicas reflexões, e tentando adivinhar como eram. E olhem que sou daqueles que cultuam as tradições familiares. Meus pais e avós, no entanto, não agiram assim (nunca soube por qual razão). Ou, pelo menos, não me transmitiram a mínima informação (e nem à minha irmã), sobre esses (suponho) ilustres antepassados, dos quais, provavelmente, herdei muitas e muitas das minhas melhores (e piores) características físicas e/ou psicológicas.
Dos parentes que conheci, e que já morreram, sinto intensa saudade. Todos permanecem vivos na memória. Penso neles, e não apenas em dias como hoje, de Finados. Recordo-me, por exemplo, da energia e da sabedoria do pai do meu pai, chamado Hilarion, que morreu em idade centenária (105 anos). Não consigo esquecer, também, a imensa ternura das duas avós, Matrena (paterna) e Rosa (materna). E nem a rebeldia (não raro, sem causa) do meu outro avô, Simão.
Lembro-me, com enorme carinho, dos tios que se foram: tio Pedro, tio João, tio Valdomiro, tio Zé. E dos parentes por afinidade? Não consigo me esquecer nunca deles: do meu sogro, Laurindo Galvão, por exemplo; ou dos meus cunhados Marcos Dias e Sebastião Galvão, mortos tão prematuramente. Que saudades dessas pessoas que um dia entraram, e em outro saíram, sem nenhuma cerimônia, licença ou aviso, da minha vida, mas cujas lembranças ficaram e vão ficar enquanto eu viver.
Dos amigos, lembro-me, de maneira muito especial, de três. Uma dessas pessoas inesquecíveis foi a querida companheira de trabalho Célia Búrigo, ao lado de quem trabalhei (era vizinha de mesa), no Correio Popular, por mais de uma década e a quem dediquei um capítulo inteiro do meu livro “Por uma nova utopia”. O outro amigo que me marcou, e que também nos deixou, foi, igualmente, jornalista, e dos mais ilustres; mas foi, sobretudo, uma figura ímpar pelo seu otimismo, bom-humor e perpétua alegria: o poeta e acadêmico Maurício de Moraes. E o terceiro, foi um intelectual que fez história em Campinas, onde destacou-se como vereador por duas legislaturas e que se perpetuou como co-fundador e presidente por muitos anos da Academia Campinense de Letras (à qual me orgulho de pertencer): Mauro Sampaio. Felizmente, foram os únicos amigos que se finaram. Mas deixaram tanta, tão profunda, tão dolorida e tão viva saudade!
Já que citei meu livro “Por uma nova utopia”, peço licença para reproduzir o capítulo “Todas as saudades”, em que escrevi: “Finados, dedicado à lembrança dos mortos, bem que poderia ser estendido a todas as saudades. Dos que viveram, amaram, foram bons, foram maus, acertaram, erraram, construíram, destruíram e morreram. E do tempo que passou e que, na maioria das vezes, torcíamos para que passasse, entendendo que naquele momento era ruim, quando não era”.
E encerrei aquela homenagem com as seguintes palavras: “A saudade é a alma do tempo. Os fatos, as coisas e as pessoas são o seu corpo. É a única coisa que sobra daquilo que realmente nos importou e que, na ocasião, não soubemos dar o devido valor. Embora saibamos (e até recomendemos aos outros) que a vida deve ser vivida plenamente, a cada segundo, que pode ser nosso derradeiro, dificilmente agimos assim. Malbaratamos o tempo, desperdiçamos as chances de ser felizes e não nos damos conta disso. De repente, exclamamos, como o poeta Ernesto Garcia Veiga: ‘Onde estão aquelas pessoas maravilhosas que passaram qual cometas pela minha vida, com sua deslumbrante luz de amor? Me deixaram abobalhado de admiração e ternura...’. Por isso, o mais inteligente é dar ouvidos a Mauro Sampaio quando adverte: ‘O tempo te levará à solidão/de tuas apagadas certezas./Em teu colo/sobrarão as flores de tua saudade’. Hoje é o dia apropriado para lembranças...”. E não é?
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