Friday, November 10, 2006
Lembranças da várzea - 4
Pedro J. Bondaczuk
O primeiro campeonato da Liga Sancaetanense de Futebol que o Flamenguinho disputou foi o da Segunda Divisão, em 1961, mesmo ano em que se filiou. A simples filiação já deu status mais elevado ao clube, pois significava organização, que era exigida pela entidade e que a grande maioria dos times não tinha. Não se podia fazer mais nada na base do improviso, como até então vínhamos fazendo. Tudo tinha que ser meticulosamente planejado e executado com o máximo rigor. E era. Os resultados não tardaram a aparecer.
Contudo, nem nos meus mais delirantes sonhos eu achava que faríamos tanto sucesso, e tão cedo. É verdade que contávamos com um time excepcional, com um craque com “C” maiúsculo, reconhecido e cobiçado em toda a várzea, uma espécie de Pelé varzeano (o Celso, sobre quem escreverei muito ainda, na seqüência destas memórias) que desequilibrava, além de contarmos, sobretudo, com conjunto. Aliás, este era nosso maior segredo. O Flamenguinho era uma orquestra afinada, em que ninguém destoava.
A direção do clube nunca aceitou jogadores que não tivessem alguma espécie de vínculo com a Vila Camila. Alguns moravam em outros bairros (até em outras cidades, como o caso do Pedro Cervera, que era de Santos), mas todos eles, em algum momento de suas vidas, foram ligados à nossa comunidade. Era “gente da casa”. A maioria havia crescido junto, estudou na mesma escola e trabalhava (ou trabalhou) na mesma empresa. Parte considerável da turma era constituída por funcionários da General Motors e da Villares. Éramos, sobretudo, amigos.
Todos os jogadores eram fichados na Liga e as fichas tinham que ser, obrigatoriamente, apresentadas ao representante da entidade, meia hora antes do início de cada jogo, para que esse elaborasse a súmula, que era anexada pelo árbitro ao seu relatório. O prazo de inscrição dos atletas encerrava-se, impreterivelmente, um mês antes do início das competições.
O futebol, naquele tempo – tanto o profissional, quanto o amador – era bem diferente do atual (inclusive nas regras). Por exemplo, não havia substituições durante os jogos. Se alguém, eventualmente, se machucasse, seu time seria bastante prejudicado, pois teria que continuar a partida com um a menos. Não havia, ainda, os cartões amarelo e vermelho. As advertências dos árbitros eram feitas na conversa e se estes achassem que alguma falta cometida era mais ríspida, violenta demais, e que chegasse a caracterizar agressão, expulsavam o faltoso direto, mesmo que este não tivesse sido advertido nenhuma vez. Mas não havia suspensão automática. O atleta era julgado pela Liga e raramente era penalizado com suspensão.
Era um futebol viril, todavia mais lento que atualmente (até porque, se o preparo físico dos profissionais já era deficiente, imagine o dos amadores!). As regras de impedimento, então, eram um caos. Geravam imensas controvérsias que, não raro, descambavam para verdadeiras batalhas campais. Não havia essa história de “mesma linha” em relação à zaga. Cada apitador e bandeira (que ainda não era auxiliar de linha e cuja função, exclusiva, era a de “bandeirar”, ou seja, de marcar impedimentos, laterais e escanteios) interpretavam as regras à sua maneira. O goleiro poderia reter a bola o quanto quisesse, desde que a batesse constantemente no solo, e alguns eram especialistas em fazer cera.
As arbitragens da Liga, todavia, sofriam, poucas contestações. Os árbitros faziam cursos na Federação Paulista de Futebol, o que lhes conferia um status que os que apitavam os “desafios” (como os amistosos eram chamados), evidentemente, não tinham. Ainda assim, eram comuns os ofícios de protesto à entidade, contra determinados apitadores, de clubes que se julgavam prejudicados em determinados jogos.
Os campeonatos da Liga eram por pontos corridos, com turno e returno e todos jogando contra todos. A única diferença do primeiro para o segundo turno era a inversão de mando. Em ambas as divisões, o número de participantes era o mesmo: vinte clubes. O campeão da Segunda era promovido, automaticamente, para a Primeira e o último colocado desta era rebaixado. O lanterna da segundona, porém, não sofria nenhum rebaixamento. Novas equipes filiadas só ganhavam a chance de disputar o campeonato se houvesse alguma desistência (sempre havia).
Aos respectivos campeões, eram conferidos, além de taças, medalhas e troféus, prêmios em dinheiro, em geral ofertados pelas grandes empresas da cidade, o que multiplicava, sem dúvida, e em muito, o empenho dos participantes. Os principais jogos da Primeira Divisão (todos no período da tarde) eram transmitidos pela Rádio Cacique de São Caetano e os da Segunda (disputados de manhã), tinham seus resultados informados na resenha esportiva.
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