Pedro J. Bondaczuk
A capacidade de narrar fatos – vividos ou meramente inventados – é algo admirável, embora nem sempre atentemos para isso. Há repórteres, por exemplo, dos quais não escapa o mínimo detalhe de algum acontecimento que trazem ao público e, ainda assim, conseguem redigir textos enxutos, sucintos, diretos e atrativos. São poucos, hoje em dia, é verdade, mas existem, mesmo que não sejam devidamente valorizados por seus editores e pela direção da empresa em que trabalham.
Embora o significado da palavra “reportar” seja “reproduzir fielmente o que se vê, se ouve e se sabe”, a reportagem (a boa, claro) constitui-se, sempre, num ato de criação. E que criação! Dá gosto de ler os textos dos repórteres criativos. “Ora, a eles não compete descrever a realidade exatamente como ela é?”, perguntarão alguns. “Caso criem, não estarão distorcendo os fatos, contradizendo os princípios da reportagem? Não seria um paradoxo?” Não! Toda narrativa que seja detalhada e faça com que os que a lêem visualizem determinada situação é criativa.
Atrevo-me a dizer que narrar é muito mais complicado do que viver. Exigem-se do narrador característica que não são tão comuns como se imagina. O cão, por exemplo, vive, mas não narra. O mesmo acontece com árvores, flores, peixes e até mesmo bactérias. Só o homem tem essa capacidade e, convenhamos, a minoria da espécie.
A questão da criatividade de uma narrativa envolve, evidentemente, não apenas o repórter, mas também (e em maior grau) o escritor. A matéria-prima deste é mais abstrata, mais sutil, invisível e, portanto, menos (ou nada) palpável. Pode ser, por exemplo, a descrição de um pensamento, exposto com tal perícia, que se torne concreto aos nossos olhos. Ou de determinada situação, detalhada, abrangente, verossímil, posto que inventada por ele.
Claro que, nestes casos, o escritor baseia-se (na maior parte das vezes) em algo acontecido. Tem, quase sempre, um “modelo”, um referencial, algo em que se basear. Mas nem sempre. No caso da ficção científica, por exemplo, ele descreve cenários e personagens que só existem em sua fértil imaginação. Isso foge da competência do repórter, por mais hábil e criativo que seja. Excluamos, porém, esse gênero.
Normalmente, os personagens do escritor são vivos, perambulam pelas ruas das cidades ou dos campos, posto que com outros nomes e outras características. Mas, ainda assim... Vivem só na sua imaginação. Saíram, todos, da sua cabeça, posto que replicando pessoas reais, de carne e osso.
O escritor leva uma vantagem sobre o repórter (embora sua tarefa lhe exija dose infinitamente maior de criatividade): descreve, até, o que os personagens que “cria” pensam. Age como um deus, onipresente em todas as ações e, sobretudo, com onisciência.
Fernando Pessoa atribuía valor imenso à narrativa. “Esse não vale, é suspeito para opinar, porquanto era escritor”, intervirá, de novo, o leitor chato e ranzinza que encontra defeitos e contradições em tudo o que se escreve. Vale sim, pois o que afirmou é incontestável e convincente (basta um pouquinho só de reflexão).
Fernando Pessoa escreveu, num dos tantos escritos que nos legou, naquele seu famoso “baú” (que parece inesgotável), de textos que escreveu e que ficaram inéditos (parte deles continua sendo publicada a conta-gotas): “Narrar é criar, pois viver é apenas ser vivido”. Intriga-nos, à primeira leitura, sobretudo a segunda parte da citação. Parece mera frase de efeito, fora do contexto.
“Como viver é apenas ser vivido?!”, perguntei, perplexo, aos meus botões, na primeira vez que li estas palavras. Depois, ponderando, cheguei à conclusão que ele está certíssimo. Raciocinemos.
Viemos ao mundo à nossa revelia. Ninguém pediu para nascer. Ademais – que me desculpem os deterministas e aqueles que crêem em destino – vivemos sem nenhum plano prévio traçado. As coisas vão acontecendo, independentes da nossa vontade, do berço à tumba. Por mais que nos planejemos, somos, sempre, dependentes do fortuito, do casual, do aleatório, daquilo que José Ortega y Gasset denominou de “circunstâncias”, a despeito de contarmos (supostamente) com o tal do “livre-arbítrio”..
Somos vidas compostas de outras vidas, autônomas (cada célula do nosso corpo e cada bactéria benigna que “habita” nosso organismo tem ciclo vital próprio, de nascimento, crescimento, reprodução e morte), embora dependentes da sobrevivência do conjunto. Nesse aspecto, portanto, “somos vividos e, só por isso, também vivemos”. Pense nisso, leitor amigo, até como exercício de reflexão. E depois, narre com precisão e criatividade... claro, se for capaz!
A capacidade de narrar fatos – vividos ou meramente inventados – é algo admirável, embora nem sempre atentemos para isso. Há repórteres, por exemplo, dos quais não escapa o mínimo detalhe de algum acontecimento que trazem ao público e, ainda assim, conseguem redigir textos enxutos, sucintos, diretos e atrativos. São poucos, hoje em dia, é verdade, mas existem, mesmo que não sejam devidamente valorizados por seus editores e pela direção da empresa em que trabalham.
Embora o significado da palavra “reportar” seja “reproduzir fielmente o que se vê, se ouve e se sabe”, a reportagem (a boa, claro) constitui-se, sempre, num ato de criação. E que criação! Dá gosto de ler os textos dos repórteres criativos. “Ora, a eles não compete descrever a realidade exatamente como ela é?”, perguntarão alguns. “Caso criem, não estarão distorcendo os fatos, contradizendo os princípios da reportagem? Não seria um paradoxo?” Não! Toda narrativa que seja detalhada e faça com que os que a lêem visualizem determinada situação é criativa.
Atrevo-me a dizer que narrar é muito mais complicado do que viver. Exigem-se do narrador característica que não são tão comuns como se imagina. O cão, por exemplo, vive, mas não narra. O mesmo acontece com árvores, flores, peixes e até mesmo bactérias. Só o homem tem essa capacidade e, convenhamos, a minoria da espécie.
A questão da criatividade de uma narrativa envolve, evidentemente, não apenas o repórter, mas também (e em maior grau) o escritor. A matéria-prima deste é mais abstrata, mais sutil, invisível e, portanto, menos (ou nada) palpável. Pode ser, por exemplo, a descrição de um pensamento, exposto com tal perícia, que se torne concreto aos nossos olhos. Ou de determinada situação, detalhada, abrangente, verossímil, posto que inventada por ele.
Claro que, nestes casos, o escritor baseia-se (na maior parte das vezes) em algo acontecido. Tem, quase sempre, um “modelo”, um referencial, algo em que se basear. Mas nem sempre. No caso da ficção científica, por exemplo, ele descreve cenários e personagens que só existem em sua fértil imaginação. Isso foge da competência do repórter, por mais hábil e criativo que seja. Excluamos, porém, esse gênero.
Normalmente, os personagens do escritor são vivos, perambulam pelas ruas das cidades ou dos campos, posto que com outros nomes e outras características. Mas, ainda assim... Vivem só na sua imaginação. Saíram, todos, da sua cabeça, posto que replicando pessoas reais, de carne e osso.
O escritor leva uma vantagem sobre o repórter (embora sua tarefa lhe exija dose infinitamente maior de criatividade): descreve, até, o que os personagens que “cria” pensam. Age como um deus, onipresente em todas as ações e, sobretudo, com onisciência.
Fernando Pessoa atribuía valor imenso à narrativa. “Esse não vale, é suspeito para opinar, porquanto era escritor”, intervirá, de novo, o leitor chato e ranzinza que encontra defeitos e contradições em tudo o que se escreve. Vale sim, pois o que afirmou é incontestável e convincente (basta um pouquinho só de reflexão).
Fernando Pessoa escreveu, num dos tantos escritos que nos legou, naquele seu famoso “baú” (que parece inesgotável), de textos que escreveu e que ficaram inéditos (parte deles continua sendo publicada a conta-gotas): “Narrar é criar, pois viver é apenas ser vivido”. Intriga-nos, à primeira leitura, sobretudo a segunda parte da citação. Parece mera frase de efeito, fora do contexto.
“Como viver é apenas ser vivido?!”, perguntei, perplexo, aos meus botões, na primeira vez que li estas palavras. Depois, ponderando, cheguei à conclusão que ele está certíssimo. Raciocinemos.
Viemos ao mundo à nossa revelia. Ninguém pediu para nascer. Ademais – que me desculpem os deterministas e aqueles que crêem em destino – vivemos sem nenhum plano prévio traçado. As coisas vão acontecendo, independentes da nossa vontade, do berço à tumba. Por mais que nos planejemos, somos, sempre, dependentes do fortuito, do casual, do aleatório, daquilo que José Ortega y Gasset denominou de “circunstâncias”, a despeito de contarmos (supostamente) com o tal do “livre-arbítrio”..
Somos vidas compostas de outras vidas, autônomas (cada célula do nosso corpo e cada bactéria benigna que “habita” nosso organismo tem ciclo vital próprio, de nascimento, crescimento, reprodução e morte), embora dependentes da sobrevivência do conjunto. Nesse aspecto, portanto, “somos vividos e, só por isso, também vivemos”. Pense nisso, leitor amigo, até como exercício de reflexão. E depois, narre com precisão e criatividade... claro, se for capaz!
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