Tuesday, June 23, 2009

Perda entre espelhos


Pedro J. Bondaczuk

A regra básica da natureza é a diversidade, a multiplicidade e a originalidade de todos os seres vivos, animais ou vegetais (não importa). Tome, por exemplo, duas folhas de uma mesma árvore, que aparentem serem rigorosamente iguais. Ou seja, que tenham o mesmo tamanho, a mesma textura, a mesma cor etc., enfim, as mesmas características essenciais. Você notará que são rigorosamente idênticas.
Todavia, se analisá-las com mais cuidado – em laboratório, por exemplo – notará que o que lhe parecia rigorosamente igual, uma folha sendo cópia perfeita da outra, apesar da identidade que têm, não são, de fato, “iguais”. Ou terão alguma nervura com diferença de tamanho ou de espessura; ou a quantidade de clorofila (ou de água, ou de oxigênio) variará, de uma amostra para outra (nem que seja em ínfimos microgramas) ou terá qualquer outro fator diferenciador, impossível de ser percebido a olho nu. A natureza trabalha com combinações infinitas, mas nunca se repete.
O mesmo ocorre com seres humanos. Somos, simultaneamente, “parecidos” com outras tantas pessoas – do presente ou do passado (há sósias e gêmeos univitelinos que parecem cópias rigorosamente exatas uns dos outros) – e, no entanto, somos “diferentes” delas.
Embora todas as nossas características genéticas estejam, estiveram, ou estarão presentes em alguém, nunca estarão “todas” ao mesmo tempo num mesmo indivíduo. Afinal, proviemos todos de uma “árvore” comum e temos, por conseqüência, alguns genes, não importa quantos e quais, desse casal original.
Isso estabelece um aparente paradoxo. Quer física, quer mentalmente, não somos, nunca, absolutamente originais. Sempre haverá no mundo, não importa onde ou em que fração do tempo, alguém que se “pareça” conosco, que pense de certa forma como nós, aja como agimos etc. Todavia, não existiu, não existe e não existirá ninguém que seja “igual” a nós. Semelhança, notem bem, não é sinônima de igualdade. Somos, portanto, e simultaneamente não somos, originais. Entram, aqui, como fator diferenciador da natureza, as noções de totalidade ou parcialidade.
Parcialmente, não importa em quantas “partes”, somos iguais a alguma outra pessoa que já viveu ou ainda vive. Provavelmente a uma infinidade delas. Mas por mais que nos “pareçamos”, sempre haverá um fator que nos diferencie, como no caso das folhas, que citamos como exemplo.
Mesmo que a igualdade física, biológica, celular fosse possível, ainda assim nenhuma pessoa seria rigorosamente igual à outra. O que chamamos de “personalidade” é formado por uma série de fatores, como o ambiente em que vivemos, os indivíduos com os quais nos relacionamos, a maneira como somos educados, o que vemos, lemos e ouvimos etc.etc.etc. E, convenhamos, nenhum dos 6,7 bilhões de habitantes do Planeta, nenhum, absolutamente nenhum, tem a chance de ter rigorosamente o mesmíssimo histórico de vida de quem quer que seja.
Somos, portanto, únicos, no conjunto, embora não sejamos originais nas partes. Jorge Luís Borges, com a profundidade de espírito que o caracterizou (e que faz dele um dos meus escritores preferidos, meu “guru”, mesmo não o tendo conhecido pessoalmente, o que lamento muito), escreveu a propósito: “Não há coisa que não esteja perdida entre infatigáveis espelhos”.
Ou seja, não fomos, não somos e jamais seremos absolutamente originais. Todavia, ninguém, absolutamente ninguém, é igual a nós. “Parecidos” há um número que pode ser até estratosférico, desses carregados de zeros à direita de determinada cifra. Tudo está, pois, perdido entre “infatigáveis espelhos”, cujas imagens tendem a nos iludir, caso não tenhamos capacidade de análise.
Borges ainda afirma: “Nada pode ocorrer uma só vez”. É verdade. Contudo, devo acrescentar que essas ocorrências nunca são iguais, posto que parecidas. Só o fato de ocorrerem num outro tempo, com outros protagonistas, já as torna diferentes. Embora estas observações, certamente, não venham a mudar a rotação da Terra e nem façam o dólar subir, não passam de excelente exercício de raciocínio. Ou não são?!!

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