Terremoto da inflação
Pedro J. Bondaczuk
O México, apesar de ser um país bem diferente do Brasil na maioria dos aspectos de sua vida nacional, guarda pelo menos uma estreita semelhança conosco no maior problema que enfrenta e que vem gerando um grande número de atribulações à sua população. É no que concerne à sua dívida externa, muito próxima dos US$ 100 bilhões (apenas US$ 2,5 bilhões inferior à nossa) e com fortes indicações de ultrapassar a brasileira em curto período, ficando com o recorde de maior endividamento externo do mundo, que ainda nos pertence.
Para complicar a vida dos mexicanos, os terremotos dos dias 19 e 20 de setembro passado vieram agravar a falta de recursos e tornar o quadro de dificuldades, que já não era pequeno, muito mais sombrio. Com todas as providências recessionistas adotadas no país (bem dentro do figurino predileto do Fundo Monetário Internacional), a inflação volta agora a fugir ao controle das autoridades.
E as medidas de austeridade postas em prática pelo presidente Miguel de La Madrid, para fazer face à tarefa de reconstrução de grandes áreas da capital, arrasadas pelos sismos, estão provocando algo tão desastroso quanto o próprio terremoto e a crônica corrupção administrativa mexicana: a maciça evasão de divisas.
Quando o atual governante assumiu em 1982, ele já sabia que sua tarefa iria ser das mais espinhosas. Provavelmente, até mesmo uma missão impossível. Pegou o México no auge da crise, quando o país se encontrava em virtual moratória, incapaz de saldar seus compromissos externos e com a inflação avançando a todo o galope.
Além disso, as acusações se sucediam, dando conta de terríveis atos de corrupção, sendo estimado, na época, que dos empréstimos externos contraídos pelo país, US$ 20 bilhões tinham ido parar em contas particulares (de membros do governo) na Suíça.
O novo presidente puniu alguns dos acusados (mas o desvio, que é bom, nunca foi recuperado), entre estes, Arturo Durazzo, ex-chefe de polícia da capital, preso em 20 de janeiro de 1984.
Em finais do ano de 1983, os mexicanos conseguiram, junto aos credores, o reescalonamento de 98% da dívida vencível a curto prazo, no valor de US$ 23 bilhões, a juros considerados favoráveis na ocasião, fato que aliviou um pouco a pressão econômica.
Mas a recessão já havia feito estragos indescritíveis, mormente entre a classe assalariada, que arcou com todo o ônus da fórmula do FMI. O poder de compra caiu vertiginosamente, cerca de 40%. Em contraposição, as taxas de desemprego subiram para 22% da mão de obra ativa e as de subemprego atingiram a 50% de todos os trabalhadores mexicanos.
Mesmo assim, o México aceitou seguir um plano de austeridade, executado com uma determinação espartana durante todo o ano passado. A inflação, a duras penas, foi contida e até registrou alguma queda, a ponto desse país ser apontado pelo Fundo Monetário na ocasião como prova do acerto de sua fórmula antiinflacionária.
Neste ano, entretanto, tudo desabou. Primeiro o país sofreu o terremoto da retomada do crescimento da espiral inflacionária, que fez tremer nos alicerces (embora ninguém admitisse) os credores externos, apavorados com o fantasma da quebra do atual sistema financeiro internacional.
Em pouco tempo, o México deixou de ser o exemplo bem comportado do Fundo, tomado a todo o instante como modelo para pressionar os endividados mais rebeldes, como o Brasil. Hoje, o prêmio do bom comportamento é da Argentina de Alfonsin.
As dívidas externas mexicanas, mesmo antes do terremoto de setembro passado, cresceram num ritmo alucinante. Em apenas três anos (exatamente na gestão do atual presidente), evoluíram em US$ 20 bilhões, saltando de US% 80 bilhões para US$ 100 bilhões. Após o sismo, a situação, que já era difícil, se tornou caótica.
Como Miguel de La Madrid fará para enfrentar esse desafio, é um mistério, insondável até para os magos em futurologia. O descontentamento cresce, na mesma proporção dos problemas econômicos. Reclamações e críticas é o que mais se ouve nesse país.
Os empresários reclamam das medidas tomadas para a reconstrução dos estragos do terremoto e preferem investir seu dinheirinho alhures onde ele renda mais dividendos. Os operários protestam pela morosidade da ajuda oficial para reconstruir suas moradias e pelo aumento do desemprego. E as necessidades crescem em progressão geométrica, enquanto os recursos continuam minguando.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 30 de novembro de 1985).
Pedro J. Bondaczuk
O México, apesar de ser um país bem diferente do Brasil na maioria dos aspectos de sua vida nacional, guarda pelo menos uma estreita semelhança conosco no maior problema que enfrenta e que vem gerando um grande número de atribulações à sua população. É no que concerne à sua dívida externa, muito próxima dos US$ 100 bilhões (apenas US$ 2,5 bilhões inferior à nossa) e com fortes indicações de ultrapassar a brasileira em curto período, ficando com o recorde de maior endividamento externo do mundo, que ainda nos pertence.
Para complicar a vida dos mexicanos, os terremotos dos dias 19 e 20 de setembro passado vieram agravar a falta de recursos e tornar o quadro de dificuldades, que já não era pequeno, muito mais sombrio. Com todas as providências recessionistas adotadas no país (bem dentro do figurino predileto do Fundo Monetário Internacional), a inflação volta agora a fugir ao controle das autoridades.
E as medidas de austeridade postas em prática pelo presidente Miguel de La Madrid, para fazer face à tarefa de reconstrução de grandes áreas da capital, arrasadas pelos sismos, estão provocando algo tão desastroso quanto o próprio terremoto e a crônica corrupção administrativa mexicana: a maciça evasão de divisas.
Quando o atual governante assumiu em 1982, ele já sabia que sua tarefa iria ser das mais espinhosas. Provavelmente, até mesmo uma missão impossível. Pegou o México no auge da crise, quando o país se encontrava em virtual moratória, incapaz de saldar seus compromissos externos e com a inflação avançando a todo o galope.
Além disso, as acusações se sucediam, dando conta de terríveis atos de corrupção, sendo estimado, na época, que dos empréstimos externos contraídos pelo país, US$ 20 bilhões tinham ido parar em contas particulares (de membros do governo) na Suíça.
O novo presidente puniu alguns dos acusados (mas o desvio, que é bom, nunca foi recuperado), entre estes, Arturo Durazzo, ex-chefe de polícia da capital, preso em 20 de janeiro de 1984.
Em finais do ano de 1983, os mexicanos conseguiram, junto aos credores, o reescalonamento de 98% da dívida vencível a curto prazo, no valor de US$ 23 bilhões, a juros considerados favoráveis na ocasião, fato que aliviou um pouco a pressão econômica.
Mas a recessão já havia feito estragos indescritíveis, mormente entre a classe assalariada, que arcou com todo o ônus da fórmula do FMI. O poder de compra caiu vertiginosamente, cerca de 40%. Em contraposição, as taxas de desemprego subiram para 22% da mão de obra ativa e as de subemprego atingiram a 50% de todos os trabalhadores mexicanos.
Mesmo assim, o México aceitou seguir um plano de austeridade, executado com uma determinação espartana durante todo o ano passado. A inflação, a duras penas, foi contida e até registrou alguma queda, a ponto desse país ser apontado pelo Fundo Monetário na ocasião como prova do acerto de sua fórmula antiinflacionária.
Neste ano, entretanto, tudo desabou. Primeiro o país sofreu o terremoto da retomada do crescimento da espiral inflacionária, que fez tremer nos alicerces (embora ninguém admitisse) os credores externos, apavorados com o fantasma da quebra do atual sistema financeiro internacional.
Em pouco tempo, o México deixou de ser o exemplo bem comportado do Fundo, tomado a todo o instante como modelo para pressionar os endividados mais rebeldes, como o Brasil. Hoje, o prêmio do bom comportamento é da Argentina de Alfonsin.
As dívidas externas mexicanas, mesmo antes do terremoto de setembro passado, cresceram num ritmo alucinante. Em apenas três anos (exatamente na gestão do atual presidente), evoluíram em US$ 20 bilhões, saltando de US% 80 bilhões para US$ 100 bilhões. Após o sismo, a situação, que já era difícil, se tornou caótica.
Como Miguel de La Madrid fará para enfrentar esse desafio, é um mistério, insondável até para os magos em futurologia. O descontentamento cresce, na mesma proporção dos problemas econômicos. Reclamações e críticas é o que mais se ouve nesse país.
Os empresários reclamam das medidas tomadas para a reconstrução dos estragos do terremoto e preferem investir seu dinheirinho alhures onde ele renda mais dividendos. Os operários protestam pela morosidade da ajuda oficial para reconstruir suas moradias e pelo aumento do desemprego. E as necessidades crescem em progressão geométrica, enquanto os recursos continuam minguando.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 30 de novembro de 1985).
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