Sunday, June 07, 2009

DIRETO DO ARQUIVO


Golpe na Mauritânia


Pedro J. Bondaczuk


A Mauritânia é uma nação bastante jovem, que completou 24 anos de existência há exatamente duas semanas (no dia 28 de novembro) e que luta com problemas terríveis de escassez de alimentos, principalmente em virtude da grande seca que se abate, já por 11 anos, em algumas regiões da África. Recorde-se que boa parte do seu território de 1.030.700 quilômetros quadrados é constituída pelas areias ardentes e pedras do deserto do Saara, que segundo constatação de técnicos das Nações Unidas, avança cerca de 10 quilômetros por ano sobre terras férteis. Em conseqüência disso, a Mauritânia possui uma renda per capita baixíssima, de US$ 270 anuais.

A seca devastadora vem desorganizando esse país, que inclusive teve diminuída sua população nos últimos anos. Em contrapartida, suas poucas cidades estão inchando, com os nômades berberes abandonando os campos cada vez mais ressequidos e indo criar problemas nas zonas urbanas. Apenas Nuackchott, a capital, teve quase octoplicada sua população, passando de 138 mil, em 1978, para cerca de 850 mil atualmente.

Com essa soma de problemas, tem ainda, como agravante, a instabilidade institucional. Basta dizer que desde a independência, a Mauritânia já teve três golpes de Estado (o de ontem foi o quarto), uma renúncia de governo e várias tentativas golpistas. Em toda a sua história, realizou apenas duas eleições, ambas vencidas pelo homem responsável pela sua autonomia da França (ou um dos responsáveis), Moktar Uld Dadah, deposto pelos militares em 1978. Desde então, coronéis e tenentes-coronéis vêm sucedendo-se no governo e sempre através do mesmo caminho: o da deposição do governante anterior no poder, através das armas.

Não há dúvida que os militares têm a seu favor (pelo menos no papel), duas grandes realizações. A primeira é a reforma agrária, que acabou perdendo sentido diante da seca terrível que assola o país e que está levando os camponeses a abandonarem suas terras. A outra seria a abolição oficial da escravidão, que até há quatro anos era legalizada na Mauritânia em pleno século das viagens espaciais e das comunicações. Entretanto, autoridades ligadas à defesa dos direitos humanos denunciam que o ato se deu apenas no papel. Segundo esses informes, o trabalho escravo continua sendo explorado normalmente, como há séculos.

Mohammed Kuma Uld Haidalá, deposto ontem, assumiu o governo em 1979, na qualidade de primeiro-ministro. Em 1980, depôs o presidente Manud Uld Luly e passou a acumular as funções de chefe de governo e de Estado, concomitantemente. Há tempos sua autoridade vem sendo questionada. Em 1982, por exemplo, ele sufocou um levante comandado pelo ex-presidente, o tenente-coronel Mustafá Uld Mohammed Salek (que aliás iniciou o atual ciclo militar, depondo o único governante eleito pelo povo, Moktar Uld Dadah).

Nunca, portanto, o ditado que diz que "em casa onde falta o pão, todos gritam e ninguém tem razão", funcionou tanto, como no caso da Mauritânia. E o país, por conseqüência, acaba vivendo dupla tragédia. Além da seca, que traz consigo o terrível espectro da fome, os mauritanos têm ainda que conviver com o caudilhismo aventuresco e insensato.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 13 de dezembro de 1984)

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