Monday, June 01, 2009

Rebeldia que vale a pena


Pedro J. Bondaczuk

A rebeldia (mesmo a com causa) é atitude geralmente mal-interpretada e raramente resulta em benefício para alguém. Rebelamo-nos, via de regra, contra o que não deveríamos: contra normas de conduta saudáveis e necessárias e contra imposições de disciplina e de ordem. Todavia, o que realmente envenena os relacionamentos, e torna o mundo perigoso e mau, passa batido e se avoluma, geração após geração.
Esse comportamento é mais comum na adolescência, quando nos julgamos poderosos, invulneráveis, indestrutíveis e imortais, sem que, claro, de fato, sejamos. Na minha época de juventude, o título de uma famosa canção transformou-se em lema, em mantra, em palavra de ordem para a minha geração: “não confie em ninguém com mais de trinta anos”. Sequer é necessária maior análise para concluir sobre sua estupidez e falta de sentido.
Naquela época, pensávamos, até inconscientemente, que o passar dos anos tornava as pessoas acomodadas, dóceis, desossadas e, sobretudo, “caretas”. Ou seja, sem criatividade e nem originalidade. Sequer passava pela nossa cabeça que não seríamos jovens para sempre e que um dia seríamos iguaizinhos aos que então ridicularizávamos e pretendíamos segregar.
Tínhamos, claro, ideais grandiosos, que se resumiam, no entanto, a meros discursos e a pequenos atos, meramente simbólicos, que em nada contribuíam para mudar a hedionda realidade ao nosso redor (e que hoje é ainda muito pior). Denominávamos o comportamento social vigente de “sistema” e fazíamos de tudo para mostrar que estávamos fora dele. Buscávamos marcar nosso território e afirmar nossa identidade, sobretudo na aparência.
O sistema exigia que, para sermos vistos como bons moços, tivéssemos cabelos curtos, bem-penteados e o rosto raspado? Investíamos com tudo contra isso. Optávamos por uma aparência selvagem e assustadora, só para contrariar os mais velhos. Deixávamos os cabelos crescerem, fugíamos do banho como os gatos fazem, cultivávamos longas e hirsutas barbas, nos trajávamos com desleixo e desalinho e achávamos que, com isso, estávamos contribuindo, de alguma maneira, para mudar o mundo. Não estávamos, claro.
O sistema condenava as drogas (o que, sequer, seria necessário, já que o comezinho bom-senso poderia nos indicar sua absoluta inadequação, por uma série de razões)? Muitos, para manifestar espírito de rebeldia, se drogaram. E fartamente. Vários dos nossos ídolos de então morreram de overdose.
Milhões, mundo afora, mergulharam de cabeça no inferno do vício, de onde alguns jamais conseguiram sair, embora tentassem a todo o custo. Os que puderam se livrar não escaparam de seqüelas, que ostentam até hoje. Perceberam, apenas tardiamente, o mau passo que haviam dado. E com isso desperdiçaram preciosos anos de vida, desperdício que lamentaram (e lamentam), inutilmente, quando finalmente chegaram à idade da razão.
O sistema apregoava que o sexo deveria ser responsável e maduro, lídima manifestação de amor? “Derrubemos essa ordem“, era a nossa mentalidade de então. Sem que nos apercebêssemos, banalizamos o que poderia (e deveria) ser sacralizado, reduzindo-o a um ato mecânico, automático, quase obrigatório, de mera auto-afirmação, com o danoso subproduto, dessa estúpida manifestação de rebeldia, de uma profusão de doenças venéreas e de gravidez indesejada. Ou seja, de paternidade precoce e irresponsável. Isso era ser rebelde há apenas 50 anos, na supostamente alegre geração dos “beatniks” e dos “hippies”.
E hoje, as coisas são diferentes? Nossos filhos e netos aprenderam alguma coisa com nossos erros? Não! Definitivamente não! Com algumas mudanças, aqui e ali, seguem cometendo os mesmíssimos erros e, certamente, sofrerão idênticas conseqüências. Não é essa, pois, a rebeldia que devemos assumir.
Temos que nos rebelar, sim, e muito, e sempre, mas contra injustiças, violência, corrupção, prepotência, exploração do homem pelo homem e outras tantas mazelas. Mas em sentido prático e construtivo. Precisamos agir, em vez de discursar. Cabe-nos apresentar alternativas, e vivê-las, em vez de nos limitarmos a deblaterar ou a agredir os nossos corpos.
Temos que atuar, mesmo que essa atuação implique em riscos iminentes à nossa integridade física e à nossa vida. Compete-nos, sobretudo, impedir que sigam destruindo o Planeta, nosso único domicílio cósmico, que pede socorro e agoniza, sem que a maioria sequer se dê conta.
Mas a maior das rebeldias é a de não aceitar nada menos do que a felicidade, para nós e para os que amamos. Não, todavia, a de um suposto paraíso após a morte, que ninguém tem certeza que sequer exista e que milhões de pessoas nutrem irrestrita fé que sim. Por isso, baseados em crença sem nenhuma comprovação, deixam voar o único pássaro que têm nas mãos, na tentativa de agarrar uma infinidade dos que estão voando.
Podemos até crer nessa ventura eterna, num etéreo e imaginário paraíso, em nebuloso futuro sem, contudo, abrir mão da possibilidade (diria necessidade) de sermos felizes agora, no presente, já. Uma coisa não exclui necessariamente a outra.
Essa é a rebeldia que importa. Ou seja, a do não-conformismo, a da valorização da vida e a do pleno gozo de tantas e sadias satisfações que ela pode nos dar (de que abrimos mão para apostarmos no negativo, na dor e na desgraça). Devemos não apenas sonhar com a felicidade, não só lutar por ela, mas “exigi-la” a cada instante, cada minuto, cada segundo (que pode, ademais, ser nosso último) e não num futuro distante e em suposta condição espiritual. Sejamos rebeldes, sim, mas inteligentes! É a única rebeldia que vale a pena.

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