Tuesday, June 30, 2009

REFLEXÂO DO DIA


Qual o segmento do tempo que mais nos afeta? Em qual deles tomamos consciência maior, onipresente e aguda, da sua existência e passagem? O presente? Não pode ser. É tão rápido, que pode ser considerado, apenas, mero conceito, simples abstração. O futuro? É desconhecido, pois é impossível conhecer o que ainda não aconteceu. Tudo o que pensarmos sobre ele, portanto, poderá não passar de mera fantasia. O segmento do tempo que mais nos afeta, e que está permanentemente em nossa memória, é o passado. É certo que, aquilo que passou não pode mais ser modificado. Mas é com os erros que cometemos, e com os acertos que tivemos nele que construímos o roteiro das nossas vidas. Às vezes, produzimos comédias. Outras tantas, tragédias. Os roteiros que determinam nossa história variam. E a variação é tamanha que, quando menos esperamos, conseguimos compor um “happy end”. O poeta suíço Henri Frédéric Amiel constatou, com perspicácia, certa feita: “O tempo nada mais é do que a distância entre as nossas lembranças”. Vocês conhecem definição melhor?!

Admiração sem compreensão


Pedro J. Bondaczuk

Os jovens, em termos gerais, têm uma característica que me fascina em particular: são capazes de admirar até o que não compreendem (ou principalmente isso). As pessoas maduras e as que se situam no que, eufemisticamente, se convencionou chamar de “terceira idade”, salvo exceções, não têm essa generosidade ao avaliar o próximo e reconhecer suas realizações.
Tive inúmeras experiências desse tipo e, todas, surpreendentemente boas. Com os jovens, claro. E por que minha surpresa? Porque o reconhecimento dos méritos e virtudes alheios não é bem a característica distintiva deste animal que pensa e é intrinsecamente egoísta e predador.
Entre as tantas atividades que exerço, uma das que mais me dão prazer (embora não seja das mais compensadoras do ponto de vista financeiro) é a de conferencista. Já tive o orgulho e o prazer de fazer mais de meio milhar de palestras e conferências, em escolas secundárias e de ensino médio, em faculdades, centros culturais, bibliotecas, empresas e até em igrejas.
É algo que faço amiúde, quando tenho disponibilidade de tempo (e esta sempre se arranja quando há boa vontade) e com enorme satisfação. E jamais cobrei um reles centavo, de quem quer que fosse, mesmo dos que podem pagar. É uma forma de devolver à sociedade o que dela recebi: conhecimento e experiência.
De todos os públicos que já encarei, o mais receptivo, sem dúvida, é o de jovens. Várias vezes trouxe à baila temas que, tenho certeza, fugiam à compreensão dessas platéias imaturas (física e psicologicamente). Nunca, todavia, em nenhuma das minhas palestras para os adolescentes, ouvi um só murmúrio, uma única brincadeira fora de hora ou mesmo algum bocejo (o que é muito comum de acontecer com a garotada, até em aulas, quando entendem que sejam chatas).
Em contrapartida, decepcionei-me, inúmeras vezes, com platéias supostamente de alto nível. Tenho por hábito falar por apenas vinte minutos, nos quais exponho a tese que me é proposta (geralmente sou pautado por quem me convida) e abrir o tempo restante (geralmente de duas horas) a debates. Os participantes podem perguntar o que quiserem, desde que as perguntas sejam pertinentes, referentes ao assunto exposto.
Quando se trata de público jovem, as questões, invariavelmente, são múltiplas (inúmeros adolescentes levantam a mão e esperam com paciência a vez de perguntar) e todas pertinentes, no sentido de buscar o esclarecimento do que lhes ficou obscuro. Quando é adulto, todavia... As palestras são restritas, nesses casos (salvo exceções, claro) a, no máximo, meia hora. Poucos, pouquíssimos me questionam e as perguntas são as mais estapafúrdias e sem sentido, descambando, não raro, para o surreal.
Algumas nem são propriamente questões, mas longos adendos à preleção eu fiz, com observações absolutamente fora do contexto. Não raro, saio abatido, decepcionado e aborrecido desses eventos, com a convicção firmada de que perdi meu tempo.
Quanto à freqüência... a diferença é abissal. Em minhas palestras nas escolas, nunca tive público inferior a duas centenas de alunos. Mas já tive que falar para apenas quatro pessoas (isso mesmo, só quatro!), em uma conferência marcada para o antigo auditório do prédio que um dia sediou o INSS, em São Paulo, na Avenida Nove de Julho.
Os que deveriam comparecer ao evento (previa-se uma platéia de 150 pessoas) simplesmente não apareceram. Fiquei ali, plantado, com a maior cara de bobo, sem saber o que fazer. Fiz questão, porém, de ministrar a palestra, com o mesmo entusiasmo de sempre, apenas em respeito aos quatro que se interessaram em me ouvir, que, por sinal, não tinham mais do que vinte anos de idade, se tanto.
Sei de palestrantes que já tiveram imensas decepções com jovens. Estes devem achar que estou fazendo média com os adolescentes. Creiam-me, porém: não estou! Nunca tive a infelicidade que eles tiveram. Claro que acredito neles (não há porque duvidar). Ademais, a unanimidade, em qualquer atividade que exerçamos, é virtualmente impossível (e até indesejável)..
Curiosamente, foi nas ocasiões em que senti que as platéias juvenis menos entendiam as teses que eu expunha que senti em suas palavras (ao término das preleções) e percebi em seus olhos, maior admiração por este, digamos, esforçado palestrante. Claro que isso me lisonjeou. Afinal, sou vaidoso como todas as pessoas Mas, ao mesmo tempo, me frustrou profundamente, pois esses jovens mereciam, pela sua capacidade de valorizar e de admirar o que sequer entendiam, de mim, maior clareza e competência nas lições que lhes pretendia ministrar.

Monday, June 29, 2009

REFLEXÂO DO DIA


As incertezas, na melhor das hipóteses, retardam nossos passos rumo ao objetivo que traçamos, quando não os inviabilizam. Daí a necessidade de nos informarmos, previamente, e o máximo possível, a respeito do que queremos, para estarmos certos da sua excelência e de que não se trata de simples miragem, de mera ilusão que, depois de alcançada, irá nos decepcionar. Nem tudo o que aparenta ser, de fato é. Muitas vezes, corremos atrás do que consideramos concreto e substancial que, na verdade, não passa de mera sombra, abstrata e fantasiosa. Claro que num mundo de mistérios e engodos, poucas são as certezas ao nosso alcance. O que não podemos é sair em busca de um ideal, qualquer que seja, tendo os passos tolhidos por incertezas. Se o fizermos, não chegaremos a lugar nenhum. Pelo contrário, nosso caminhar será como o de um bêbado: um passo para a frente, dois para trás. Vêm-me à mente, a propósito, estes versos de Guillaume Apollinaire: “Incerteza, oh que deleite!/vós e eu vamos/como se vão os caranguejos:/para trás, para trás”.

Obra boa pede bis


Pedro J. Bondaczuk

O escritor, ao concluir um livro e, especialmente, após publicá-lo, quase sempre fica com aquela sensação de que faltou alguma coisa nele. Este personagem poderia ser melhor descrito, aquele cenário não teve tantos detalhes, a narrativa em determinado momento ficou repetitiva e vai por aí afora. Mesmo que o leitor considere a obra perfeita, o autor nem sempre (diria nunca) tem essa visão de perfectibilidade.
Quando se trata de não-ficção, alguns autores procedem a essas “revisões” em edições posteriores. Alguns chegam a acrescentar (ou suprimir, ou ambas as coisas) capítulos inteiros. Nem assim ficam satisfeitos. Sentem que ainda assim faltou algum detalhe ou que algo de supérfluo permaneceu. E tome mais revisões. Fazem-nas, sem temor, em várias edições sucessivas.
E em ficção, ocorre o mesmo? “Você já viu algum romance ser modificado, de uma edição para outra?”, perguntará o cético leitor. Quer a resposta? Sim, vi! Vi e gostei! E não porque a primeira versão não fosse boa, muito pelo contrário. A segunda virou, na verdade, um novo livro, que lembra remotamente o primeiro, mas é mais completa, detalhada, abrangente e talvez definitiva. Mas ambas são sumamente criativas.
E quem é o autor dessa façanha, virtualmente inédita? É o escritor catarinense Godofredo de Oliveira Neto. E não se trata de nenhum “curioso” que tenha desenvolvido bem uma história que lhe veio eventualmente à cabeça e que contou com a tão falada “sorte de principiante”. Longe disso. É, na verdade, pessoa envolvida até o pescoço com Literatura e que conhece, portanto, todos os seus meandros, até os que impliquem em “armadilhas” para os desavisados.
Godofredo é nada menos do que professor de Letras Vernáculas da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Só podia ser, mesmo, um “expert” para empreender tamanha ousadia. E qual foi o livro, reescrito com tamanha perícia, que um leitor distraído certamente vai achar que se trate de novo romance, excelente como a versão original? É “Marcelino”, lançado em meados do ano passado pela Editora Imago. Quem não leu, deveria ler. E as duas versões, claro. Ambas são uma aula de como escrever bem uma história, dando-lhe clima, suspense e, sobretudo, verossimilhança.
Godofredo revelou, em entrevista que li na internet, que esta segunda versão nasceu praticamente por acaso. Foi quando tentou roteirizar para o cinema o romance “Marcelino Nambre, o manumisso” (este era o título da edição original lançada em 2000). Revelou que foi escrevendo, escrevendo, acrescentando um detalhe aqui, outro ali, trazendo à cena novos personagens e situações e, quando se deu conta... Estava escrito, na verdade, novo livro.
A história (nas duas versões) se passa, em boa parte, na Praia do Nego Forro, em Santa Catarina. A bem da verdade, começa e termina ali. Mas a parte da ação e do suspense tem por cenário o Rio de Janeiro de 1942, no auge da Segunda Guerra Mundial, quando a sempre fascinante Cidade Maravilhosa ainda era a capital do País.
Marcelino, neto de escravo açoriano com uma índia é, aos 18 anos de idade, o melhor pescador de lagostas da região. Com testoterona brotando por todos os poros, no auge da juventude, envolve-se, amorosa e sexualmente, com três mulheres: a balzaquiana Eve; a adolescente Sibila (filha do senador Nazareno Correia da Veiga de Montibello), com a qual foi praticamente criado e Martinha, que após regressar do Rio de Janeiro, depois de escapar, quase que por milagre, da morte, após ser preso e torturado pela polícia de Getúlio Vargas, descobriu ser o amor da sua vida.
Querem saber mais detalhes? E vocês acham que eu iria ser o estraga-prazeres e os revelar?! Ora, ora, comprem o livro! Aliás, não só a segunda versão, como a que a inspirou e a originou. Garanto que não irão se decepcionar.
Saberão, entre outras coisas, como era o País há quase 70 anos. Até quais eram os programas de rádio preferidos dos nossos avós, quais os produtos da moda, como eram as propagandas naqueles tempos já tão remotos e outras coisas mais.
Há pouco mais de meio século, o apresentador Enzo de Almeida Passos comandava um programa, na Rádio Bandeirantes de São Paulo (apresentado, também, por várias de suas afiliadas) de grande sucesso de audiência (tanto que permaneceu no ar por décadas), intitulado “Telefone pedindo bis”. Foi, na verdade, uma das primeiras experiências bem-sucedidas de interação entre comunicador e receptor da comunicação.
Lembro isso a propósito do livro de Godofredo de Oliveira Neto. “Qual é a relação?”, perguntará, atônito, o leitor, achando que o cronista ensandeceu. É o título do programa. Só que no caso dos dois livros do escritor catarinense, a expressão que cabe a caráter é: “Obra boa pede bis”. E não é um fato?!

Sunday, June 28, 2009

REFLEXÂO DO DIA


Muitas vezes nos deparamos com tarefas aparentemente impossíveis de serem realizadas, por se constituírem, supostamente, em desafios superiores às nossas forças, nossos conhecimentos e nossa capacidade mental. A maioria desiste da empreitada, diante de tal obstáculo, sem sequer fazer a mínima tentativa. Perde, desta forma, não raro, oportunidades únicas para evoluir e conquistar o respeito e a admiração gerais. Muitos, todavia, ousam tentar realizar o aparentemente irrealizável. E surpreendem-se com as próprias forças, com aquela reserva de energia que todos temos, mas que a maior parte das pessoas sequer desconfia que tenha. A ousadia acaba premiada. Não se deve desistir, a priori, de nada. Se nosso esforço redundar em fracasso, a tentativa sempre terá valido a pena. Se for bem-sucedido... A escritora Pearl Buck constatou, a respeito: “Até prova em contrário, todas as coisas são possíveis – e mesmo o impossível talvez o seja apenas nesse momento”.

DIRETO DO ARQUIVO


Falta de perspectivas

Pedro J. Bondaczuk

A modernidade, nos dias que correm, e em especial no chamado Primeiro Mundo, é confundida, via de regra, com permissividade. Com a ruptura de todos os freios morais, que construíram as civilizações (que, bem ou mal, pelo menos se mantêm).

Enquanto uma pequena parcela da humanidade usufrui as “delícias” de um consumismo desregrado e perdulário, a grande maioria das pessoas no Planeta passa fome. Enfrenta privações de toda a sorte, sem saber como será o amanhã, que talvez nem mesmo venha a ter.

O papa João Paulo II fez, ontem (17 de outubro de 1989), judiciosas observações referindo-se ao que ocorre na Europa. Mas esse fenômeno é mundial. Mesmo os países mais miseráveis da Terra possuem as suas “castas” privilegiadas, que demonstram, através de um desregramento assustador, terem perdido as perspectivas do que são, para o que vieram e para onde vão.

Sob o pretexto de desmistificação do sexo, por exemplo, conseguiu-se criar em torno dele um tabu inverso. Ele deixou de ser a manifestação suprema do amor, ato máximo de criação, com a geração de uma nova vida, para se tornar mero instrumento de diversão. E aqui não vai nenhuma observação de caráter moral, até mesmo dispensável neste caso, mas extremamente prática.

Será que as pessoas, principalmente as que se julgam mais inteligentes e costumam teorizar em torno do comportamento, ditando moda, ainda não perceberam, já não dizemos o perigo (que é óbvio), mas o ridículo de tudo isso? Se alguém, porventura, sentisse supremo prazer em se divertir, digamos, com sua orelha, o mínimo que se poderia achar a seu respeito seria duvidar de sua sanidade mental.

O mesmo vale em relação a qualquer outro órgão do corpo humano. Afinal, todos eles têm uma função específica, prática, de locomoção, de tato, de audição e assim por diante. Qual a razão, pois, do sexo ser tratado de forma diferente? As pessoas, no processo acelerado de massificação pelo qual o mundo atravessa neste final de milênio, sequer param para pensar qual a razão de suas existências.

Não especulam (salvo exceções, naturalmente) acerca do que estão fazendo sobre a face da Terra. Em suma, não se entendem e nem procuram se entender. Não se estimam e nem se desestimam. Vivem porque vivem, e pronto! E se não têm um grau de estima genuíno por si próprias, não podem jamais sentir qualquer coisa de realmente profundo pelos outros.

Daí a solidão que domina tanta gente. Daí a fuga para os “paraísos” artificiais das drogas e do alcoolismo (na verdade infernos). Daí a violência crescente que pode nos destruir a todos. O que tais pessoas precisam é de objetivos claros e de um mínimo de autoconhecimento, para não dizer, de bom-senso.

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 18 de outubro de 1989).


Saturday, June 27, 2009

REFLEXÂO DO DIA


Esperamos (insensatamente) “milagres” da natureza, por não entendermos que suas leis são exatas, precisas e irrevogáveis. Agredimos o tempo todo o meio ambiente, poluímos o ar e as águas, arrasamos com florestas, multiplicamos desertos, desperdiçamos em um único ano (quando não menos) recursos que deveriam ser utilizados em um milênio e acreditamos, tolamente, que tudo irá se regenerar e que, portanto, as agressões que praticamos não terão qualquer conseqüência, permanecerão impunes e nada acontecerá à nave Terra. Trágico engano! Não é assim que as coisas funcionam. Pior do que acontece entre os homens, a violação das leis da natureza jamais ficam impunes. A justiça humana ainda admite atenuantes aos delitos cometidos. Já a natural é inflexível, imutável e implacável, posto que inconsciente e, por isso, insensível. O poeta Carlos Drummond de Andrade fez uma constatação lúcida e sábia a respeito, ao escrever: “A natureza não faz milagres. Faz revelações”.

Soneto à doce amada - XXIX


Pedro J. Bondaczuk

Pelas ásperas estradas da vida,
solitário, esperançoso, mas mudo,
desesperado e descrente de tudo,
trazendo a emoção embrutecida;

tropeçando nas pedras do caminho,
pés descalços, maltrapilho e barbudo,
trazendo a indiferença por escudo,
travei centenas de batalhas sozinho.

Mas um dia encontrei a redenção.
Na cruz dos seus braços, com emoção,
eu fui crucificado, sem ressábios

e, desde então, deixei de filtrar fel,
porque provei o dulcíssimo mel,
este néctar divino dos seus lábios.

(Soneto composto em Campinas, em 5 de maio de 1968).

Friday, June 26, 2009

REFLEXÂO DO DIA


Somos uma espécie de arqueólogos a escavarmos, continuamente, as ruínas do nosso próprio passado, sepultado sob toneladas de poeira do tempo. Alguns buscam lembranças benignas e deliciosas, que os consolem das agruras do presente. Outros, imprudentes e tolos, revivem fracassos e frustrações, que teimam em remoer anos anos a fio, quando a atitude prudente seria deixá-los intocados, enterrados para sempre. Outros, ainda, fantasiam e se convencem que foram reais episódios que só existem em suas imaginações. O passado (como ademais o próprio tempo) é ambíguo. Mesmo não podendo ser revivido da forma exata que aconteceu, teima em retornar ao presente, de uma forma ou de outra. Quando traz de volta lembranças positivas, não deixa de ser bem-vindo. Quando, ao contrário, nos faz reviver angústias, dores e frustrações, é um veneno que tem que ser evitado. Mário Quintana, com seu talento e argúcia, trata com graça e beleza do assunto, ao escrever: “O passado não reconhece seu lugar: está sempre presente”.

Meta infinita


Pedro J. Bondaczuk

As pessoas (todas, sem exceção) vivem estabelecendo metas – de curtíssimo, curto, médio, longo e longuíssimo prazo – para suas vidas, a maioria imediatas, algumas tantas mediatas, mas que contam, sempre, atingir. Ninguém estipula objetivos apenas por diversão, como mero exercício de imaginação.
É verdade que alguns deles são de tal sorte impossíveis de serem atingidos, que descambam para o delírio, para o absurdo, para o surreal. Ainda assim, são alvos que mobilizam pessoas e lhes dão motivação (e, não raro, profundas frustrações).
Eu, você, o Zezinho, a Joana, o Joaquim, enfim todos nós temos metas estabelecidas, a maioria tão trivial que sequer classificamos como tal, outras tantas magníficas e, quem sabe, transcendentais (potencialmente factíveis ou não). Faz parte da vida.
O indigente, faminto, tem como meta prioritária e urgente, por exemplo, assegurar a refeição do dia. É movido pela necessidade e pelo instinto de sobrevivência. Por isso, seu próximo alvo é, se possível, garantir, também, a comida dos próximos dias, o que, para ele, já é um objetivo um tanto mais complicado do que o primeiro.
No íntimo, mesmo que não revele para ninguém (por não ter quem se importe com sua situação e que se disponha a ouvir suas revelações), objetiva mudar de vida: ter um emprego, uma casa mesmo que das mais rústicas, uma companheira, família e outras tantas coisas, comuns e triviais para a maioria de nós, mas que para ele são um sonho ambicioso e ousado, quase irrealizável.
O político, por sua vez, tem, como meta imediata, eleger-se. Mas acalenta uma infinidade de outras, mediatas, como se destacar nessa atividade, galgar posições no partido, fazer parte do governo, governar uma cidade, Estado ou país, enriquecer, conquistar prestígio e poder, e vai por aí afora.
Se tiver vocação para a vida pública, contar com apoios, for simpático e convincente, poderá atingir todos esses objetivos, ou pelo menos os principais. A maioria não os atinge nunca. Como se vê, as metas que estabelecemos raramente dependem exclusivamente de nós. Daí sermos vítimas constantes de tantas decepções e frustrações. Nem sempre (ou quase nunca) o mundo conspira a nosso favor. Via de regra, o que acontece é exatamente o oposto.
A meta de um time de futebol, por sua vez, é fazer o maior número possível de gols (não por acaso os dois travessões pelos quais seus atacantes têm que fazer a bola passar têm esse nome), não levar nenhum e, dessa forma, vencer o adversário da vez. Este é o objetivo imediato. Mas a coisa não pára por aí.
Os mediatos são: ganhar, se possível, todos os jogos dos demais competidores, quando não, pelo menos a maioria deles; somar a maior quantidade de pontos positivos que puderem e conquistarem o título de campeões da competição em que estiverem envolvidos.
Estas, na verdade, são suas metas, digamos, menos ousadas. As mais (em alguns casos, delirantes, face à importância e a competência da equipe) é a conquista do campeonato mundial. São poucos, pouquíssimos os que logram alcançar a glória e o sucesso.
Se, individualmente, cada um de nós tem seu conjunto de metas – dependendo das necessidades e da imaginação de cada um – com os povos não é diferente. São o que chamamos, eufemisticamente, de “ideais”. E estes vão dos mais mesquinhos – como a conquista territorial alheia e o temor dos vizinhos por sua força e poder – aos mais grandiosos e altruísticos, como a igualdade, fraternidade, solidariedade, justiça e liberdade. Ascendem, quem sabe, aos milhões.
Nenhum povo, ou nação, alcançou todas ou mesmo algumas dessas metas, em qualquer tempo que fosse. Nem mesmo por curtos períodos. Falar em igualdade de direitos e deveres, por exemplo, não passa de monumental hipocrisia. Tanta, que dispensa comentários.
Fraternidade pode existir em algum período, posto que mero arremedo dela, mas, mesmo assim, é raridade. O mesmo ocorre com as demais virtudes que, no fundo, não passam de meras palavras pomposas, mas despidas de conteúdo. Todavia, não deixam de ser metas, que deveriam ser imediatas, urgentes, urgentíssimas, mas se limitam a ser mediatas, remotas, remotíssimas.
Nem todos os povos tiveram, de fato, esses objetivos (embora jurassem por todas as juras que sim). Ainda hoje, princípios de conduta, tão simples na essência, soam como se fossem meras e delirantes utopias. Caso viessem a se concretizar, e se manter, logicamente, na sucessão de gerações, seriam alvos finitos, posto que atingidos. Todavia, a maior meta, tanto individual quanto coletiva, do mundo, não é nenhum desses valores citados (deveriam ser todos). É o amor, finito enquanto sentimento, infinito enquanto ideal.

Thursday, June 25, 2009

REFLEXÂO DO DIA


Há pessoas que se queixam de que suas vidas são vazias e monótonas e que têm que conviver, à sua revelia, com o tédio. Dizem que seus dias são sempre iguais e que carecem de movimento e de emoções. Quem pensa dessa maneira é porque não tem intimidade consigo mesmo. Não soube construir um mundo interior rico e variado e não desenvolveu o saudável hábito da meditação. Pior, não estabeleceu um ideal a conquistar e, dessa forma, não há, de fato, como viver um cotidiano rico e alegre. Quem traça nossa trajetória de vida somos nós mesmos. Ademais, como afirma o escritor Marcel Proust, “os dias talvez sejam iguais para um relógio, mas não para um homem”. E por que esse “talvez”? Porque nem para esses objetos de precisão há essa igualdade. Afinal, duas vezes por ano, os dias variam com a entrada e a posterior saída do “Horário de Verão”. Ame, relacione-se, faça amizades, doe-se e medite. Agindo assim, não haverá tédio que resista à força do seu pensamento.

Preço do egoísmo


Pedro J. Bondaczuk

O egoísmo é, provavelmente, o mais arraigado sentimento humano e, quando levado ao extremo, leva as pessoas a profundas decepções e mágoas, que não se apagam jamais. E ainda assim, os egoístas não se emendam e seguem achando que são o centro do mundo, quiçá de todo o universo. Evidentemente, não são.
Há quem ache que egoísmo seja sinônimo de amor próprio. Em certa medida, é mesmo. Só que é esse sentimento, mas levado ao extremo. É uma imensa distorção, uma aberrante falta de senso de proporção. É mais, muito mais do que amor próprio. É autopaixão, autoveneração, quase deificação de si próprio.
Estas reflexões vêm a propósito de uma experiência (amaríssima) que tive dia desses e que me tornou mais descrente do que já estava da minha espécie: a humana. Senti vontade de “pedir demissão” dela e ser outro animal qualquer, movido exclusivamente por instinto, caso isso fosse possível.
Numa sexta-feira dessas, saí do trabalho, como sempre faço, por volta das 22 horas (exerço a atividade de coordenador da edição do Diário Oficial do Município de Campinas), cansado da lide da semana, com muito frio e, sobretudo, faminto. Trafegava – tendo minha mulher ao volante (ela que é a motorista da casa) – por uma das principais e mais movimentadas avenidas da cidade, quando me deparei com uma cena que me chocou e envergonhou e que, creio, jamais irei esquecer enquanto viver.
Ao passar em frente a um famoso restaurante desta grande metrópole interiorana em que resido, a essa altura repleto de pessoas saboreando seus sofisticados pratos – que faz divisa com uma padaria, também com quantidade enorme de fregueses – observei, na calçada ao lado, um homem, aparentando uns 40 anos de idade (deveria ter bem menos), maltrapilho, sujo e magérrimo, revirando um enorme latão de lixo de um dos estabelecimentos.
O tal indigente retirava não plásticos e papéis para vender, como se poderia supor, mas restos de comida, que devorava como se fossem o manjar dos deuses. Ordenei, imediatamente, à mulher que parasse o veículo. Queria comprar alguma coisa decente e dá-la ao infeliz para comer. A esposa até que tentou. Mas... os motoristas que vinham atrás, mesmo sendo noite, fizeram questão de promover um buzinaço histórico, um alarido infernal, acompanhado de um coro de impropérios contra nós dois. Não pudemos parar. Ninguém parou.
Apesar do adiantado da hora, milhares de pessoas transitavam por aquela calçada. Não vi nenhuma se deter sequer para olhar em direção ao indigente. Passavam por ele como se fosse invisível, ou se tratasse de um poste, de uma pedra ou de outro objeto qualquer. Certamente, não agiriam assim nem diante de um cão. Segui para casa, acabrunhado, triste, enojado e envergonhado, de mim, e do mundo.
Como se pode admitir que um ser humano, dotado de espírito e de razão, certamente com sonhos e vontades como eu, como você e como todos, tenha que se submeter àquele vexame? E ele não procurava, no lixo, nenhuma garrafa de cachaça ou de uísque, que certamente não encontraria, para se embriagar, mas comida, mesmo que estragada, contaminada sabe-se lá por quantas e quais bactérias, para saciar a fome!
Muitos poderiam dizer, para aplacar as consciências (se é que as têm): “Deve ser um vagabundo. Por que não vai trabalhar?”. É fácil, e cômodo, chegar a esse tipo de conclusão quando se está bem-alimentado, não raro superalimentado, bem agasalhado (estava um frio de rachar nessa noite) e a bordo de um carrão do ano. O que essas pessoas sabiam a respeito daquele infeliz? Quantas portas, certamente, não lhe foram fechadas na cara, ao procurar ganhar honestamente seu pão? Por quanta humilhação não teve que passar? Quanto preconceito não esteve envolvido na forma com que o trataram?
Ademais, mesmo que se tratasse de algum vagabundo (não creio que fosse), este é motivo suficiente para se ver obrigado a esse ato de suprema carência, que é o de procurar comida no lixo? Esse pobre infeliz não estava roubando (e ademais, se o fizesse, naquele momento, sequer seria crime, pois teria a atenuante da “extrema necessidade”, embora algum imbecil certamente o encarcerasse e jogasse a chave fora como se fosse o mais perigoso bandido) e sequer estava ameaçando ou constrangendo quem quer que fosse. Estava se limitando a exercer, no seu máximo limite, o instinto de sobrevivência.
Que vergonha senti, naquele momento, e sinto ainda hoje!. Que nojo desse sistema, desse arremedo de civilização, desse engodo denominado humanidade, que permite que cenas como essa aconteçam e se repitam em profusão em tantas e tantas partes do mundo. Em essência, no que somos melhores do que aquele maltrapilho indigente? Somos imortais? Claro que não! Levaremos para além-túmulo estas bobagens a que damos tão grande valor e que não passam de quinquilharias, a que chamamos de “riqueza”? Também não!
Não me admiro, pois, que haja tanta gente solitária, amarga e entendiada no mundo. Não me admiro mais do fato de haver tanta tristeza planeta afora. Esse é o preço que os egoístas têm, e sempre terão, que pagar por sua autoveneração, que chega a descambar para a autodeificação. Chego a esta conclusão baseado nisto que Anatole France um dia escreveu: “Estar triste é, quase sempre, pensar em si mesmo”. Bem feito, pois, por esta tristeza que, certamente, é muitíssimo menor do que a do indigente que saciou a fome com os restos que colheu numa lata de lixo!

Wednesday, June 24, 2009

REFLEXÂO DO DIA


Que as mudanças são a principal característica da vida, todos sabem, e de sobejo, se não pela consciência, ou pela observação, ou pela experiência, ao menos pela intuição. Muda nossa aparência, alteram-se nossos gostos, multiplicam-se nossos conhecimentos, mudam (para melhor ou para pior) nossas circunstâncias. Tudo, absolutamente tudo, passa por permanente e contínua alteração. Os males que nos afligem e que parecem intermináveis, um dia, sem que às vezes sequer nos apercebamos, vão desaparecer. Da mesma forma, deixarão de existir muitos bens que nos são preciosos. Pessoas amadas vão morrer, ou se mudar para outros lugares; abriremos mão de atividades que nos dão orgulho e prazer e perderemos coisas que julgamos, hoje, preciosas e imprescindíveis. Tudo, absolutamente tudo, portanto, passa, se transforma e muda. Só as conseqüências dessas mudanças é que permanecem em nosso espírito enquanto vivermos. Luiz Vaz de Camões escreveu os seguintes versos a esse propósito: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,/muda-se o ser, muda-se a confiança;/ todo o mundo é composto de mudança,/tomando sempre novas qualidades.//Continuamente vemos novidades,/diferentes em tudo da esperança;/do mal ficam as mágoas na lembrança,/e do bem, se algum houve, as saudades”.

Mistéios e absurdos


Pedro J. Bondaczuk

A fé é confundida, pela imensa maioria das pessoas, com mera “credulidade”, confusão essa que a banaliza e a diminui. Quem a faz, mete na cabeça uma série de crendices, algumas absurdas e irracionais, e se apega fanaticamente a ela, como se fosse o suprassumo da verdade. Há, até, quem seja capaz de matar para impor sua crença, que considera absoluta e inquestionável. Esses absurdos, queiram ou não, são, na verdade, a negação da fé. Não é e nem pode ser sua essência.
Não é, por exemplo, o comportamento de indivíduos racionais, que usam o que Deus lhes deu de mais precioso para tentarem chegar à compreensão do pouquíssimo que pode ser compreendido (o que é ínfimo por sinal) por nós, humanos: o raciocínio.
Blaisé Pascal afirmou, certa feita: “Com a fé vejo mistérios, sem a fé vejo absurdos”. Todas as pessoas que pensam chegam a determinadas reflexões que se constituem em becos sem saída. Ninguém conseguiu até hoje, por exemplo, responder de forma convincente e cabal, sem deixar espaço para a mínima dúvida, às três questões essenciais da nossa espécie: “O que sou? De onde venho? Para onde vou?”. E olhem que milhões de pensadores já tentaram, em vão.
Claro que essas perguntas suscitam outras, muitas outras, e não tarda em nos emaranharmos num amontoado de novas e novas questões, que fazem com que tudo pareça um infinito e monumental absurdo. O mesmo Pascal, em magnífico ensaio, intitulado “O homem e a natureza” (cuja leitura recomendo aos que gostam de pensar por si sós e se recusam a serem induzidos por charlatães), escreveu: “... Considerando que no que vejo há mais aparência do que outra coisa, procuro descobrir se Deus não deixou algum sinal próprio. O silêncio eterno desses espaços infinitos me apavora. Quantos reinos nos ignoram! Por que são limitados meus conhecimento, minha estatura, a duração de minha vida a cem anos e não a mil? Que motivos levaram a natureza a fazer-me assim, a escolher esse número em lugar de outro qualquer, desde que na infinidade dos números não há razões para tal preferência, nem nada que seja preferível a nada?”.
Sim, amigos, por que? Mistérios, não é verdade? E consideramo-los assim “apenas” porque acreditamos na existência de um Deus, tão poderoso e sábio que criou esta infinidade de mundos, que a mente humana jamais apreenderá quantos, de fato, são, todos adstritos a leis lógicas, tão perfeitas, que até a mente pequenina deste tão miserável e ínfimo ser, que é o homem, consegue apreender.
A fé, para merecer esse nome, tem que ter uma base lógica e racional. Caso contrário, corremos o risco de descambar para a mera “crendice”, sem pé e nem cabeça, que só nos manterá em confusão e obscuridade. Daí exigir-se muito cuidado com a crença irrestrita e inquestionável no que determinados “líderes religiosos” pregam. De onde eles tiraram os dogmas que tentam impor (e de fato impõem) aos incautos? “Ah, foi inspiração divina”, dirão os crédulos.
Por que, pois, Deus, todo-poderoso – tanto que criou esta infinidade de mundos com tamanha perfeição – escolheria “aquela” determinada pessoa específica, e não outra qualquer, para lhe revelar os mistérios da Criação? Sim, por que?
Antes que alguém erga seu dedo acusador e me chame de ateu, esclareço: “não o sou!”. Muito pelo contrário! E nem poderia ser! Não posso negar uma evidência tão óbvia! Procuro usar, isto sim, o que de mais nobre e eficaz meu Criador me outorgou, ou seja, o raciocínio. Tenho fé, sim, e muita. Mas apenas no Infinito e Eterno, fonte de toda a sabedoria e vida, onipotente, onipresente e onisciente. Por isso, considero tudo o que não entendo (e, a rigor, não entendo nada), um mistério e não o tremendo absurdo que parece ser.
Minha vida tem que ter algum sentido, mas qual? Mistério! Considero-o assim, porém, exclusivamente porque tenho fé. Não tivesse, as evidências (que raramente se constituem, em verdade, mesmo que aparentem ser) me levariam a considerar minha existência grande absurdo. Sobre isso, talvez, nunca encontre explicação, embora deva sempre tentar, tentar e tentar enquanto tiver mais alguns parquíssimos anos de vida. Afinal, o Criador deu-me a faculdade de pensar para isso.
“Cogito, ergo sum! (Penso, logo existo!”). Mas de onde se originou a vida para que eu tivesse, neste preciso tempo e não em outro qualquer, a oportunidade de usufruí-la? A fé faz com que considere isso um mistério. Sem ela, essa realidade não passaria de absurdo. Afinal, para que nascemos se ao cabo de um tempo tão ínfimo morremos e de nós restem só lembranças (quando restam) e uma ou outra obra que eventualmente sobreviva ao tempo e ao esquecimento? Quer absurdo maior do que este? Sem a fé, de fato o é.

Tuesday, June 23, 2009

REFLEXÂO DO DIA


O amor é caprichoso e nasce, quase sempre, à nossa revelia. Não depende da nossa vontade. Surge de repente, do nada, quando menos esperamos, e pela pessoa que jamais supúnhamos que ocorresse. Já tentei apaixonar-me por amigas, em vão. Às vezes havia, até, genuíno afeto, além de identidade de idéias e de propósitos, mas faltava aquele algo mais, aquele magnetismo inexplicável, aquela química, e a tentativa, invariavelmente, morria quase que no nascedouro. Busquei apaixonar-me por mulheres belíssimas, que demonstravam gostarem de mim, mas, ao dar-lhes o primeiro beijo, não ouvia os sininhos tocarem no fundo do cérebro. Todavia, cheguei a apaixonar-me profundamente por uma pessoa com a qual, durante muito tempo, por anos até, mantive situação de antagonismo e confronto. Quando menos esperei, porém... Acabei fascinado pelo seu olhar. Quando me dei conta... já não suportava mais a sua ausência. Luiz Vaz de Camões descreveu bem essa situação, nestes dois tercetos de um dos seus sonetos em que diz: “Estando em terra, chego ao céu voando,/numa hora acho mil anos, e é de jeito/que em mil anos não posso achar uma hora.//Se me pergunta alguém por que assim ando,/respondo que não sei; porém suspeito/que só porque vos vi, minha senhora”.

Perda entre espelhos


Pedro J. Bondaczuk

A regra básica da natureza é a diversidade, a multiplicidade e a originalidade de todos os seres vivos, animais ou vegetais (não importa). Tome, por exemplo, duas folhas de uma mesma árvore, que aparentem serem rigorosamente iguais. Ou seja, que tenham o mesmo tamanho, a mesma textura, a mesma cor etc., enfim, as mesmas características essenciais. Você notará que são rigorosamente idênticas.
Todavia, se analisá-las com mais cuidado – em laboratório, por exemplo – notará que o que lhe parecia rigorosamente igual, uma folha sendo cópia perfeita da outra, apesar da identidade que têm, não são, de fato, “iguais”. Ou terão alguma nervura com diferença de tamanho ou de espessura; ou a quantidade de clorofila (ou de água, ou de oxigênio) variará, de uma amostra para outra (nem que seja em ínfimos microgramas) ou terá qualquer outro fator diferenciador, impossível de ser percebido a olho nu. A natureza trabalha com combinações infinitas, mas nunca se repete.
O mesmo ocorre com seres humanos. Somos, simultaneamente, “parecidos” com outras tantas pessoas – do presente ou do passado (há sósias e gêmeos univitelinos que parecem cópias rigorosamente exatas uns dos outros) – e, no entanto, somos “diferentes” delas.
Embora todas as nossas características genéticas estejam, estiveram, ou estarão presentes em alguém, nunca estarão “todas” ao mesmo tempo num mesmo indivíduo. Afinal, proviemos todos de uma “árvore” comum e temos, por conseqüência, alguns genes, não importa quantos e quais, desse casal original.
Isso estabelece um aparente paradoxo. Quer física, quer mentalmente, não somos, nunca, absolutamente originais. Sempre haverá no mundo, não importa onde ou em que fração do tempo, alguém que se “pareça” conosco, que pense de certa forma como nós, aja como agimos etc. Todavia, não existiu, não existe e não existirá ninguém que seja “igual” a nós. Semelhança, notem bem, não é sinônima de igualdade. Somos, portanto, e simultaneamente não somos, originais. Entram, aqui, como fator diferenciador da natureza, as noções de totalidade ou parcialidade.
Parcialmente, não importa em quantas “partes”, somos iguais a alguma outra pessoa que já viveu ou ainda vive. Provavelmente a uma infinidade delas. Mas por mais que nos “pareçamos”, sempre haverá um fator que nos diferencie, como no caso das folhas, que citamos como exemplo.
Mesmo que a igualdade física, biológica, celular fosse possível, ainda assim nenhuma pessoa seria rigorosamente igual à outra. O que chamamos de “personalidade” é formado por uma série de fatores, como o ambiente em que vivemos, os indivíduos com os quais nos relacionamos, a maneira como somos educados, o que vemos, lemos e ouvimos etc.etc.etc. E, convenhamos, nenhum dos 6,7 bilhões de habitantes do Planeta, nenhum, absolutamente nenhum, tem a chance de ter rigorosamente o mesmíssimo histórico de vida de quem quer que seja.
Somos, portanto, únicos, no conjunto, embora não sejamos originais nas partes. Jorge Luís Borges, com a profundidade de espírito que o caracterizou (e que faz dele um dos meus escritores preferidos, meu “guru”, mesmo não o tendo conhecido pessoalmente, o que lamento muito), escreveu a propósito: “Não há coisa que não esteja perdida entre infatigáveis espelhos”.
Ou seja, não fomos, não somos e jamais seremos absolutamente originais. Todavia, ninguém, absolutamente ninguém, é igual a nós. “Parecidos” há um número que pode ser até estratosférico, desses carregados de zeros à direita de determinada cifra. Tudo está, pois, perdido entre “infatigáveis espelhos”, cujas imagens tendem a nos iludir, caso não tenhamos capacidade de análise.
Borges ainda afirma: “Nada pode ocorrer uma só vez”. É verdade. Contudo, devo acrescentar que essas ocorrências nunca são iguais, posto que parecidas. Só o fato de ocorrerem num outro tempo, com outros protagonistas, já as torna diferentes. Embora estas observações, certamente, não venham a mudar a rotação da Terra e nem façam o dólar subir, não passam de excelente exercício de raciocínio. Ou não são?!!

Monday, June 22, 2009

REFLEXÂO DO DIA


O amor é o único sentimento que nos causa, quase que simultaneamente, o prazer dos prazeres, (ou seja, o êxtase), e a dor mais profunda e grave, capaz, até, de nos matar. Oscila, de uma condição a outra, com uma velocidade espantosa, que nos deixa aturdidos e sem reação. Ao contrário do que muitos pensam, nunca é igual, mas varia de intensidade, do grau um ao infinito. Por mais que tentemos, somos impotentes para expressar as sensações contraditórias que ele produz. Mas todos os que já passaram por essa experiência maravilhosa e inigualável, sabem o que ocorre, embora não consigam descrever. As palavras são pequenas demais, pobres, paupérrimas, minúsculas, ínfimas, para expressar sentimento tão grandioso. Luiz Vaz de Camões escreveu estes versos antológicos, que expressam, a caráter, essa impossibilidade de expressão face à pessoa amada: “Onde esperança falta, lá me esconde/amor um mal, que mata e não se vê;/que dias há que na alma me tem posto/um não sei quê, que nasce não sei onde/vem não sei como, e dói não sei por quê”. Lindos versos, não é verdade?

Não se compra o essencial


Pedro J. Bondaczuk

As pessoas que se apegam ao dinheiro, como um crente se apega a Deus por exemplo (ou até mais, quem sabe) causam-me pasmo. Não as entendo. É certo que evoluí em meus sentimentos com o passar dos anos. Quando moço, sentia, por elas, repulsa e desprezo. Hoje o que sinto é uma certa piedade, misturada à absoluta incompreensão.
Sei que na ordem atual das coisas, neste mundo em que os valores estão todos (ou quase todos) às avessas, deveria ocorrer o contrário. Ou seja, os endinheirados é que deveriam sentir (duvido que sintam) pena das minhas tantas carências materiais.
Contudo, não posso ser classificado sequer como pobre. Não conto com recursos para esbanjar, é verdade, mas o que ganho é suficiente (e em algumas ocasiões até sobeja) para satisfazer minhas necessidades e, às vezes, até alguns dos meus caprichos. Nesse aspecto, portanto, não tenho do que me queixar.
Não sou nenhum perdulário que sai por aí esbanjando o fruto do seu trabalho. Não chego a tanto. Mas não tenho apego o mínimo pelo dinheiro. Vejo nele, apenas e tão somente, um meio de viver com dignidade. Não faço poupança, embora tenha o cuidado de gastar, rigorosamente, só o que ganho. Não me fio nunca em créditos para sair gastando por conta.
Uma coisa que nunca consegui entender é essa febre por ouro que afeta muita gente e que parece não ter cura. Aliás, foge-me da compreensão o motivo desse metal, de relativamente escassa utilidade prática, ser considerado tão valioso, mais até do que o ferro, indispensável ao homem por suas mil e uma aplicações. Sequer o considero o mais belo. Seu valor é, pois, fruto de mera convenção, que se perde nas brumas do tempo e que jamais foi revisada.
Olavo Bilac, na crônica que publicou em 8 de outubro de 1899, no jornal “Gazeta de Notícias” do Rio de Janeiro, a propósito da Guerra dos Bôeres, que então se travava no atual território da África do Sul, escreveu: “Ah! A fome de ouro! Em que arriscados passos não se mete a gente, por amor do lindo metal, que a natureza previdente armazenou no seio da terra, disfarçando-o em amálgamas vários, como para esconder da nossa cobiça essa origem perene de horrores e de sangreiras! Por amor dele a alma se endurece, o coração fica seco como um arcai, afiam-se as unhas à rapina, aguçam-se os dentes da traição, e o espírito, excitado pelas tentações, inventa requintes de crueldade, cria prodígios de astúcia”.
Estes só podem ser, mesmo, sintomas de uma doença, grave e incurável. Não é coisa de pessoas normais, equilibradas, sensatas e racionais. Não pode ser! Posso afirmar, com absoluta segurança, sem pestanejar, que o ouro nunca me fez, não faz e nem fará falta.
A rigor, só tive, em toda a minha vida (que já passa bem dos sessenta anos), um único objeto feito com este metal, a que tanta gente atribui tamanho valor. Foi o par de alianças do meu casamento. E até isso eu perdi – com o que arrumei, diga-se de passagem, baita encrenca com a esposa, mas não por sua valia pecuniária, mas por ela entender que eu me tenha desfeito do anel para posar de solteiro. Ela estava errada, claro. Mas foi uma luta para convencê-la!
Depois disso, jamais cheguei sequer perto de ouro. E querem saber? Isso nunca me fez a mínima falta. Não me sinto mais pobre por não possuir nada feito com esse metal e acho que não me sentiria rico se possuísse algo, a menos que fosse em quantidades gigantescas.
Reitero, pois, que não consigo entender a cabeça de quem se apega, com tamanha paixão, a coisas que, no meu critério de avaliação, são tão banais. Só pode, mesmo, se tratar de doença. Que outra explicação haveria? Não vejo nenhuma.
O mesmo pasmo, ou até maior, me despertam os que têm obsessão pelo dinheiro. É certo que ele lhes proporciona a satisfação não apenas de todas as necessidades, mas até dos mais estapafúrdios caprichos. Mas alguns têm tanto, que dá para tudo isso e ainda sobra muito, muitíssimo. Para quê tanto?!
O escritor dinamarquês, Henrik Ibsen, fez a seguinte e sábia constatação, que os obcecados por esses valores simbólicos deveriam atentar (mas não atentam): “Com o dinheiro podemos comprar muitas coisas, mas não o essencial para nós. Proporciona-nos comida, mas não apetite; remédios, mas não saúde, dias alegres, mas não a felicidade”. Vale a pena escravizar-se por tão pouco?! Só pode ser doença mesmo! Ou você tem explicação melhor?

Sunday, June 21, 2009

REFLEXÂO DO DIA


Há ocasiões (e muitas) em que nos confrontamos com pessoas tão ignorantes, e além disso agressivas, que nos forçamos a nos calar diante do que dizem, mesmo que o teor de suas declarações seja, nitidamente, de despautérios e, não raro, a respeito de temas dos quais somos especialistas. E por que nos calamos e não nos impomos como conhecedores do assunto? Por medo? Por mera covardia? Não! Por constrangimento! Percebemos a inutilidade de falarmos qualquer coisa, que será, certamente, rebatida não com argumentos, mas com atitudes agressivas do infeliz interlocutor. Procuro evitar, quando posso, pessoas desse tipo. Não gosto de constranger ninguém e nem admito que me constranjam. Mas há ocasiões em que esses encontros são inevitáveis. E o constrangimento provoca reações até físicas, diante do tom de voz e da postura tensa e ameaçadora do interlocutor. Fica-nos uma sensação até mais desagradável do que a causada pelo medo. O editor alemão, R. Kempf, fez a seguinte constatação a respeito: “Não falar, não é apenas calar. O silêncio do constrangimento marca uma sujeição seja à voz do outro, seja às forças do corpo emocionado”.

DIRETO DO ARQUIVO


Cordiais inimigos

Pedro J. Bondaczuk

As suspeitas, e até evidências, da responsabilidade da África do Sul no acidente aéreo que causou a morte do presidente moçambicano, Samora Machel, aumentaram nas últimas horas. Tornaram-se mais plausíveis, principalmente, depois dos depoimentos de dois sobreviventes do até aqui mal-explicado desastre.
O piloto soviético do Tupolev 134-A que caiu disse, no hospital em que está internado, estar completamente convencido de que a aeronave foi derrubada. Pena que, logo a seguir, se fechou, num inexplicável mutismo, deixando de fundamentar, com fatos, as razões de sua suspeita.
Outro passageiro que se salvou foi mais incisivo. Garantiu ter ouvido, quase no instante da queda do aparelho, um zunido semelhante ao disparo de uma arma de fogo de grosso calibre, seguida de uma forte explosão.
As autoridades sul-africanas, como seria de se esperar, desmentem, de todas as maneiras, essas acusações. De qualquer forma, em virtude das circunstâncias, fica a suspeita de um ato criminoso que, se confirmado, caracterizaria uma flagrante ação de guerra, que poderia ter desdobramentos muito maiores para a já nada simpática imagem da África do Sul entre a esmagadora maioria dos países da comunidade internacional.
Não se compreende como um piloto experiente, acostumado a esse tipo de aparelho (por sinal, fabricado em seu país), pudesse perder o controle da aeronave da maneira que perdeu, a ponto de confundir um vilarejo de Suazilândia com o aeroporto de Maputo, a capital moçambicana.
É verdade que o tempo estava ruim e que não era propício ao vôo. Mas a tripulação mantinha-se em contato permanente com torres de controle aéreo quer em Moçambique, quer na África do Sul. Algo despistou o piloto, fazendo com que saísse da rota a seguir. O que, de fato, aconteceu, possivelmente, jamais se venha a saber. Principalmente se a imprensa internacional não tiver acesso às investigações ou, se tiver, não se dispuser a divulgar. Mas que a suspeita contra o governo sul-africano vai permanecer (talvez para sempre), isso é inegável.
Aliás, baseados nessa possibilidade, ou seja, de que o Tupolev tenha sido abatido, é que milhares de zimbabweanos se descontrolaram, ontem, em Harare e promoveram um enorme distúrbio nas ruas da cidade, o maior e mais grave desde que o Zimbabwe conquistou a sua independência, em 1980.
Os ânimos das populações negras que cercam a África do Sul não têm sido dos mais pacíficos, ultimamente, em relação ao regime racista sul-africano. É certo que esses países nada podem fazer contra Pretória, muita mais forte, do ponto-de-vista militar, do que eles e, por mais estranho que isso possa parecer, sua única base de sustentação econômica, a despeito do antagonismo e da inimizade que os separam.
Zâmbia, Zimbabwe, Botswana e Moçambique, Estados da chamada “linha de frente” no combate ao apartheid de seu poderoso vizinho, dependem, vitalmente, dele para sobreviver. Os melhores salários que seus trabalhadores recebem vêm de empresas sul-africanas. A totalidade de suas exportações vai ou diretamente para a África do Sul, ou utiliza os portos desse país para ser escoada.
Há, portanto, um relacionamento bastante singular entre estes cinco “cordiais inimigos”. O regime de Pretória usa, aliás, essa ajuda que presta como trunfo para melhorar sua desgastadíssima imagem perante a comunidade internacional. Ameaça, com grande freqüência, retaliar economicamente os vizinhos hostis caso seus produtos sofram qualquer embargo nos mercados da Europa e dos Estados Unidos. E agir dessa forma não será nada difícil.
Bastará, por exemplo, à África do Sul impedir que os trens procedentes de Zâmbia ou do Zimbabwe circulem em seu território. Ou que seus portos não recebam e não despachem os produtos desses países. Ou que não liberem o que eles importaram. Como se vê, o governo sul-africano tem em suas mãos a irresistível arma da chantagem.
Com uma simples decisão burocrática, pode pôr em risco até a sobrevivência de imensos contingentes populacionais, que vivem em intensa pobreza, se não na indigência, sem que seja necessário disparar um único tiro. Como se vê, é um relacionamento surrealista, mas rigorosamente é o que acontece nessa região da África austral.
Claro que se trata de uma panela de pressão, que tende a explodir um dia, se nada for feito para modificar essa situação. As conseqüências desses ódios recíprocos acumulados são imprevisíveis e ficam por conta de cada um imaginar quais possam ser. Por isso, anotem: a morte de Samora Machel não vai demorar para ser convenientemente abafada. Ou algum ingênuo acredita que não?.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 22 de outubro de 1986).

Saturday, June 20, 2009

REFLEXÂO DO DIA


Conheço pessoas doutas, de imensa cultura e sagacidade, com capacidade mental muito superior à média e que, no entanto, no convívio cotidiano, são encaradas com menosprezo pelo vulgo, dada sua ternura, ingenuidade e inocência. São desprovidas de malícia e não raro, vítimas de chacotas de imbecis arrogantes, tão desprovidos de inteligência a ponto de serem incapazes de enxergar méritos em quem ostensivamente os têm (embora nunca façam alarde deles). Os verdadeiros sábios, os guias de povos, os gênios, os propulsores do progresso científico, tecnológico, artístico e espiritual, são, via de regra, humildes. Deixam a empáfia e a arrogância para os estúpidos e ignorantes. Lima Barreto escreveu a respeito, no romance “Triste fim de Policarpo Quaresma”: “...A candura e a pureza d’alma...vão habitar esses homens de uma idéia fixa, os grandes estudiosos, os sábios e os inventores, gente que fica mais terna, mais ingênua, mais inocente que as donzelas das poesias de outras épocas. É raro encontrar homens assim, mas os há e, quando se os encontra, mesmo tocados de um grão de loucura, a gente sente mais simpatia pela nossa espécie, mais orgulho de ser homem e mais esperança na felicidade da raça”. Eu me sinto assim face a esse tipo de pessoas.

Soneto à doce amada - XXVIII


Pedro J. Bondaczuk

Minha lira, com sete cordas de ouro,
e com mágicas notas de cristal,
mundo de arte, precioso tesouro
de profundo valor emocional;

esta lira, encantadora, sonora,
que busco tocar com rara destreza,
que meus sentimentos define e explora
e procura expressá-los com realeza;

agora está sem cordas e silente.
Calou as suas notas, de repente,
porque faltou-lhe a real expressão

que lhe revelasse, minha querida,
quão feliz você tornou minha vida,
quanto a ama este meu coração!

(Soneto composto em Campinas, em 10 de maio de 1968).

Friday, June 19, 2009

REFLEXÂO DO DIA


Os “pés”, com os quais deveríamos caminhar sobre a Terra e justificar plenamente nossa condição de seres racionais, únicos animais com capacidade de julgamento e entendimento dos nossos atos, são a fé e um profundo senso de valores. Bem ou mal, foram estas as características que permitiram o surgimento desse ainda pálido e caricato arremedo de civilização que, convenhamos, é muito melhor do que a absoluta barbárie. Nossa crença num ser superior, imanente, transcendente, onipotente, onipresente e eterno, é ponto de apoio para um procedimento solidário, amoroso e pacífico em relação a todo o tipo de vida. E, por conseqüência, para desenvolver valores que nos tornem de fato humanos e não feras perigosas e cruéis. Concordo, pois, plenamente, com o que afirma o humanista Daisaku Ikeda, em seu livro “Vida, um enigma, uma jóia preciosa”: “As fundações da existência humana são a fé e o senso dos valores. Somente participando na construção desses alicerces é que uma vida pode enfrentar os julgamentos a que estão sujeitos os seres humanos e gozar de completa paz e tranqüilidade. Num sentido muito realístico, habitar a Terra significa "ter os pés no chão"“. Tenhamo-los pois!

Responsabilidade desnecessária


Pedro J. Bondaczuk

Os conselhos, quando dão certo e as pessoas que os pediram fazem tudo direitinho, conforme lhes foi aconselhado, beneficiam, apenas, os que os recebem. O aconselhador, por sua vez, corre todos riscos imagináveis, sem que leve qualquer vantagem nisso. Há quem tenha a mania de aconselhar a torto e a direito, a todo o mundo, conhecidos ou desconhecidos, sem serem sequer solicitados. Tornam-se chatos, pedantes, dogmáticos e quem pode os evita.
Claro que podem estar bem intencionados (geralmente estão), não há porque se duvidar. Mas de indivíduos com boas intenções “o inferno está lotadinho”, como bem diz o povão, em sua espontânea, posto que rude, sabedoria.
Há quem diga que se conselho fosse bom, as pessoas os venderiam, não dariam de graça. Não é bem assim. Há momentos na vida em que carecemos de uma pessoa sensata, experiente, ponderada e que nos queira bem, que nos oriente em relação a determinados problemas. Como em qualquer jogo, via de regra, quem está de fora enxerga melhor. Detecta onde estão as dificuldades e se dispõe a apontar os caminhos mais adequados para sairmos de algumas enrascadas. Isto, claro, se elas tiverem saída. Às vezes não têm.
Mesmo nessas circunstâncias, porém – e supondo que quem aconselha esteja plenamente habilitado a aconselhar – o aconselhador (ou conselheiro, como queiram) sempre corre riscos. Por exemplo, quem lhe pediu orientação pode não seguir rigorosamente o que foi aconselhado a fazer e se dar mal. Ou seja, pode complicar ainda mais determinada situação já complicada. O que você acha que ele fará? Assumirá o erro e arcará com as conseqüências? Raramente.
A probabilidade maior é que lance toda a culpa do fracasso naquele que, prestamente, se dispôs a acudi-lo em suas dificuldades. Pode, inclusive, não apenas hostilizar o nobre conselheiro, como fazer algo muito pior, dependendo da sua índole.
E se o conselho der certo? Manifestará gratidão e se tornará mais íntimo de quem o aconselhou? Dificilmente. A experiência indica que assumirá todos os méritos por haver saído da enrascada que o afligia e, provavelmente, esfriará suas relações com quem o aconselhou, se não rompê-la de vez, o que é mais comum.
Que vantagem, pois, nós temos em aconselhar alguém, mesmo que se trate da esposa, do filho, do neto, do amigo ou de outra pessoa qualquer que prive da nossa irrestrita confiança e, sobretudo, intimidade? Nenhuma! Rigorosamente nenhuma!
Talvez (e nem sempre) lhe reste a satisfação íntima de haver feito uma boa ação para alguém. Na maioria dos casos, nem isso lhe sobra. Vale a pena, pois, correr tantos riscos por recompensa tão pífia (e quando ela existe)? Sinceramente, entendo que não!
Claro que não sou a pessoa mais habilitada a tratar dessa questão. Já recebi muitos conselhos (alguns excelentes, outros nem tanto), solicitados ou dados de graça e, em contrapartida, aconselhei muita gente.
Não hostilizei, porém, e nem rompi relações com nenhum dos meus conselheiros, embora muitos o merecessem. Algumas dessas pseudo-orientações (nunca pedidas, por sinal) foram tão ostensivamente ruins, que as levei na pura brincadeira. Mas também não me lancei aos pés dos que me aconselharam bem e nem lhes jurei devotar eterna gratidão.
Quanto aos conselhos que dei? Bem, arrependo-me profundamente de haver agido assim, principalmente quando as coisas deram certo. Perdi amigos, que considerava como irmãos, apenas por lhes haver apontado caminhos óbvios, que os levaram ao sucesso em muitas das suas empreitadas. Bem feito! O que eu tinha que me meter na vida alheia.
Hoje, busco sozinho as saídas para as minhas dificuldades, valendo-me da experiência que os meus já muitos anos de vida me deram. Às vezes, complico, é verdade, situações muito simples, mas arco com as conseqüências. Na maioria das vezes, porém, tenho acertado (ou quase, sei lá).
Concordo plenamente com o que Albert Einstein escreveu em um de seus textos a esse propósito: “Não me agrada aconselhar porque, em todos os casos, se trata de uma responsabilidade desnecessária”. E não é?! Pra quê procurar chifre em cabeça de cavalo ou arrumar sarna pra me coçar?! Sim, pra quê?!!!

Thursday, June 18, 2009

REFLEXÂO DO DIA


O homem contemporâneo é tão, ou na verdade muito mais brutal, do que nossos mais remotos ancestrais, inclusive os primitivos habitantes das cavernas. Teoricamente, a educação e o crescente acesso às informações, ditados pela fantástica evolução da tecnologia, deveriam reduzir, se não eliminar, todo e qualquer tipo de brutalidade. Não é, porém, infelizmente, o que acontece. Muito pelo contrário. A História registra guerras e mais guerras, ferocíssimas e sanguinárias, desde a invenção da escrita. Mas nenhuma das atrocidades de um Átila, de um Alarico, de um Genserico ou de tantos e tantos outros ferozes matadores sequer se compara, por exemplo, nem de longe, ao Holocausto, da Segunda Guerra Mundial, ou aos massacres ocorridos ainda recentemente na Bósnia, em Kosovo, na Chechênia e, notadamente no Iraque e no Afeganistão. Por isso, não tenho como deixar de dar razão ao escritor peruano, Mário Vargas Llosa, que constatou: “A brutalidade constitui uma das mais constantes heranças humanas, que o desenvolvimento absolutamente não elimina”. E aduziria, desolado: “infelizmente”.

Tiranos da Terra


Pedro J. Bondaczuk

O mundo sempre teve uma profusão de tiranias e, por conseqüência, de tiranos, desde que os primeiros homens, nossos mais remotos e selvagens ancestrais, se agruparam em tribos, cidades, reinos e nações. É verdade que alguns desses indivíduos, que impunham suas vontades a ferro e fogo e não admitiam a mais ligeira contestação, foram esclarecidos o suficiente para fazer governos relativamente equilibrados (na comparação com os que não agiram assim), promovendo o progresso e uma certa dose de felicidade aos seus povos. Foram, claro, raras exceções.
Houve tiranos que foram, sem tirar e nem pôr, loucos varridos, que exigiram serem tratados como deuses; que incendiaram cidades do próprio reino; que fizeram de seus cavalos senadores; que se divertiram com os agoniados gemidos de sofrimento dos adversários em sessões intermináveis das piores torturas que se possam imaginar, e que cometeram atrocidades tais, que nossa imaginação se torna muito estreita para sequer supor. Estes, desgraçadamente, constituíram-se em imensa maioria.
Não houve uma só época da história em que não tivéssemos tiranias e tiranos. Temo-los ainda hoje, em pleno século XXI do terceiro milênio da Era Cristã – e não poucos – e seus nomes sequer é necessário que sejam declinados, já que são do conhecimento das pessoas cultas ou bem-informadas.
A história está repleta de nomes cuja simples menção nos faz estremecer de repulsa e de horror. Muitos deles foram glorificados e se constituíram em heróis nacionais. Isso porque nossa memória é frágil e se torna traiçoeira à medida em que os anos passam. Há os que “glorificam” essas pessoas más e mesquinhas por somente ouvirem falar de suas estripulias e não terem sentido na própria carne o peso da sua tirania. Caso fossem suas vítimas, ou tivessem parentes que o tenham sido, estremeceriam de ódio e de nojo à sua simples menção.
É impossível estabelecer uma primazia e determinar qual desses verdugos foi o mais terrível, o mais louco, o mais sanguinário e o que fez maior número de vítimas. A disputa, convenhamos, é das mais acirradas. Pelo sim, pelo não, convém considerar que há empate neste cômputo de autoritarismo e crueldade.
Todavia, os maiores tiranos da Terra não foram nenhum desses celerados cujas atrocidades a História registra. Não viveram no passado e sequer são mortais. Existem desde que o Planeta foi formado e continuarão existindo enquanto houver vida por aqui. Quais são? O pensador John Herder (não confundir com o ator, seu homônimo, protagonista do filme “Blades of Glory”, que no Brasil recebeu o nome de “Escorregando para a glória”) nos revela quem são: “Os maiores tiranos da Terra: o acaso e o tempo”.
Da tirania desses verdugos ninguém nunca conseguiu e jamais conseguirá escapar, por mais forte, resistente, sábio, astuto e precavido que seja. Ambos atuam sobre nós (sobre todos nós, indistintamente) desde o nascimento (que já é, por si só, imensa casualidade) até a morte, que sabemos que um dia haverá de nos colher, mas não temos a menor noção de onde, como e quando.
Que me perdoem as pessoas que dizem, de boca cheia, que “nada acontece por acaso”. De onde tiraram tamanha convicção? Qual a prova, por mínima que seja, que podem apontar para corroborar tão atrevida assertiva? As evidências, aliás, todas elas, apontam em sentido diametralmente oposto. Ou seja, de que “tudo” acontece por acaso.
Se um meteorito se chocar com a Terra e extinguir nossa arrogante espécie, como já ocorreu no passado com tantas outras, será fruto de algum determinismo? De qual? Há milhares de cometas circulando por aí, por entre os planetas do nosso Sistema Solar, sem nenhuma direção. De repente, um deles pode se transviar e atingir exatamente o nosso domos cósmico, passando por outros cinco ou seis mais próximos e maiores (ou seja, com alvo muito mais fácil e lógico) e vir, caprichosamente, nos atingir. Isso estava determinado? Onde? Por quem?
Quanto ao tempo... É até desnecessário e redundante apontar suas ações sobre nós. Basta que nos olhemos, amiúde, no espelho para constatar os estragos que faz em nosso corpo. Sepulta a tudo e a todos, sem poupar nada e ninguém: nem cidades, nem templos, nem tumbas, nem monumentos, nem sábios, nem toupeiras, nem heróis e nem poltrões. Sequer democratas ou tiranos. Não faz distinções. Existe tirania maior? Qual?

Wednesday, June 17, 2009

REFLEXÂO DO DIA


O presente é sumamente ambíguo. Sua duração é tão ínfima, que chega a se constituir em mera metáfora, em simples símbolo, em verdadeira abstração. Para se ter idéia da sua fugacidade, basta dizer que é mais veloz, até, do que a luz, cuja velocidade é de 300 mil quilômetros por segundo. Mal pronunciamos a primeira sílaba da palavra que o caracteriza, “pre”, e ele já é, há alguns centésimos de segundo, passado. Trata-se, por isso, de fração do tempo absolutamente indimensionável. Ninguém nunca a mediu e jamais conseguirá medir. Antônio Vieira, neste trecho do “Sermão da Quarta-Feira de Cinzas”, deixa clara sua ambigüidade, embora quase nunca venhamos a nos dar conta dela: “Olhai para o passado e para o futuro e vereis o presente. A razão ou conseqüência é manifesta. Se no passado se vê o futuro, e no futuro se vê o passado, segue-se que no passado e no futuro se vê o presente, porque o presente é o futuro do passado, e o mesmo presente é o passado do futuro”. Ambíguo, não é verdade? Ambíguo e fascinante.

Viver e ser vivido


Pedro J. Bondaczuk

A capacidade de narrar fatos – vividos ou meramente inventados – é algo admirável, embora nem sempre atentemos para isso. Há repórteres, por exemplo, dos quais não escapa o mínimo detalhe de algum acontecimento que trazem ao público e, ainda assim, conseguem redigir textos enxutos, sucintos, diretos e atrativos. São poucos, hoje em dia, é verdade, mas existem, mesmo que não sejam devidamente valorizados por seus editores e pela direção da empresa em que trabalham.
Embora o significado da palavra “reportar” seja “reproduzir fielmente o que se vê, se ouve e se sabe”, a reportagem (a boa, claro) constitui-se, sempre, num ato de criação. E que criação! Dá gosto de ler os textos dos repórteres criativos. “Ora, a eles não compete descrever a realidade exatamente como ela é?”, perguntarão alguns. “Caso criem, não estarão distorcendo os fatos, contradizendo os princípios da reportagem? Não seria um paradoxo?” Não! Toda narrativa que seja detalhada e faça com que os que a lêem visualizem determinada situação é criativa.
Atrevo-me a dizer que narrar é muito mais complicado do que viver. Exigem-se do narrador característica que não são tão comuns como se imagina. O cão, por exemplo, vive, mas não narra. O mesmo acontece com árvores, flores, peixes e até mesmo bactérias. Só o homem tem essa capacidade e, convenhamos, a minoria da espécie.
A questão da criatividade de uma narrativa envolve, evidentemente, não apenas o repórter, mas também (e em maior grau) o escritor. A matéria-prima deste é mais abstrata, mais sutil, invisível e, portanto, menos (ou nada) palpável. Pode ser, por exemplo, a descrição de um pensamento, exposto com tal perícia, que se torne concreto aos nossos olhos. Ou de determinada situação, detalhada, abrangente, verossímil, posto que inventada por ele.
Claro que, nestes casos, o escritor baseia-se (na maior parte das vezes) em algo acontecido. Tem, quase sempre, um “modelo”, um referencial, algo em que se basear. Mas nem sempre. No caso da ficção científica, por exemplo, ele descreve cenários e personagens que só existem em sua fértil imaginação. Isso foge da competência do repórter, por mais hábil e criativo que seja. Excluamos, porém, esse gênero.
Normalmente, os personagens do escritor são vivos, perambulam pelas ruas das cidades ou dos campos, posto que com outros nomes e outras características. Mas, ainda assim... Vivem só na sua imaginação. Saíram, todos, da sua cabeça, posto que replicando pessoas reais, de carne e osso.
O escritor leva uma vantagem sobre o repórter (embora sua tarefa lhe exija dose infinitamente maior de criatividade): descreve, até, o que os personagens que “cria” pensam. Age como um deus, onipresente em todas as ações e, sobretudo, com onisciência.
Fernando Pessoa atribuía valor imenso à narrativa. “Esse não vale, é suspeito para opinar, porquanto era escritor”, intervirá, de novo, o leitor chato e ranzinza que encontra defeitos e contradições em tudo o que se escreve. Vale sim, pois o que afirmou é incontestável e convincente (basta um pouquinho só de reflexão).
Fernando Pessoa escreveu, num dos tantos escritos que nos legou, naquele seu famoso “baú” (que parece inesgotável), de textos que escreveu e que ficaram inéditos (parte deles continua sendo publicada a conta-gotas): “Narrar é criar, pois viver é apenas ser vivido”. Intriga-nos, à primeira leitura, sobretudo a segunda parte da citação. Parece mera frase de efeito, fora do contexto.
“Como viver é apenas ser vivido?!”, perguntei, perplexo, aos meus botões, na primeira vez que li estas palavras. Depois, ponderando, cheguei à conclusão que ele está certíssimo. Raciocinemos.
Viemos ao mundo à nossa revelia. Ninguém pediu para nascer. Ademais – que me desculpem os deterministas e aqueles que crêem em destino – vivemos sem nenhum plano prévio traçado. As coisas vão acontecendo, independentes da nossa vontade, do berço à tumba. Por mais que nos planejemos, somos, sempre, dependentes do fortuito, do casual, do aleatório, daquilo que José Ortega y Gasset denominou de “circunstâncias”, a despeito de contarmos (supostamente) com o tal do “livre-arbítrio”..
Somos vidas compostas de outras vidas, autônomas (cada célula do nosso corpo e cada bactéria benigna que “habita” nosso organismo tem ciclo vital próprio, de nascimento, crescimento, reprodução e morte), embora dependentes da sobrevivência do conjunto. Nesse aspecto, portanto, “somos vividos e, só por isso, também vivemos”. Pense nisso, leitor amigo, até como exercício de reflexão. E depois, narre com precisão e criatividade... claro, se for capaz!

Tuesday, June 16, 2009

REFLEXÂO DO DIA


O tempo sempre foi, é e continuará sendo, enquanto eu viver, o foco central das minhas reflexões e o tema predileto do que escrevo. Não quanto à sua passagem, óbvio, pois sobre esta não tenho como interferir, mas quanto à sua natureza e como agir para aproveitá-lo da melhor maneira. Já escrevi centenas de textos a respeito e sempre encontro ângulos novos a abordar. Como este, sugerido por Antônio Vieira, no magnífico “Sermão da Quarta-Feira de Cinzas”, proferido há mais de trezentos anos e que é mais atual do que nunca: “Ponde estes dois espelhos um defronte do outro, e assim como os raios do ocaso ferem o oriente e os do oriente o ocaso, assim, por reverberação natural e recíproca, achareis que no espelho do passado se vê o que há de ser, e no do futuro o que foi. Se quereis ver o futuro, lede as histórias e olhai para o passado; se quereis ver o passado, lede as profecias e olhai para o futuro. E quem quiser ver o presente, para onde há de olhar?” Bela pergunta!

Feri-me, mas me curei


Pedro J. Bondaczuk

As cicatrizes são as verdadeiras medalhas que atestam o mérito de um guerreiro. Onde quer que vá, estão com ele. Não as retira nem quando se despe para banhar-se ou para dormir. Estão estampadas em sua pele. Acompanham-no vida afora a atestarem que se feriu, porquanto lutou, mas que teve forças para se curar.
Sei que a metáfora é um tanto inadequada, ainda mais levando em conta que sou absolutamente avesso a qualquer tipo de violência. O “guerreiro” a que me refiro não é, pois, o sujeito que, de armas na mão, investe contra outra pessoa num campo de batalha, tentando matá-la para não ser morto. Oponho-me a qualquer guerra, mesmo as eufemisticamente classificadas como de “defesa”. Afinal, quando um não quer, dois não brigam.
Essas explosões de ódio e de violência já causaram inúmeras desgraças, História afora. Resultaram na morte de milhões de pessoas, a maior parte das quais inocentes, apenas para satisfazer a ambição e a sede de poder de tiranos. A esse tipo de guerra abomino, e irei abominar enquanto existir.
O guerreiro a que me refiro, porém, é quem luta pela vida. Sou eu, é você, são seus amigos e conhecidos etc. São os que todas as manhãs, saudáveis ou doentes, dispostos ou indispostos, alegres ou tristes, saem de casa em busca do sustento, do sucesso e da felicidade.
Esta é uma guerra sem fim, que atravessa gerações e que se repete sempre, ano após ano, século após século, milênio após milênio, posto que com novos personagens e cenários bastante diversos. Sua maior batalha, portanto, é a da sobrevivência. Contudo não a qualquer custo, mas com honra e dignidade.
É uma luta às vezes insana, em que nos vemos muitas vezes confrontados com situações críticas e aflitivas, que surgem à nossa revelia, sem que tenhamos a menor condição de prever. E não raro nos ferimos com maior gravidade nas circunstâncias aparentemente mais inocentes, triviais e potencialmente menos perigosas, tomados, que somos, de surpresa, inertes e indefesos.
Ora esses ferimentos vêm, por exemplo, de pessoa que amamos sem restrições, que acreditávamos nos fosse leal e fiel e que, no entanto, nos apunhala pelas costas, desmerecendo nossa confiança. E como isso dói!
Trata-se de situação das mais comuns e nem assim conseguimos nos prevenir para elas. Ora esses ferimentos provêm, por outro lado, de algum amigo, desses que estimamos como a um irmão, em cujas mãos seríamos capazes de depositar nossas vidas e que, no entanto, nos trai, sem essa ou mais aquela, não raro por míseros “trinta talentos” (como Judas fez com Jesus Cristo).
Muitas dessas feridas não cicatrizam jamais. Permanecem abertas, em carne viva, doendo e sangrando e não raro arruínam uma vida. Claro que não podemos ser sensíveis a esse ponto. Os que se deixam abater por circunstâncias, como essas, jamais ostentarão as medalhas do bom combate, representadas pelas cicatrizes. Não foram fortes para se curar. Perderam uma batalha e deram a própria guerra por perdida. Os consultórios de especialistas estão abarrotados de gente assim, que se feriu e não soube como se curar.
Há, por exemplo, quem jamais volte a amar, condenando-se à perpétua solidão. Há quem não confie em mais ninguém, tornando-se arredio, brusco e hostil e espantando todos ao seu redor, inclusive quem poderia lhe prestar amparo e auxílio. São atitudes até compreensíveis, embora nada pragmáticas e, sobretudo, autodestrutivas.
Não há demérito algum em cair. Há, porém, quando não temos forças ou não sabemos como nos levantar. A vida não é constituída de um só dia e nem de um único episódio. O fracasso de hoje, pode se constituir no sucesso de amanhã (e vice-versa).
Compete-nos adquirir maleabilidade. É prudente sempre termos alternativas, um “Plano B” por exemplo, na eventualidade do fracasso do que planejávamos (não importa se um relacionamento afetivo estável, uma atividade profissional para a qual nos preparamos com afinco por anos ou a concretização de um sonho que estava em nossas mãos e nos escapou por entre os dedos).
Há um poema belíssimo, de Rabindranath Tagore, cujos versos finais dizem: “Quando eu estiver contigo no fim do dia/ poderás ver as minhas cicatrizes,/ e então saberás que eu me feri/ e também me curei”. Seja, pois, o guerreiro do cotidiano que, quando ferido, saiba se curar e ostentar, com orgulho, a medalha indestrutível das suas cicatrizes.

Monday, June 15, 2009

REFLEXÂO DO DIA


Os mais jovens, se preconceituosos e néscios (nem todos são), quando querem desmerecer alguém mais idoso, com mais de trinta anos, dizem, torcendo o nariz: “Você é ultrapassado! É do século passado! Melhor, é do milênio passado!”. E nós, que temos mais de trinta (aliás, na verdade, mais de dez, abrangendo, portanto, esses jovens), de fato somos. E daí? Não fomos nós que construímos esse mundo, que bem ou mal, ainda está de pé Eduardo Galeano escreveu o seguinte a respeito, no livro “Um convite ao voo”: “Milênio vai, milênio vem, a ocasião é propícia para que os oradores de inflamado verbo discursem sobre os destinos da humanidade e para que os porta-vozes da ira de Deus anunciem o fim do mundo e o aniquilamento geral, enquanto o tempo, de boca fechada, continua sua caminhada ao longo da eternidade e do mistério”. E concluiu:.“Temos uma única certeza: no século XXI, se ainda estivermos aqui, todos nós seremos gente do século passado e, pior ainda, do milênio passado”.

À margem de nós


Pedro J. Bondaczuk

A rotina, quando é construtiva, ou seja, quando o que estamos fazendo é valioso e útil e, sugira, portanto, continuidade, não deixa de ser benigna e benfazeja. Todavia, tem um inconveniente: traz-nos o risco da acomodação. Pode ser útil e desejável por algum tempo, mas não “para sempre”.
Aliás, esta palavra, como a sua antônima, “nunca”, é sumamente ambígua, porquanto sugere algo interdito a nós, humanos. Ela apenas seria válida se fôssemos eternos o que, evidentemente, não somos. Nada, portanto, é para “sempre”, embora possa ser por tempo bastante longo.
Fala-se muito de marginalidade, sobretudo a social, sobre exclusão, sobre o fato de considerarmos (e tratarmos) alguns seres humanos como se sequer fossem da nossa espécie. Claro que se trata de uma atitude nociva e, mais, aberrante. A despeito de alguns milênios disso que chamamos, até eufemisticamente, de “civilização”, ainda não aprendemos a nos relacionar, com solidariedade e justiça, com todas as pessoas. Tenho minhas dúvidas se algum dia aprenderemos.
Todavia, há uma espécie de marginalização tão grave (ou mais) quanto a social: é quando ficamos à margem de nós mesmos. É quando nos desconhecemos e, por isso, nos vemos incapazes de controlar pensamentos, sentimentos e, sobretudo ações. Há milhões de pessoas, mundo afora, vivendo à margem de si próprias. Não se gostam e, por isso, são incapazes de gostar dos outros. Não se entendem e não conseguem entender a quem quer que seja.
Fazem de suas vidas maçantes rotinas e são incompetentes para dar um único passo adiante e assim sair do “círculo de giz”, que elas próprias traçaram e que as mantém presas a hábitos sem sentido, a relacionamentos sem futuro (e muito menos presente), a idéias estereotipadas que sequer compreendem, e assim por diante, como se fosse indevassável prisão, intransponível muralha.
Mantêm, sempre, as “mesmas roupas usadas” (figurativamente, claro), como diria Fernando Pessoa, sem que se sintam capazes de mudar uma só vez as vestimentas. Cristalizam a mediocridade que, com os anos, finda por se petrificar. Marginalizam-se de si próprias. Sufocam sonhos, sem que os revelem para ninguém, e afogam afetos, como muitas vezes fazem com gatinhos recém-nascidos.
Mesmo que não tenhamos personalidade ousada, temperamento aventureiro e apostemos na segurança (o que, quando sem exageros, tem o nome de prudência), há momentos na vida em que temos que nos aventurar. Temos que trocar as vestes que, como Fernando Pessoa ressalta, “já têm a forma do nosso corpo”, e mudar os “caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares” por outros, que sequer sabemos onde irão desembocar, mas que devemos trilhar, mesmo que com medo e insegurança.
Isso é o que se chama “viver”. É tentar, tropeçar, errar, voltar a tentar, cair, se levantar, mas seguir em frente, sempre adiante, numa vasta sucessão de experiências. Algumas, certamente, serão amargas, mas temos que correr esse risco. Outras, nos deixarão cicatrizes, ainda assim válidas, pois muitas das lições que nos compete aprender são aprendidas com dor.
Fernando Pessoa refere-se a esse tempo de mudanças em nossa vida como “o da travessia”.. Comparo-a à empreendida pelos hebreus, ao saírem do Egito, sob o comando firme de Moisés. Eles não hesitaram diante do obstáculo representado pelo Mar Vermelho, aparentemente instransponível. Avançaram, decididos, em direção do aparente perigo. Confiaram e as águas se abriram à sua passagem, para que fizessem a travessia.
E seu espírito de aventura não parou por aí. Os hebreus vagaram 40 longos anos pelo inóspito e perigoso Deserto do Sinai, tendo em mente a Terra Prometida que um dia lograram a alcançar. Muitos dos que saíram do Egito ficaram pelo caminho. Mas seus descendentes conseguiram chegar ao que mais almejavam quando submetidos à humilhante e terrível escravidão no Egito: à liberdade.
Mudemos, pois, nossas vestes. Troquemos os atuais caminhos que conhecemos por outros, desconhecidos, que podem, é verdade, nos levar ao desastre, mas também à felicidade. Atravessemos o nosso Sinai. Não nos deixemos constranger pelo Mar Vermelho à nossa frente. Atravessemo-lo, sob o risco de nos afogar. Por que, como Fernando Pessoa destacou muito bem, se não ousarmos fazer essa travessia, “teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”.