Pedro J. Bondaczuk
“A taça do mundo é nossa/com brasileiro, não há quem possa/êêta esquadrão de ouro/é bom no samba, é bom no couro”. Tão logo saiu o gol de Pelé, “no apagar das luzes” do espetáculo, como diria o saudoso Fiori Gigliotti, o País inteiro, do Oiapoque ao Chuí, explodiu em alegria, tendo essa música por pano de fundo, como uma espécie de trilha sonora de um drama com final feliz.
E põe felicidade nisso! Nas ruas das cidades espalhadas por este país-continente, multidões enlouquecidas de alegria se aglomeraram, eufóricas, orgulhosas, ébrias de felicidade (e muita gente, claro, de álcool mesmo). Pessoas de todas as raças e condições sociais dançavam, se abraçavam, se beijavam, confraternizando, ainda incrédulas, sem saber direito se o que havia acabado de acontecer era mesmo verdade ou se tudo não passava de sonho. E isso ocorreu há já 50 anos!
Refiro-me, claro, ao primeiro título mundial de futebol conquistado pelo Brasil, nos gramados da Suécia, consolidado com aqueles 5 a 2 sobre os donos da casa, com o quinto gol saindo no minutinho final de jogo, para fechar com chave de ouro uma jornada memorável e não deixar a mínima dúvida, em quem quer que fosse, sobre a justiça da conquista.
Esse 28 de junho de 1958 era o meu primeiro dia de férias. Acompanhei, pois, essa decisão, com tranqüilidade, em casa, em São Caetano do Sul, no ABC paulista, onde residia. Na ocasião, eu estudava em um colégio interno do Distrito de Jacuba (hoje a cidade de Hortolândia). Esse ano, aliás, foi muito especial para mim, pois me apaixonei pela primeira vez e andava com a cabeça nas nuvens, no delírio dessa primeira juvenil paixão.
Na escola, era proibida a entrada de rádios. Era questão de disciplina. Tive, pois, que me virar como podia para acompanhar as transmissões de Edson Leite, na Rádio Bandeirantes – que comandava a chamada “Cadeia Verde-Amarela” –, dos jogos anteriores dessa Copa, disputada em país tão distante, no outro lado do mundo.. Como? Na base da malandragem (sadia, claro, diria com o “jeitinho brasileiro”).
No internato, havia um quartinho reservado para o Allison Jones (um norte-americano com alma de brasileiro) que o utilizava como oficina de aparelhos eletrônicos. Claro que ali havia um receptor de rádio que, aliás, ele próprio havia montado. Vira e mexe, nos dias de jogo, eu simulava que tinha algum recado urgente a dar ao companheiro (tinha nasda!). E aproveitava a ocasião para ouvir, claro, as transmissões, do início ao fim.
Como todo brasileiro de então, eu não tinha nenhuma esperança de título. Achava que se o Brasil conseguisse passar para as quartas-de-final, estaria de bom tamanho. Sofri, como todo torcedor, com os 3 a 0 contra a Áustria. O placar foi enganador, pois os austríacos deram trabalho enorme, sobretudo no primeiro tempo. Pior foi o 1 a 0 chorado sobre País de Gales, com um gol antológico de Pelé, dando um chapéu no zagueirão galês antes de tocar para as redes.
Todos diziam, então, que nunca mais aquele garoto franzino, de 17 anos, faria um gol sequer parecido. Fez. E igualzinho, sem tirar e nem pôr. O máximo do “atrevimento” foi fazê-lo justo na decisão de uma Copa, contra a Suécia, a dona da casa. Mostrou, assim, que não estava ali por acaso, mas que era um gênio na arte de jogar bola. Aqueles dois gols fantásticos foram, na verdade, seu cartão de visitas, apresentado com graça, elegância e magia ao mundo dos esportes. Só passei a acreditar na possibilidade de título após aqueles 5 a 2 sobre a França, o bicho-papão daquela competição.
Mesmo assim, contra os suecos, eu estava com um pé atrás. Não conseguia esquecer o vexame do Maracanã, oito anos antes, na derrota frente ao Uruguai. Na época desse “desastre” esportivo (que os uruguaios batizaram de “Maracanazzo”), eu estava com sete anos de idade e já era torcedor ferrenho da Ponte Preta, o primeiro time que me encantou, tão logo vim do Rio Grande do Sul para São Paulo. Supersticioso, ouvi o jogo final da Copa de 1958 no meu quarto, sozinho, afastado do mundo, para não “dar azar”. Quando os suecos abriram o placar, minha tentação imediata foi a de desligar o rádio. Prevaleceu, porém, minha curiosidade. Talvez fosse minha intuição, não sei.
Não tardou, todavia, para Garrincha luzir. O Mane das pernas tortas entortou, por duas vezes, em dois lances iguaizinhos (que até pareciam replay) o lateral sueco e, em ambas ocasiões, rolou a bola, mansamente, com “açúcar e com afeto”, para Vavá, na entrada da pequena área, que não perdoou. Num abrir e fechar de olhos, o Brasil virou o jogo.
Nessa época, frise-se, não havia transmissão internacional pela TV. Os satélites de comunicação sequer ainda haviam sido desenvolvidos e mal os soviéticos tinham colocado em órbita da Terra, em outubro de 1957, um artefato rústico, pequeno e feio, sem nenhuma serventia, a não ser de propaganda do seu regime: o “Sputnik”, que na ocasião chegou a ser considerado “a maravilha das maravilhas”.
O que se viu, então, no País inteiro, tão logo o árbitro apitou o final da partida, é algo que jamais eu conseguiria ou conseguirei descrever, sequer aproximadamente. Foi mais do que euforia. Foi ela também, claro, mas somada a um sentimento de orgulho nacional impressionante. Saí, como todo mundo, para as ruas de São Caetano, para festejar. Abracei todos que encontrei pelo caminho, idosos, crianças, mulheres maduras, mocinhas, meninotas... Até cachorro abraçaria se me surgisse pela frente, sem mesmo atinar por que.
Nelson Rodrigues expressou bem, em sua coluna na imprensa carioca, o que havia acontecido aos brasileiros, após aqueles mágicos 90 minutos no enlameado campo de futebol em Estocolmo, ao escrever: “Já ninguém mais tem vergonha de sua condição nacional. E as moças da rua, as datilógrafas, as comerciárias, as colegiais, andam pelas calçadas com um charme de Joana D'Arc. O povo já não se julga mais um vira-latas. Sim, amigos, o brasileiro tem de si mesmo uma nova imagem”.
Sobre o comportamento da nossa população, aliás, ele escreveria, anos mais tarde, no seu livro “Flor de Obsessão” (Companhia das Letras, 1997): “O que atrapalha o brasileiro é o próprio brasileiro. Que Brasil formidável seria o Brasil se o brasileiro gostasse do brasileiro!”. É verdade! Mas essa é uma outra história...
O que contava, naqueles momentos, era a redenção do nosso povo, em termos de orgulho nacional, até então irrisório, quase inexistente. Finalmente, éramos bons em alguma coisa, mesmo que se tratasse, apenas, de um esporte, embora o mais popular do Planeta.
E esse resgate veio dos pés de brasileiros. Foi obtido graças à superação – afinal não éramos os favoritos – (e à genialidade, claro, de Newton Santos, Zito, Didi, Garrincha, Pelé e dos demais jogadores) de uma seleção que partiu para a Suécia totalmente desacreditada – houve, até, um deputado (sempre nossos políticos!) que sugeriu que a CBD desistisse oficialmente da participação brasileira nessa Copa, para evitar “novo vexame” – e retornou coberta de glórias.
E isso ocorreu ainda ontem... Um ontem tão longo, que já tem meio século!
“A taça do mundo é nossa/com brasileiro, não há quem possa/êêta esquadrão de ouro/é bom no samba, é bom no couro”. Tão logo saiu o gol de Pelé, “no apagar das luzes” do espetáculo, como diria o saudoso Fiori Gigliotti, o País inteiro, do Oiapoque ao Chuí, explodiu em alegria, tendo essa música por pano de fundo, como uma espécie de trilha sonora de um drama com final feliz.
E põe felicidade nisso! Nas ruas das cidades espalhadas por este país-continente, multidões enlouquecidas de alegria se aglomeraram, eufóricas, orgulhosas, ébrias de felicidade (e muita gente, claro, de álcool mesmo). Pessoas de todas as raças e condições sociais dançavam, se abraçavam, se beijavam, confraternizando, ainda incrédulas, sem saber direito se o que havia acabado de acontecer era mesmo verdade ou se tudo não passava de sonho. E isso ocorreu há já 50 anos!
Refiro-me, claro, ao primeiro título mundial de futebol conquistado pelo Brasil, nos gramados da Suécia, consolidado com aqueles 5 a 2 sobre os donos da casa, com o quinto gol saindo no minutinho final de jogo, para fechar com chave de ouro uma jornada memorável e não deixar a mínima dúvida, em quem quer que fosse, sobre a justiça da conquista.
Esse 28 de junho de 1958 era o meu primeiro dia de férias. Acompanhei, pois, essa decisão, com tranqüilidade, em casa, em São Caetano do Sul, no ABC paulista, onde residia. Na ocasião, eu estudava em um colégio interno do Distrito de Jacuba (hoje a cidade de Hortolândia). Esse ano, aliás, foi muito especial para mim, pois me apaixonei pela primeira vez e andava com a cabeça nas nuvens, no delírio dessa primeira juvenil paixão.
Na escola, era proibida a entrada de rádios. Era questão de disciplina. Tive, pois, que me virar como podia para acompanhar as transmissões de Edson Leite, na Rádio Bandeirantes – que comandava a chamada “Cadeia Verde-Amarela” –, dos jogos anteriores dessa Copa, disputada em país tão distante, no outro lado do mundo.. Como? Na base da malandragem (sadia, claro, diria com o “jeitinho brasileiro”).
No internato, havia um quartinho reservado para o Allison Jones (um norte-americano com alma de brasileiro) que o utilizava como oficina de aparelhos eletrônicos. Claro que ali havia um receptor de rádio que, aliás, ele próprio havia montado. Vira e mexe, nos dias de jogo, eu simulava que tinha algum recado urgente a dar ao companheiro (tinha nasda!). E aproveitava a ocasião para ouvir, claro, as transmissões, do início ao fim.
Como todo brasileiro de então, eu não tinha nenhuma esperança de título. Achava que se o Brasil conseguisse passar para as quartas-de-final, estaria de bom tamanho. Sofri, como todo torcedor, com os 3 a 0 contra a Áustria. O placar foi enganador, pois os austríacos deram trabalho enorme, sobretudo no primeiro tempo. Pior foi o 1 a 0 chorado sobre País de Gales, com um gol antológico de Pelé, dando um chapéu no zagueirão galês antes de tocar para as redes.
Todos diziam, então, que nunca mais aquele garoto franzino, de 17 anos, faria um gol sequer parecido. Fez. E igualzinho, sem tirar e nem pôr. O máximo do “atrevimento” foi fazê-lo justo na decisão de uma Copa, contra a Suécia, a dona da casa. Mostrou, assim, que não estava ali por acaso, mas que era um gênio na arte de jogar bola. Aqueles dois gols fantásticos foram, na verdade, seu cartão de visitas, apresentado com graça, elegância e magia ao mundo dos esportes. Só passei a acreditar na possibilidade de título após aqueles 5 a 2 sobre a França, o bicho-papão daquela competição.
Mesmo assim, contra os suecos, eu estava com um pé atrás. Não conseguia esquecer o vexame do Maracanã, oito anos antes, na derrota frente ao Uruguai. Na época desse “desastre” esportivo (que os uruguaios batizaram de “Maracanazzo”), eu estava com sete anos de idade e já era torcedor ferrenho da Ponte Preta, o primeiro time que me encantou, tão logo vim do Rio Grande do Sul para São Paulo. Supersticioso, ouvi o jogo final da Copa de 1958 no meu quarto, sozinho, afastado do mundo, para não “dar azar”. Quando os suecos abriram o placar, minha tentação imediata foi a de desligar o rádio. Prevaleceu, porém, minha curiosidade. Talvez fosse minha intuição, não sei.
Não tardou, todavia, para Garrincha luzir. O Mane das pernas tortas entortou, por duas vezes, em dois lances iguaizinhos (que até pareciam replay) o lateral sueco e, em ambas ocasiões, rolou a bola, mansamente, com “açúcar e com afeto”, para Vavá, na entrada da pequena área, que não perdoou. Num abrir e fechar de olhos, o Brasil virou o jogo.
Nessa época, frise-se, não havia transmissão internacional pela TV. Os satélites de comunicação sequer ainda haviam sido desenvolvidos e mal os soviéticos tinham colocado em órbita da Terra, em outubro de 1957, um artefato rústico, pequeno e feio, sem nenhuma serventia, a não ser de propaganda do seu regime: o “Sputnik”, que na ocasião chegou a ser considerado “a maravilha das maravilhas”.
O que se viu, então, no País inteiro, tão logo o árbitro apitou o final da partida, é algo que jamais eu conseguiria ou conseguirei descrever, sequer aproximadamente. Foi mais do que euforia. Foi ela também, claro, mas somada a um sentimento de orgulho nacional impressionante. Saí, como todo mundo, para as ruas de São Caetano, para festejar. Abracei todos que encontrei pelo caminho, idosos, crianças, mulheres maduras, mocinhas, meninotas... Até cachorro abraçaria se me surgisse pela frente, sem mesmo atinar por que.
Nelson Rodrigues expressou bem, em sua coluna na imprensa carioca, o que havia acontecido aos brasileiros, após aqueles mágicos 90 minutos no enlameado campo de futebol em Estocolmo, ao escrever: “Já ninguém mais tem vergonha de sua condição nacional. E as moças da rua, as datilógrafas, as comerciárias, as colegiais, andam pelas calçadas com um charme de Joana D'Arc. O povo já não se julga mais um vira-latas. Sim, amigos, o brasileiro tem de si mesmo uma nova imagem”.
Sobre o comportamento da nossa população, aliás, ele escreveria, anos mais tarde, no seu livro “Flor de Obsessão” (Companhia das Letras, 1997): “O que atrapalha o brasileiro é o próprio brasileiro. Que Brasil formidável seria o Brasil se o brasileiro gostasse do brasileiro!”. É verdade! Mas essa é uma outra história...
O que contava, naqueles momentos, era a redenção do nosso povo, em termos de orgulho nacional, até então irrisório, quase inexistente. Finalmente, éramos bons em alguma coisa, mesmo que se tratasse, apenas, de um esporte, embora o mais popular do Planeta.
E esse resgate veio dos pés de brasileiros. Foi obtido graças à superação – afinal não éramos os favoritos – (e à genialidade, claro, de Newton Santos, Zito, Didi, Garrincha, Pelé e dos demais jogadores) de uma seleção que partiu para a Suécia totalmente desacreditada – houve, até, um deputado (sempre nossos políticos!) que sugeriu que a CBD desistisse oficialmente da participação brasileira nessa Copa, para evitar “novo vexame” – e retornou coberta de glórias.
E isso ocorreu ainda ontem... Um ontem tão longo, que já tem meio século!
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