Tuesday, July 29, 2008

Como um grãozinho


Pedro J. Bondaczuk

O renascimento, ou seja, a volta de uma pessoa (qualquer que seja) à vida, com a mesma característica física e mental que tinha antes de morrer, é, objetivamente, absoluta impossibilidade. É uma hipótese restrita, somente, ao terreno da fé. Muitos crêem em ressurreição – aliás, um dos dogmas do cristianismo – para um possível (ou provável?) Juízo Final, em que todos os nossos atos, até os mais corriqueiros e banais, seriam julgados, um a um, e os que reunissem méritos por agir com correção e bondade, gozariam da vida eterna. Já os maus, corruptos, perversos e violentos... seriam destruídos para todo o sempre.
Não entro no mérito da questão. Afinal... há muito mais mistério entre o céu e a terra do que pode supor nossa vã filosofia. Contudo, em termos objetivos, à luz fria da ciência, trata-se de uma impossibilidade fatal. Não se conhece um só caso, comprovado, de alguém que tenha morrido e voltado à vida, retomando suas atividades normais.
Não me refiro a “milagres” (como o de Lázaro), pois não estou tratando de religião. Ademais, cada um crê no que mais lhe convém. Não concordo e nem discordo de quem acredita. E reservo-me o direito de não expor, publicamente, minhas crenças. É questão de foro íntimo.
Há os que crêem que essa nossa parte imaterial, essa energia que comanda o nosso organismo e nos faculta contarmos com o exercício da razão, denominada de “alma”, é imortal. Muitos, inclusive, acreditam em reencarnação. Respeito, reitero, essa e todas as crenças. Mas...
Vou fazer uma provocação com o paciente leitor. Suponha que, de fato, fosse possível recomeçar a vida do princípio, que houvesse a possibilidade de regressão física ao útero materno para um novo nascimento, como você viveria esse recomeço? Fiz essa pergunta, há algum tempo, numa roda de amigos e as respostas foram as mais variadas possíveis. Era de se esperar.
Uns, disseram que viveriam exatamente como já viveram, repetindo tudo o que passaram, pensaram e fizeram tim-tim por tim-tim, sem mudar absolutamente nada. Outros, porém, foram radicais e confessaram que fariam as mais variadas mudanças, desde a família em que nasceram, ao país, condições econômicas, sociais, profissão, aptidões etc.
É impossível, claro, medir o grau de sinceridade de cada resposta. Desconfio que a maioria (se não a totalidade), mentiu, mesmo que inconscientemente, não apenas para o informal pesquisador (no caso, eu), mas cada um para si próprio. Enfim... Ademais, o estado de espírito dos amigos, quando responderam à questão, certamente foi decisivo.
Quem se sentia feliz naquele momento, não queria mudar nada. Quem estava infeliz... Da minha parte, caso renascesse, mas com a experiência e os conhecimentos que já tenho, não faria, também, nenhuma mudança. Claro, se pudesse me valer desse acervo e ele não me fosse apagado da memória. Caso contrário, não valeria a pena arriscar o certo pelo incerto.
Diz-se, amiúde, por aí, que o tempo é o melhor remédio para “todos” os males. Nem sempre é assim. O que está errado nessa afirmação é a generalização. Alguns males, que esgotam os seus efeitos no exato instante que acontecem, por não poderem mais ser remediados, devem, sim, ser esquecidos. É o mais lógico, prático e prudente a se fazer. Para estes, o tempo é, de fato, a solução.
Mas há situações em que pendências não-resolvidas continuam gerando efeitos nefastos, que apenas cessam de nos prejudicar quando solucionadas. Se não resolvidas, elas tendem a se tornar mais graves, progressivamente, e, por conseqüência, mais prejudiciais quanto mais tempo durarem.
Há coisas que não podem ser deixadas sequer para o amanhã, quanto mais para um futuro remoto. Temos que ter sensibilidade e sabedoria para identificar essas situações e não deixá-las pendentes. Imaginem renascer (caso fosse possível, reitero) tendo que administrar essas pendências! Seria muito mais prudente solucioná-las “nesta” vida ou esquecê-las de vez, caso houvessem esgotado seus efeitos.
Se porventura fossem apagados da minha mente os conhecimentos que já tenho e as lembranças do que vivi, e se eu viesse a renascer com o cérebro “virgem”, sem nada nele registrado, como uma folha de papel em branco, deixaria por conta do acaso o novo roteiro da nova vida, correndo os naturais riscos dessa escolha.
Provavelmente, viveria como o poeta norte-americano Philip Levine descreve, nestes magníficos versos: “Deixe-me recomeçar como um grãozinho/de poeira apanhado nos ventos noturnos/deslizando para o mar.../Uma pequenina criança sábia que desta vez vai amar/sua vida, porque ela é diferente de todas as outras”.

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