Sunday, July 06, 2008

DIRETO DO ARQUIVO


Vitória da moderação


Pedro J. Bondaczuk


O presidente argentino, Raul Alfonsin, teve, neste domingo, uma importante vitória pessoal, quando 73% do eleitorado do seu país foi às urnas, num plebiscito onde o comparecimento era livre, frustrando mais uma vez os adversários peronistas, que pregavam a abstenção.

Foi, acima de tudo, um voto de confiança dado pela população aos seus dez meses de governo, atribulados, é verdade, por uma crise econômica sem precedentes na Argentina, triste herança deixada pelo regime militar anterior. Mas proveitosos e profícuos em termos de respeito ao povo.

Não foi o mérito do acerto ou do erro do tratado obtido com o Chile, sobre o Canal de Beagle, pondo fim a cem anos de disputa entre os dois países vizinhos, que esteve realmente em jogo. O que foi julgado, na verdade, foi a conduta de Alfonsin na questão da dívida externa argentina, quando seu governo capitulou às exigências do Fundo Monetário Internacional apenas após esgotar todos os recursos que a prudência permitia usar. E a lisura com que se conduziu na punição dos excessos cometidos pelos militares no regime anterior, quando o presidente se ateve rigorosamente a procedimentos legais, mesmo contrariando os que desejavam apenas vingança pelos abusos denunciados.

Alfonsin, dessa forma, embora não fique livre das naturais manifestações de descontentamento geradas pela dureza da crise econômica, ganha novo alento para ministrar o “remédio amargo”, mas necessário, que terá de usar para repor a Argentina na trilha do desenvolvimento.

Enquanto isso, no vizinho do lado, no Uruguai, os colorados confirmaram o predomínio histórico que sempre tiveram no país (que governaram durante 93 anos). A escolha de Júlio Sanguinetti pelos eleitores uruguaios, para redemocratizar a “ex-Suíça” da América do Sul, tem significado idêntico ao da eleição de Alfondsin, no ano passado, na Argentina. Ou seja, de que o povo do Uruguai deseja retornar à normalidade democrática sem excessos ou aventureirismos. Que aos uruguaios não apetece a chefia de líderes ditos inovadores, em termos ideológicos, pois esse povo sabe que o país apenas terá garantias de normalidade institucional enquanto mantiver um alinhamento com o Ocidente (o que equivale a dizer, com os EUA). Fugir disso, é irrealismo político, quando não um suicídio coletivo.

As plataformas de Sanguinetti, no Uruguai, lembram muito as propostas com que Alfonsin se elegeu na Argentina, no ano passado. Pretende convencer os credores internacionais que, exportando US$ 1 bilhão por ano, dos quais US$ 600 milhões são gastos na importação de petróleo, o país não pode honrar um oneroso serviço de uma dívida de US$ 5,5 bilhões e ainda assim se desenvolver. Quer devolver os militares aos quartéis, mas sem ferir susceptibilidades, evitando, no seu próprio dizer, “humilhá-los”. Os excessos cometidos nos onze anos de regime, da mesma forma que fez Alfonsin, pretende entregar à consideração da Justiça.

As duas convocações às urnas, ocorridas neste fim de semana, na Argentina e no Uruguai, dão, portanto, uma alentadora certeza aos observadores. A de que o “Cone Sul” está mais do que vacinado contra aventureirismos caudilhescos. E que a prudência e o bom senso serão normas comuns, doravante, para que a democracia cresça, se fortaleça e adquira suas próprias imunidades contra novas ditaduras nessa parte da América do Sul.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 27 de novembro de 1984).


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