Sunday, July 20, 2008

DIRETO DO ARQUIVO


Quando o povo defende o voto


Pedro J. Bondaczuk


A Costa Rica está comemorando, desde ontem (com uma antecedência de 12 dias) um dos momentos maiúsculos da sua história. Trata-se da chamada “Note dos Machados”, de 7 de novembro de 1889, quando sua população, armada com paus e com pedras, saiu às ruas de todo o país em defesa de algo que sempre foi uma raridade na América Latina, e em especial na Central: o voto.

Desde a sua independência formal, em 1821, com a posterior anexação à Federação Centro-Americana, até a ascensão de Tomás Guardia ao poder (um dos nomes marcantes de sua vida nacional), essa República conheceu aquilo que sempre foi a característica latino-americana: golpes e mais golpes, ditadores e mais ditadores, numa sucessão enervante e desalentadora.

No entanto, em 1882, ganhou uma Constituição sólida e respeitável. Tanto é que até os dias de hoje, com algumas emendas, ela é a que está em vigor. E esta carta constitucional outorgava ao povo costarriquenho um direito que ele passou a julgar sagrado: o de votar.

Foi por isso que há cem anos, homens e mulheres, armados principalmente de coragem, arriscaram as suas vidas para que ninguém lhes roubasse a prerrogativa da escolha dos seus governantes. Em termos de América Latina,. a Costa Rica, por causa disso, acabou por se constituir numa autêntica exceção.

Ali, pouquíssimos foram os períodos em que não houve a sucessão de um presidente eleito, por outro escolhido mediante a vontade popular expressa nas urnas. De 1890 a 1914, houve exatamente seis eleições. E todos os ganhadores assumiram. Em 1917, o país conheceu um breve hiato democrático, com a ditadura de Federico Tinoco. Esta, todavia, para felicidade geral da nação, durou somente dois anos.

Depois disso, mais sete eleições presidenciais foram realizadas, com uma precisão incrível, rigorosamente a cada quatro anos, até que em 1948 Teodoro Picado cismou em não respeitar o resultado das urnas. Na oportunidade, o povo preferiu Otílio Ulate, a um outro político, mas as Forças Armadas sentiram-se descontentes com a escolha e tentaram impedir sua posse.

Liderada por José Figueres, a população não teve dúvidas. Mesmo sabendo dos males que a violência traz, pegou em armas, numa dolorosa guerra civil, em que, no final das contas, a razão prevaleceu. O eleito foi empossado e cumpriu em paz seu mandato. E foi tomada, em conseqüência do conflito, uma providência inédita.

As Forças Armadas costarriquenhas foram simplesmente dissolvidas e substituídas por uma Guarda Nacional, de caráter civil. Desde então, a Costa Rica nunca mais teve o mínimo arranhão em sua democracia. Tornou-se o grande exemplo de respeito à vontade popular da América Latina. Que ele seja imitado, pois, por todos os demais povos latino-americanos.

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 28 de outubro de 1989).

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