Thursday, December 20, 2007

Potencial de criatividade


Pedro J. Bondaczuk


A palavra é o mais miraculoso engenho que o cérebro humano engendrou para a comunicação com os semelhantes. E a criatividade do único animal racional da natureza extrapolou todos limites ao criar não apenas dez, ou mil, delas, mas bilhões, em centenas de idiomas.
A palavra escrita, então, é o máximo de criatividade e fundamento de toda a evolução humana. Através dela, é possível preservar, indefinidamente, o que cérebros privilegiados pensaram e criaram, geração após geração, como herança dos antepassados à qual os homens de hoje acrescentam sua contribuição para os do futuro. E, apesar de tudo isso, as palavras são tão pobres para definir e descrever alguns pensamentos e sentimentos, como amor, amizade, saudade etc.!
O que é dito ou escrito, todavia, reflete fielmente o que somos. Isto fica evidente à mais ligeira análise do que se disse ou escreveu. Se não formos sábios, por exemplo, de nada vai adiantar o uso de palavreado erudito para revelar suposta sabedoria. Nas entrelinhas, ficará evidente a artificialidade dessas palavras. O mesmo vale para a bondade, a fidelidade, a constância e demais virtudes.
Se não formos otimistas e positivos, será inútil dizer ou escrever palavras de otimismo e positividade, porquanto elas irão soar falsas e vazias. Em vez de nos limitarmos a melhorar nosso linguajar, portanto, o mais sábio e honesto é melhorarmos o que somos. É acumularmos, preservarmos e difundirmos valores testados e comprovados pelo tempo e que se tornaram perpétuos.
Há pessoas que têm potencial imenso de criatividade, mas o desperdiçam por falta de disciplina, método e comprometimento com o que quer que seja. Acham que lhes basta mera “inspiração” para inventarem máquinas, princípios, ideologias ou, até, para comporem simples poema. Estão equivocadas.
A capacidade de criar só pode ser plenamente desenvolvida com disciplina, concentração, estudo e trabalho. Requer, além disso, meticuloso planejamento e rigor na execução do que foi planejado. Para realizarmos obras de valor, sejam de que natureza e dimensão forem, temos que aliar à técnica, à competência e ao raciocínio imensa dose de paixão, no sentido mais elevado do termo.
Precisamos colocar nossa “alma” no empreendimento, quer se trate de elaborar um objeto, quer seja para compor um poema, criar uma filosofia ou instruir uma criança. O poeta Paulo Mendes Campos escreveu, numa de suas crônicas: “O dom do raciocínio quando misturado à dádiva da paixão faz com que as criaturas ponham fogo pelos olhos, como se uma coisa fizesse a outra arder indefinidamente. Lógica e paixão fazem um incêndio na alma. Pascal também devia botar fogo pelos olhos. E Spinoza”.
Eu acrescentaria tantos outros grandes homens, que contribuíram para a evolução da sociedade e o progresso da civilização. Temos que “botar fogo pelos olhos” na execução de nossas tarefas, aliando, sempre, competência à paixão pelo que fazemos!
Nada no ser humano é mais nobre e maior do que a razão. Nada se compara à sua capacidade de raciocinar, de analisar e entender tudo e todos que o cercam e de criar, com a simples força do pensamento, o abstrato, ou seja, o que não existe. Não fora sua racionalidade, e esse animal, fatalmente, já teria desaparecido da Terra.
Sua força física, por exemplo, é muito inferior à de tantas feras, como o tigre. Sua audição nem de longe se aproxima da do morcego. Sua visão é ínfima perto da do lince ou da águia. Mas graças ao raciocínio, este ser, complexo e maravilhoso, e ao mesmo tempo tão terrível e cruel, é o único que tem a capacidade de pensar, de criar, de transformar o ambiente em que vive e de dominar todos os outros animais.
Não me canso de admirar o poder do cérebro humano. Criado como um dos animais mais frágeis da natureza, em termos de força e aptidão dos sentidos, o homem adaptou-se ao mundo hostil em que vive e, mediante a consciência e o raciocínio, operou maravilhas.
Aprendeu a fazer fogo, construiu moradias confortáveis e seguras, inventou a roda, domesticou animais e vegetais que pôs ao seu serviço, criou cidades, Estados, impérios e civilizações. Sondou o íntimo da natureza e colocou a seu serviço forças fenomenais. Foi ao âmago da matéria e descobriu o átomo. Desvendou o segredo da vida. Aprendeu a se locomover com rapidez e conforto e até a voar.
Não conseguiu, todavia, inventar uma fórmula de como viver com alegria, justiça e sabedoria. Afinal isso só se aprende vivendo. Quem sabe aprenda no correr das gerações! Jean-Paul Sartre constatou, a propósito: “Tudo já foi descoberto, exceto como viver”. E não está certo? Há, pois, ainda muito, muitíssimo potencial de criatividade a ser desenvolvido.

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