Thursday, December 06, 2007

A falsidade da fama


Pedro J. Bondaczuk


A fama, em maior ou menor medida, sempre foi, é, e provavelmente sempre será, a aspiração da maioria das pessoas, de todas as épocas, latitudes, condições sociais, graus de riqueza e de cultura ou idades no mundo, desde quando o homem tomou consciência de si. Claro que muitos negam esse sonho, principalmente os mais esclarecidos, embora a negativa seja, obviamente, falsa (salvo raras e honrosas exceções). Os jovens perseguem de forma mais aberta e desabusada essa sombra, essa ilusão, essa fantasia, até nas profissões que escolhem --- ou que ambicionam, secreta ou ostensivamente, seguir. Hoje, pouca gente deseja, de fato, ser médico, ou engenheiro, ou físico nuclear ou até mesmo escritor. Os adolescentes sonham, isso sim, ser jogadores de futebol, ou cantores, ou atores, etc. Ou até mesmo jornalistas (que ilusão!) ... As mocinhas desejam ser atrizes, modelos ou exercer qualquer outra profissão que lhes permita freqüentar, com constância, a mídia. O que eles buscam é a fama. Nada contra. Só que esta, em geral, tem um preço muito alto, às vezes proibitivo, e portanto não compensador.

Não quer dizer que pessoas mais idosas não sonhem ou não procurem ser famosas. Algumas até conseguem e não sabem depois o que fazer com a notoriedade. Outras, deixam que a fama lhes suba à cabeça e se alheiam da realidade. O poeta latino Virgílio, na "Eneida", livro 10º, exclama, através do personagem central da epopéia, Enéas: "Ó mente humana, ignorante do porvir e da sorte futura, e que não sabe guardar moderação quando o sucesso a exalta!". E no entanto, a fama é injusta e enganadora. E nem sempre (ou quase nunca), é fruto de real merecimento.

Olavo Bilac ressaltou isso, acentuando seus inconvenientes, em conferência que proferiu em São Paulo, em fins do século passado, sobre o poeta português José Maria du Bocage. A imagem que ficou desse intelectual lusitano, para a posteridade, é totalmente distorcida. É a do indivíduo irreverente, desbocado e irresponsável, envolvido em episódios picarescos (na maior parte inventados) e em aventuras picantes, extraconjugais, com mulheres. Não ficou conhecido, portanto, como deveria: pelo excelente escritor que foi. À simples menção do seu nome, vem à memória, da maioria, alguma anedota engraçada envolvendo Bocage. Poucos, pouquíssimos, no entanto, são capazes de lembrar um único dos seus inúmeros e magistrais versos.

Raramente os grandes mestres, cientistas, escritores, pioneiros ou realizadores ficam famosos. E em geral, quando chegam a conquistar a fama (quase sempre depois da morte) é em decorrência de algum equívoco envolvendo suas vidas, quando não por causa de escândalos (reais ou imaginários) dos quais quase nunca podem se defender, por virem à tona após a sua morte. Notórios bandidos, perigosos tarados, anormais de todas as espécies, aberrações da natureza, que dada a sua periculosidade, requerem urgente e definitivo afastamento do convívio social, ficam rapidamente famosos. São os casos das "Feras da Penha", dos "Chicos Picadinhos", dos "Caras de Cavalo", dos "Bandidos da Luz Vermelha", etc. Recentemente, tivemos mais um desses "mitos" da anormalidade se tornando célebre, depois de assassinar pelo menos nove mulheres (podem ser muitas mais) em São Paulo, confessando que teve vontade de devorar a carne das suas indefesas vítimas: Francisco de Assis Pereira, o "Maníaco do Parque".

São raros os que conhecem poetas, escultores, taumaturgos, filósofos ou pensadores da época de Alexandre, o Grande, embora estes existissem em grande número. Mas o general macedônio, responsável pela morte de dezenas de milhares de indivíduos, por um mar de sangue e devastação através do mundo conhecido de então, tem seu nome perpetuado na história. Os santos dos primórdios do cristianismo são virtualmente desconhecidos pelos próprios cristãos. No entanto, os crimes, loucuras e baixezas morais de Nero, Calígula, etc., seus contemporâneos e verdugos, são de domínio público.

A esse propósito, Eça de Queiroz faz uma colocação genial, no livro "Cartas da Inglaterra". Destaca: "A conhecida alegoria da fama, cantando o nome de um varão com as suas cem bocas, aplicadas às suas cem tubas, e voando de um a outro confim do universo, é uma das imagens mais descaradamente falsas que nos legou a Antigüidade. Esse estrondear das cem tubas morre com um suspiro dentro da área humilde dum corrilho ou de uma 'coterie': e nada viaja com uma lentidão igual à da fama. Um fardo de fazendas gasta quatro dias a vir de Londres a Lisboa --- e os nomes de Tennyson, Browning, Swinburne, os três grandes poetas de Inglaterra, e que há quarenta anos são a sua mais pura glória, ainda cá não chegaram. É verdade que todo mundo necessita de flanelas --- e nem todo mundo suporta poesia". É verdade, mestre Eça...!

Deus nos livre, portanto, deste fardo, urdido com os fios do equívoco! O reconhecimento público, pela competência, esforço, autodisciplina, altruísmo e desprendimento na realização de obras consistentes (materiais, espirituais ou artísticas), é bem vindo. E, como tem dito e repetido amiúde o atleta do século, Edson Arantes do Nascimento, o Pelé: "tais homenagens devem ser prestadas em vida", para que o homenageado as possa usufruir. O respeito e admiração das gerações futuras, estes sim, devem ser o ideal dos realizadores. Eles merecem, é questão de justiça. Mas jamais lhes impinjam a simples "fama". Esta não passa de forma mesquinha e torpe de reduzir, quando não de anular, o valor dos gênios, através das armadilhas que encerra...

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