Guerra civil distante do final
Pedro J. Bondaczuk
A guerra civil afegã parece ser desses conflitos que não têm mais fim, como a do Líbano, a de El Salvador, a de Angola, a do Camboja e tantas outras que opõem irmãos contra irmãos. Aliás, em todos estes casos, de uma forma ou de outra, há interferências estrangeiras, mais especificamente das superpotências, apoiando facções contrárias. Em nenhum deles há uma exceção. E esse é o maior obstáculo para a paz.
No Afeganistão, enquanto os soviéticos interferiram diretamente, invadindo o país, os norte-americanos buscam garantir recursos para que a guerrilha não se entregue, continue resistindo e não dê tréguas aos invasores. Se a conciliação nacional já estava muito difícil (quase impossível) até agora, ela se tornou muito mais remota a partir de um fato novo, ocorrido durante este fim de semana: a renúncia do governo títere de Babrak Karmal, que argumentou razões de saúde para se afastar do cargo.
Em seu lugar, os soviéticos impuseram um militar, de linha duríssima, desses que não admitem nenhuma espécie de acordo com a guerrilha a não ser a rendição completa e incondicional como o seu novo testa-de-ferro. No Afeganistão, antes da invasão das tropas soviéticas, o regime marxista, imposto por Hafizullah Amin, já vinha enfrentando sérias resistências. Vários grupos rebeldes, por razões as mais diversas, combatiam nas escarpadas montanhas e vales quase inacessíveis do país, que eles conhecem tão bem.
Alguns desejavam o retorno da monarquia, outros lutavam para impor um regime semelhante ao posteriormente implantado no Irã (antes do aiatolá Ruhollah Khomeini retornar do seu exílio em Paris e do xá Mohammed Rheza Pahlevi abandonar o território iraniano) e assim por diante. Portanto, é incorreto afirmar-se que a guerra civil afegã começou especificamente com a invasão das tropas soviéticas. O que este ato de força conseguiu foi unir, até certo ponto, grupos heterogêneos, para uma tarefa patriótica comum, qual seja, a expulsão do invasor de sua pátria.
Foi nesse ambiente de turbulência que o novo homem-forte do Afeganistão construiu toda a sua carreira. Jovem, fanático pela causa marxista e implacável com os adversários, é um opositor magnífico e temível para os rebeldes. Como ex-chefe da polícia secreta, conhece praticamente todos os refúgios de seus adversários e, quem sabe, dispõe, até mesmo, dos meios para chegar a eles. Por outro lado, a unificação da guerrilha é fato relativamente recente.
Até 1982, cada facção lutava por sua própria conta e risco, com dispersão total de forças e sem nenhum objetivo político definido, a não ser expulsar os soviéticos. Há somente quatro anos foi criada a União Islâmica dos Combatentes do Afeganistão, liderada por Mohammed Abdulrah Rassul Sayaf, unificando todos os grupos. Entretanto, essa unidade foi apenas formal.
Os guerrilheiros do Vale de Panshir, possivelmente aqueles que foram submetidos aos piores assédios do inimigo, que obtiveram os mais expressivos triunfos sobre as experientes tropas da União Soviética (compostas, em sua maioria, por asiáticos, conhecedores, portanto, da psicologia e dos pontos fracos de seus adversários), e que por isso são os mais preparados para a luta, respondem somente ao comando de Ahmed Shah Mahsud. Embora os círculos que apoiam os rebeldes tentem negar, a personalidade forte desses dois comandantes tem causado freqüentes desentendimentos. Comenta-se, até mesmo, que ambos teriam rompido o pacto.
Provavelmente, fiando-se nesse divisionismo, os russos devem ter antevisto a possibilidade de uma vitória completa nesse conflito. E por essa razão, e não pelos apregoados problemas de saúde de Babrak Karmal, devem tê-lo substituído pelo intransigente Mohammed Najibullah. A emenda, porém, pode sair pior do que o soneto.
Quem conhece a conformação geográfica do Afeganistão e a combatividade do seu povo, sabe que uma vitória militar completa de qualquer das partes não passa de utopia. E para a infelicidade dessa pobre gente, que um dia dispôs de uma das nações mais carentes e desamparadas do Planeta, e que hoje nem isso possui, ao menos temporariamente, as portas da negociação foram trancadas de vez. E o banho de sangue deverá continuar, só Deus sabe até quando.
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 6 de maio de 1986)
Pedro J. Bondaczuk
A guerra civil afegã parece ser desses conflitos que não têm mais fim, como a do Líbano, a de El Salvador, a de Angola, a do Camboja e tantas outras que opõem irmãos contra irmãos. Aliás, em todos estes casos, de uma forma ou de outra, há interferências estrangeiras, mais especificamente das superpotências, apoiando facções contrárias. Em nenhum deles há uma exceção. E esse é o maior obstáculo para a paz.
No Afeganistão, enquanto os soviéticos interferiram diretamente, invadindo o país, os norte-americanos buscam garantir recursos para que a guerrilha não se entregue, continue resistindo e não dê tréguas aos invasores. Se a conciliação nacional já estava muito difícil (quase impossível) até agora, ela se tornou muito mais remota a partir de um fato novo, ocorrido durante este fim de semana: a renúncia do governo títere de Babrak Karmal, que argumentou razões de saúde para se afastar do cargo.
Em seu lugar, os soviéticos impuseram um militar, de linha duríssima, desses que não admitem nenhuma espécie de acordo com a guerrilha a não ser a rendição completa e incondicional como o seu novo testa-de-ferro. No Afeganistão, antes da invasão das tropas soviéticas, o regime marxista, imposto por Hafizullah Amin, já vinha enfrentando sérias resistências. Vários grupos rebeldes, por razões as mais diversas, combatiam nas escarpadas montanhas e vales quase inacessíveis do país, que eles conhecem tão bem.
Alguns desejavam o retorno da monarquia, outros lutavam para impor um regime semelhante ao posteriormente implantado no Irã (antes do aiatolá Ruhollah Khomeini retornar do seu exílio em Paris e do xá Mohammed Rheza Pahlevi abandonar o território iraniano) e assim por diante. Portanto, é incorreto afirmar-se que a guerra civil afegã começou especificamente com a invasão das tropas soviéticas. O que este ato de força conseguiu foi unir, até certo ponto, grupos heterogêneos, para uma tarefa patriótica comum, qual seja, a expulsão do invasor de sua pátria.
Foi nesse ambiente de turbulência que o novo homem-forte do Afeganistão construiu toda a sua carreira. Jovem, fanático pela causa marxista e implacável com os adversários, é um opositor magnífico e temível para os rebeldes. Como ex-chefe da polícia secreta, conhece praticamente todos os refúgios de seus adversários e, quem sabe, dispõe, até mesmo, dos meios para chegar a eles. Por outro lado, a unificação da guerrilha é fato relativamente recente.
Até 1982, cada facção lutava por sua própria conta e risco, com dispersão total de forças e sem nenhum objetivo político definido, a não ser expulsar os soviéticos. Há somente quatro anos foi criada a União Islâmica dos Combatentes do Afeganistão, liderada por Mohammed Abdulrah Rassul Sayaf, unificando todos os grupos. Entretanto, essa unidade foi apenas formal.
Os guerrilheiros do Vale de Panshir, possivelmente aqueles que foram submetidos aos piores assédios do inimigo, que obtiveram os mais expressivos triunfos sobre as experientes tropas da União Soviética (compostas, em sua maioria, por asiáticos, conhecedores, portanto, da psicologia e dos pontos fracos de seus adversários), e que por isso são os mais preparados para a luta, respondem somente ao comando de Ahmed Shah Mahsud. Embora os círculos que apoiam os rebeldes tentem negar, a personalidade forte desses dois comandantes tem causado freqüentes desentendimentos. Comenta-se, até mesmo, que ambos teriam rompido o pacto.
Provavelmente, fiando-se nesse divisionismo, os russos devem ter antevisto a possibilidade de uma vitória completa nesse conflito. E por essa razão, e não pelos apregoados problemas de saúde de Babrak Karmal, devem tê-lo substituído pelo intransigente Mohammed Najibullah. A emenda, porém, pode sair pior do que o soneto.
Quem conhece a conformação geográfica do Afeganistão e a combatividade do seu povo, sabe que uma vitória militar completa de qualquer das partes não passa de utopia. E para a infelicidade dessa pobre gente, que um dia dispôs de uma das nações mais carentes e desamparadas do Planeta, e que hoje nem isso possui, ao menos temporariamente, as portas da negociação foram trancadas de vez. E o banho de sangue deverá continuar, só Deus sabe até quando.
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 6 de maio de 1986)
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