Monday, December 03, 2007

Fascínio pela estupidez


Pedro J. Bondaczuk


As nossas idéias, conceitos (e preconceitos) e, principalmente, as nossas ações, estão, sem que na maioria das vezes nos apercebamos, sob permanente questionamento no meio em que vivemos. Os princípios e atos que trazem resultados positivos, mesmo quando têm falhas e contradições, passam neste teste informal, nem sempre percebido.
Todavia, aqueles que, por uma razão ou por outra, em virtude de circunstâncias adversas que via de regra fogem da nossa competência, mesmo que corretos em sua essência, recebem reprovação generalizada dos que nos cercam. O desejável consenso, salvo raras e honrosas exceções (e assim mesmo, quando ocorre, é somente daquilo que é absolutamente óbvio) fica, apenas, no terreno do desejável, quando não só da nossa vontade.
Raras são as pessoas que cultivam o salutar hábito de pensar. Não, é claro, de se deter em banalidades, em coisas triviais e inócuas, que não tragam bem algum, a quem quer que seja, e não raro, até, redundem em males para a comunidade.
Raramente nos detemos, por exemplo, a considerar os grandes princípios éticos e morais que deveriam nortear a nossa conduta individual e social. Não questionamos, por falta de conhecimento, e por completo desinteresse, as várias correntes filosóficas, ou antropológicas, ou sociológicas, ou comportamentais, ou artísticas, não importa de que natureza sejam, capazes de mudar os rumos dos acontecimentos, tanto de um grupo restrito de indivíduos, quanto da humanidade.
Aceitamos, passivamente, sem contestar, dogmas absurdos, ultrapassados, canhestros, por absoluta falta do exercício do raciocínio. Agimos como se pensar fosse um ato doloroso, incômodo, ruim, quando, obviamente, não é. É prazeroso e construtivo. Trata-se do mais legítimo exercício da nossa racionalidade, que é o que nos distingue dos demais animais. Vivemos nos queixando da falta de tempo, para pensar e conseqüentemente para agir de conformidade com esses pensamentos quando, na verdade, o malbaratamos em coisas inúteis e sem nenhum valor.
Algumas idéias, convém ressaltar; vingam somente muitos anos (às vezes até séculos) depois da morte de quem as concebeu. Qual a razão? Em geral, isto se deve ao fato de surgirem fora do seu devido tempo, prematuras, como sementes lançadas em terreno estéril e pedregoso. Exemplo? O caso de Galileu, quando afirmou que o Sol era o centro do nosso sistema, e não a Terra, como ditava dogma, então vigente, determinado pela Igreja.
Hoje, qualquer criança que mal aprendeu as primeiras letras sabe, até por simples intuição, que isso é verdade. Os doutos senhores do século XVI, todavia, não sabiam. E, pior, nem queriam saber. Aferravam-se a superstições e retardavam, dessa forma, o progresso das ciências e das artes. Para que essa idéia se impusesse, quanto sacrifício, quanta dor e quanta humilhação, desnecessários, foram impostos aos homens lúcidos e inquiridores, afeitos ao raciocínio! Era a ignorância detendo o avanço da sabedoria.
Galileu, no entanto, ainda teve muita sorte, bem mais do que tantos outros, contemporâneos ou não, que tiveram a ousadia de discordar do que era tradição em seu tempo. Este foi o caso, por exemplo, de Giordano Bruno, condenado à morte (e executado) pela “Santa Inquisição”, que de santidade, convenhamos, não tinha nada, pelo mesmo “crime” do eminente pensador italiano.
Hoje em dia, há muita retórica, muita simulação, muita palavra sem substância, travestida de “idéia”. Os intelectuais do nosso tempo (claro que não todos, não se pode generalizar, pois há inúmeras exceções), adotam pomposos jargões, inúteis, desnecessários e incompreesíveis, acessíveis apenas a meia dúzia de “iniciados”, para expressar supostos princípios, que dão a impressão, aos desavisados, de conteúdo, que na verdade não têm. “Words, words, words”, diria Shakespeare.
Víctor Hugo definiu esse procedimento de forma até mais direta e objetiva. Afirmou: “Quando não somos inteligíveis é porque não somos inteligentes”. A simplicidade, embora não pareça, é uma virtude rara e desejável, principalmente no que diz respeito à comunicação, ao raciocínio e à expressão de idéias consistentes e construtivas..
Por isso, não posso deixar de dar razão ao cineasta francês, Claude Chabol, quando afirma que “a estupidez é muito mais fascinante que a inteligência. A inteligência tem os seus limites, a estupidez não”.
Nesses casos específicos, citados acima, de Galileu e de Giordano Bruno (e em tantos e tantos e tantos outros que nem precisam ser mencionados), não tinha mesmo. O escritor alemão do século XVI, Friedrich Hölderlin, tem uma forma mais sutil, e mais poética, de expressar esta constatação. Escreveu: “O homem é um deus quando sonha e um mendigo quando pensa”.
Claro que o ideal seria exatamente o contrário. Ou seja, que ele fosse divino em seu raciocínio e indigente em termos de tolices. Mas... isso é esperar demais desse ser contraditório, dotado de imensa grandeza e, paradoxalmente, também de enorme miséria, que o pensador francês, Edgar Morin, classifica, com muita propriedade, de “homo demens”...

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