Monday, December 17, 2007

Indivíduo e sociedade


Pedro J. Bondaczuk


O ser humano, individualmente, é um dos animais mais frágeis e desprotegidos, no aspecto físico, entre todos os que existem na natureza. Conta, é verdade, com instintos básicos, de preservação da vida, de perpetuação da espécie e outros tantos, que se desenvolvem, todavia, apenas com um par de anos após seu nascimento. Todos precisamos de alguém, por algum motivo, em todos os estágios da nossa vida, para sobrevivermos.
Nossos sentidos são muito mais frágeis do que os da maioria (para não dizer, totalidade) dos animais. Um cavalo, um bezerro, um leão etc., por exemplo, conseguem ficar de pé, por seus próprios meios, alguns minutos após o nascimento. E dão os primeiros passos logo a seguir, acompanhando a mãe. E nós?
Um bebê precisa de cerca de dois meses somente para se virar de lado, por seus próprios meios, no berço. E assim mesmo é preciso que se fique atento para impedir que ele sufoque. Senta-se aos quatro ou cinco meses e, só a partir daí, começa a engatinhar. Dá os primeiros e vacilantes passos, com o amparo dos pais, entre dez meses e um ano. Se nesse período fosse deixado sozinho, por sua conta e risco... certamente não sobreviveria.
Precisa ser ensinado de tudo, desde comer, a falar; desde como se livrar dos pequenos e grandes perigos, até sobre noções elementares, como o próximo, a família, a escola, a sociedade e o País. É um processo lento, vagaroso, de longo prazo, que exige completa atenção, paciência e amparo dos pais. Portanto, tem dependência absoluta de semelhantes que já se tenham desenvolvido.
Mesmo depois de adulto, o ser humano dificilmente sobreviveria sem a companhia de outros indivíduos da espécie. Precisa, pois, associar-se, pois ninguém é dotado de todos os talentos, de todas as habilidades e de todas as potencialidades que garantam a satisfação de suas necessidades (materiais e espirituais) e, por extensão, sua sobrevivência.
Em qualquer aspecto que se encare, quer físico, quer psicológico, quer emocional, pessoa algum sobreviveria se tivesse que se virar sozinha, só, por sua conta e risco. Santo Tomás de Aquino enquadrou os solitários (e ninguém o é por completo, frise-se) em três categorias: “excellentia naturae”, “corruptio naturae” e “mala fortuna”.
No primeiro caso, estariam os que optam livremente por um retiro, pelo isolamento, pelo afastamento da sociedade para meditação, livrando-se dos desejos materiais para se dedicar às coisas do espírito. Os segundos, seriam aqueles indivíduos tão corrompidos e daninhos, que precisariam ser banidos, para não ameaçar e nem prejudicar os outros. E os terceiros, seriam frutos da má sorte, com capacidade insuficiente para conquistar seu espaço no contexto social e que cairiam na indigência e, por isso, optariam (ou seriam forçados pelas circunstâncias) pelo isolamento.
A vida em sociedade, no entanto (e pensamos numa que seja ideal, justa e solidária, e não na real, nesta que aí está), inibe, quando não sufoca, a individualidade. Os interesses coletivos, que teoricamente ganham prevalência, não raro se chocam com os individuais. Apesar dos grupos haverem instituído regras, preceitos e leis reguladoras, a tão apregoada (e pouco praticada) igualdade de direitos e deveres, constante em todas as Constituições do mundo, é meramente retórica e há muito não passa de utopia.
Somos frutos da educação que recebemos, cujas diretrizes são determinadas pelos detentores do poder. Infelizmente, quer no lar, quer na escola, quer na sociedade, não somos educados para desenvolver e exercer plenamente nossas potencialidades, físicas, mentais e espirituais, mas meramente “adestrados” para determinadas tarefas que uma entidade abstrata, chamada Estado, nos determina.
Mesmo que não venhamos a nos dar conta, somos despersonalizados. Poucos se importam com nossas sensações e emoções pessoais, com nossas carências ou necessidades, e muito menos se sentimos fome, sede, dor, saudade, alegria, tristezas, iras etc. Somos tratados como ferramentas utilitárias de produção de bens e serviços, que podem ser descartadas a qualquer momento, tão logo percam a utilidade ou reduzam a produtividade ou quando os poderosos de plantão assim decidam.
Adam Smith alertou, no livro “A Riqueza das Nações”, que “nenhuma sociedade pode ser florescente e feliz se a grande maioria de seus membros for pobre ou miserável”. Poucas, todavia, pouquíssimas (diria, nenhuma), atingem esse grau de excelência. E mesmo as que conseguem se aproximar desse estágio ideal, contam com imensos contingentes de miseráveis, sem lugar para morar, sem roupa adequada para se aquecer, sem alimentos fartos e nutritivos para assegurar a saúde e a força etc.
Embora informalmente, os homens se dividem em castas. Há uma minoria que nada faz e tudo tem, em detrimento de uma imensa maioria, que tudo produz e, contudo, tem que se contentar com meras migalhas do produto do seu trabalho. Impera, na verdade, no mundo, a lei da selva, a do mais forte (e não necessariamente no aspecto físico).
Teoricamente, ao nascermos, todos firmamos um pacto tácito, tendo por procuradores os nossos pais, em que abrimos mão de parcela de nossos direitos individuais, em favor do coletivo. Na teoria isso até que soa bem. Mas na prática...Funciona? Claro que não!
Urge, caso se queira, de fato, fazer justiça (e esse suposto desejo, por enquanto, se limita só a palavras) que a maioria dos pretensos “sócios” (todos nós, sem exceção e nem distinção de sexo, raça, religião, posição social ou crença política) seja, de fato e de direito, integrada à “sociedade”, e tratada como tal, conquistando cidadania plena, pois este é o único caminho real para o desenvolvimento e até para a sobrevivência do que se convencionou chamar de civilização. Pôr isso em prática, todavia, é que são elas. Será que um dia o homem conseguirá?

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