Pedro J. Bondaczuk
(CONTINUAÇÃO)
POESIA CONCRETA E MPB
A então tradicional revista “O Cruzeiro”, de grande circulação nacional durante tantos anos, publicou, na sua edição da primeira semana de março de 1957, a seguinte manchete: “O rock ‘n roll da poesia”, referindo-se ao surgimento do concretismo no País. Exagero? Não! Foi a mais pura expressão da realidade na ocasião. Guardadas as devidas proporções, a poesia concreta gerava polêmica semelhante, nos círculos literários brasileiros, à da introdução do agitado ritmo surgido nos Estados Unidos, oriundo do jazz e de outras expressões musicais dos negros norte-americanos, na música.
Tanto um, quanto o outro, tinham entusiásticos defensores e críticos ácidos. As inovações, sejam de que espécie forem, são sempre assim. Chocam, sacodem as estruturas tradicionais, apaixonam (no sentido lato do termo) e polemizam. É importante ressaltar que a poesia concreta teve enorme influência sobre a música popular brasileira (MPB), notadamente sobre a Bossa Nova (com menor intensidade) e o Tropicalismo (de forma muito mais intensa).
Isso fica ainda mais claro com o distanciamento no tempo. Na época, porém, passou despercebido à quase totalidade dos estudiosos. A maioria nem notou essa influência, percebida, apenas, dez anos ou mais do surgimento dos respectivos movimentos.
Esclarecedor, a respeito, é o ensaio de Charles Perrone, intitulado “Poesia concreta e Tropicalismo”. Sobre a influência do novo movimento poético sobre a Bossa Nova, Brasil Rocha Brito faz um meticuloso estudo, concentrando suas análises em duas das mais conhecidas e consagradas composições da dupla Antônio Carlos Jobim e Newton Mendonça: “Desafinado” e “Samba de uma nota só”.
Detecta, em ambas, o que classificou de uma “busca no sentido da essencialização dos textos e um processo dialético semelhante àquele que os poetas concretos definiram como ‘isomorfismo’ (conflito fundo-forma em busca de identificação)”. Mas a influência da poesia concreta na Bossa Nova, embora perceptível em uma ou outra composição, não foi tão nítida e abrangente. Limitou-se a composições isoladas e não se deu sobre todo o movimento musical que marcou sua época. Foi, meramente, pontual.
Já o que ocorreu em relação ao Tropicalismo foi muito mais profundo e fácil de identificar. Os tropicalistas incorporaram, em inúmeras composições, princípios básicos do concretismo e levaram essa experiência às últimas conseqüências. Celso Favaretto, por exemplo, detecta que “no Tropicalismo há um emprego reduzido dos procedimentos típicos da poesia concreta (sintaxe não-discursiva, verbi-voco-visualidade, concisão verbal)”. Claro que se tratam de linguagens artísticas diferentes. Daí o emprego de características fundamentais do concretismo nas composições tropicalistas não tenha sido “amplo e irrestrito”, porém reduzido.
Augusto de Campos vai mais longe. Dá a entender, num artigo que publicou no final dos anos 70, que o Tropicalismo também influenciou, com sua linguagem original e até abusada, a poesia concreta. Escreveu, em certo trecho: “...O que me fascina e me entusiasma neles (os tropicalistas) não é tanto o fato de eventualmente incidirem ou coincidirem com a poesia concreta, como a capacidade que eles têm de fazer coisas diferentes do que fizemos e fazemos o que constituem informações originais até mesmo para nós, que nos especializamos na invenção”.
Tanto os dois movimentos têm estreita e umbilical relação entre si, que na exposição realizada em São Paulo, no Instituto Tomie Ohtake, de 15 de agosto a 16 de setembro de 2007, comemorativa (posto que com um ano de atraso) do cinqüentenário do lançamento da poesia concreta no País, os tropicalistas tiveram um grande espaço. Entre outras participações, ocorreu, naquela oportunidade, o lançamento de um CD, com uma coletânea de músicas baseadas em poemas concretos, interpretadas, entre outros, por Caetano Veloso, Arrigo Barnabé, Gilberto Mendes e Livio Tragtenberg.
Para encerrar estas breves considerações, peço licença ao leitor para reproduzir a composição Acrilírico, de Caetano Veloso. Atentem para o texto e concluam se é, ou não é, na verdade um poema concreto, com todas as características essenciais do concretismo:
Acrilírico
Olhar colírico
Lírios plásticos do campo e do contracampo
Telástico cinemascope
Teu sorriso tudo isso
Tudo ido e lido e lindo e vindo do
Vivido na minha adolescidade
Idade de pedra e paz
Teu sorriso quieto no meu canto
Ainda canto o ido o tido o dito
O dado o consumido o consumado
Ato do amor morto motor da saudade
Diluído na grandicidade idade de pedra
Ainda canto quieto o que conheço
Quero o que não mereço: o começo
Quero canto de vinda
Divindade do duro totem futuro total
Tal qual quero canto
Por enquanto apenas mino o campo verde
Acre e lírico sorvete
Acrílico Santo Amar(g)o da
Purificação.
(Ensaio inédito, sujeito a revisões).
(CONTINUAÇÃO)
POESIA CONCRETA E MPB
A então tradicional revista “O Cruzeiro”, de grande circulação nacional durante tantos anos, publicou, na sua edição da primeira semana de março de 1957, a seguinte manchete: “O rock ‘n roll da poesia”, referindo-se ao surgimento do concretismo no País. Exagero? Não! Foi a mais pura expressão da realidade na ocasião. Guardadas as devidas proporções, a poesia concreta gerava polêmica semelhante, nos círculos literários brasileiros, à da introdução do agitado ritmo surgido nos Estados Unidos, oriundo do jazz e de outras expressões musicais dos negros norte-americanos, na música.
Tanto um, quanto o outro, tinham entusiásticos defensores e críticos ácidos. As inovações, sejam de que espécie forem, são sempre assim. Chocam, sacodem as estruturas tradicionais, apaixonam (no sentido lato do termo) e polemizam. É importante ressaltar que a poesia concreta teve enorme influência sobre a música popular brasileira (MPB), notadamente sobre a Bossa Nova (com menor intensidade) e o Tropicalismo (de forma muito mais intensa).
Isso fica ainda mais claro com o distanciamento no tempo. Na época, porém, passou despercebido à quase totalidade dos estudiosos. A maioria nem notou essa influência, percebida, apenas, dez anos ou mais do surgimento dos respectivos movimentos.
Esclarecedor, a respeito, é o ensaio de Charles Perrone, intitulado “Poesia concreta e Tropicalismo”. Sobre a influência do novo movimento poético sobre a Bossa Nova, Brasil Rocha Brito faz um meticuloso estudo, concentrando suas análises em duas das mais conhecidas e consagradas composições da dupla Antônio Carlos Jobim e Newton Mendonça: “Desafinado” e “Samba de uma nota só”.
Detecta, em ambas, o que classificou de uma “busca no sentido da essencialização dos textos e um processo dialético semelhante àquele que os poetas concretos definiram como ‘isomorfismo’ (conflito fundo-forma em busca de identificação)”. Mas a influência da poesia concreta na Bossa Nova, embora perceptível em uma ou outra composição, não foi tão nítida e abrangente. Limitou-se a composições isoladas e não se deu sobre todo o movimento musical que marcou sua época. Foi, meramente, pontual.
Já o que ocorreu em relação ao Tropicalismo foi muito mais profundo e fácil de identificar. Os tropicalistas incorporaram, em inúmeras composições, princípios básicos do concretismo e levaram essa experiência às últimas conseqüências. Celso Favaretto, por exemplo, detecta que “no Tropicalismo há um emprego reduzido dos procedimentos típicos da poesia concreta (sintaxe não-discursiva, verbi-voco-visualidade, concisão verbal)”. Claro que se tratam de linguagens artísticas diferentes. Daí o emprego de características fundamentais do concretismo nas composições tropicalistas não tenha sido “amplo e irrestrito”, porém reduzido.
Augusto de Campos vai mais longe. Dá a entender, num artigo que publicou no final dos anos 70, que o Tropicalismo também influenciou, com sua linguagem original e até abusada, a poesia concreta. Escreveu, em certo trecho: “...O que me fascina e me entusiasma neles (os tropicalistas) não é tanto o fato de eventualmente incidirem ou coincidirem com a poesia concreta, como a capacidade que eles têm de fazer coisas diferentes do que fizemos e fazemos o que constituem informações originais até mesmo para nós, que nos especializamos na invenção”.
Tanto os dois movimentos têm estreita e umbilical relação entre si, que na exposição realizada em São Paulo, no Instituto Tomie Ohtake, de 15 de agosto a 16 de setembro de 2007, comemorativa (posto que com um ano de atraso) do cinqüentenário do lançamento da poesia concreta no País, os tropicalistas tiveram um grande espaço. Entre outras participações, ocorreu, naquela oportunidade, o lançamento de um CD, com uma coletânea de músicas baseadas em poemas concretos, interpretadas, entre outros, por Caetano Veloso, Arrigo Barnabé, Gilberto Mendes e Livio Tragtenberg.
Para encerrar estas breves considerações, peço licença ao leitor para reproduzir a composição Acrilírico, de Caetano Veloso. Atentem para o texto e concluam se é, ou não é, na verdade um poema concreto, com todas as características essenciais do concretismo:
Acrilírico
Olhar colírico
Lírios plásticos do campo e do contracampo
Telástico cinemascope
Teu sorriso tudo isso
Tudo ido e lido e lindo e vindo do
Vivido na minha adolescidade
Idade de pedra e paz
Teu sorriso quieto no meu canto
Ainda canto o ido o tido o dito
O dado o consumido o consumado
Ato do amor morto motor da saudade
Diluído na grandicidade idade de pedra
Ainda canto quieto o que conheço
Quero o que não mereço: o começo
Quero canto de vinda
Divindade do duro totem futuro total
Tal qual quero canto
Por enquanto apenas mino o campo verde
Acre e lírico sorvete
Acrílico Santo Amar(g)o da
Purificação.
(Ensaio inédito, sujeito a revisões).
1 comment:
O grande barato dessa poesia é como ele é lido. no album do caetano. Demais!
Breno
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