Monday, May 07, 2007

Sólido sucesso


Pedro J. Bondaczuk


O sucesso e sua irmã-gêmea, a fama, costumam ser sumamente cruéis com a maioria dos que os obtêm. Como um vinho de má-qualidade, ou uma cachaça vagabunda, ou um uísque falsificado, ou qualquer bebida muito forte, sobem de imediato à cabeça dos incautos. Todavia, são muito rápidos. Quando menos se espera, se desfazem no ar, vão-se embora, desaparecem, viram pó e deixam, quem não se acautelou, desesperado e atônito. O caminho da fama para o ostracismo, por seu turno, é curtíssimo, como um piscar de olhos.
Raros conseguem reter esses dois tão perseguidos enganadores por um tempo mais longo, já nem digo para sempre, palavra muito forte e interdita para nós, meros mortais. E não se trata, sequer, de questão de mérito. Depende dessa coisa mais frágil ainda do que o sucesso e a fama, que é a memória das pessoas.
Um cantor popular brasileiro, no entanto, conseguiu a façanha de manter-se na crista da onda por já mais de meio século. É certo que sua popularidade (que, guardadas as proporções, chegou a ser maior do que a de Roberto Carlos) declinou com o tempo. Ainda assim, não há quem não o conheça e, mesmo não apreciando seu repertório ou seu estilo, não lhe confira os respectivos méritos. Refiro-me a Cauby Peixoto.
No auge do seu sucesso, em meados da década de 50 do século passado, mereceu matéria da prestigiosa revista norte-americana “Time”, que o classificou como “o maior ídolo da canção popular brasileira”. E, esteja certo o leitor, o autor da reportagem não exagerou. Cauby, de fato, na ocasião, era insuperável e tinha cadeira cativa no coração e nas mentes dos seus milhões de fãs, espalhados pelo Brasil afora.
Agora, esse ídolo interminável, volta, literalmente, à ribalta. Mais especificamente, aos palcos. Um dos maiores sucessos da temporada teatral é, exatamente, uma peça, escrita e dirigida por Flávio Marinho (lançada pela Editora Imago), intitulada “Cauby, Cauby”. No Rio de Janeiro, a produção foi encenada, inicialmente, no Teatro Sesc Ginástico e, posteriormente, no João Caetano. Em São Paulo, repetiu o sucesso, com vitoriosa temporada no Teatro Procópio Ferreira.
Tendo o ator Diogo Vilela no principal papel (com interpretação soberba, o que, aliás, não se constitui em nenhuma novidade, dado seu imenso e reconhecido talento), a competente direção musical coube a Liliane Secco. Flávio Marinho foi, mais uma vez, muito feliz em seu texto, leve, bem-humorado, mas rigorosamente informativo, que traz, em poucas palavras, os principais episódios da vida e, sobretudo, da marcante carreira de Cauby Peixoto.
Aliás, falar da competência do autor chega a ser redundante. Com mais de vinte peças no currículo, a maioria sucessos retumbantes nos palcos, como “Salve amizade”, “Coração brasileiro”, “Um dia das mães” e “Abalou Bangu”, entre tantas outras, tem, como principal característica, retratar a classe média da Zona Sul do Rio, que conhece tão bem, já que nasceu em Copacabana. Além de autor e de diretor, Flávio Marinho é um dos mais respeitados críticos teatrais da atualidade.
Para quem não sabe, informo que Cauby Peixoto Barros nasceu em Niterói, em 10 de fevereiro de 1934. Completou, portanto, neste ano, 73 anos de idade. O hoje mítico cantor, aliás, tem a arte musical no DNA. Afinal, o pai, conhecido como Cadete, tocava violão; a mãe era perita no bandolim; o tio, Romualdo Peixoto (chamado, nos meios artísticos de Nono) era pianista e homem de rádio; seu primo, Ciro Monteiro, dispensa apresentação, já que foi um dos mais famosos e reconhecidos sambistas de todos os tempos, quer como compositor, quer como intérprete; seus irmãos Moacir e Araquém foram bons instrumentistas e a irmã, Andiara, cantora, como ele.
A estréia pública de Cauby deu-se em 1949. Foi num programa da Rádio Tupi do Rio, “A hora do comerciário” (exercia essa profissão na época), patrocinado pelo Sesc. Saiu-se tão bem, que conseguiu chamar a atenção da popularíssima “Revista do Rádio”, fundamental, na ocasião, para um artista se tornar conhecido. Pouco depois, mudou-se para São Paulo, onde foi, durante um bom tempo, “crooner” de boate. Daí para a fama e o sucesso foi um passo. Mas quem quiser conhecer essa trajetória, que compre o livro de Flávio Marinho. Não vou ser o espírito de porco de resumir um trabalho tão bem feito e interessante em meras vinte ou quarenta linhas, não importa.
Entrevistei Cauby num programa de rádio que então apresentava em São Paulo em 1961. Tremi na base, claro. Tratava-se de um mito e eu de um radialista em início de carreira. Todavia, o que tive, à minha frente, foi uma pessoa simples, amável, educada e, sobretudo, muito bem-humorada. Foi uma das entrevistas mais marcantes e exemplares da minha vida. Cauby tem um hábito peculiar: chama, sempre, os interlocutores, de “professor”. Mas quem sou eu para merecer tão nobre designação?! Mestre, de fato, da interpretação e da modéstia, é ele, sem dúvida alguma. E, sobretudo, da arte de conservar, por tanto tempo, o sucesso e a fama (cruéis e fugidios), merecidíssimos por sinal, que conquistou com garra, talento e insuperável simpatia. Salve, Cauby Peixoto!

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