Wednesday, May 09, 2007

Marcas no tempo


Pedro J. Bondaczuk


A comunicação, através da palavra – falada ou escrita, não importa –, é uma das mais refinadas, complexas e fundamentais manifestações de inteligência do homem. Implica em imensa responsabilidade, da qual raramente (ou nunca, na verdade) nos damos conta. Pode mudar, sem que sequer venhamos a nos aperceber, para melhor ou para pior, a vida tanto de uma única pessoa, quanto de milhões, quiçá bilhões delas, conforme seu teor, condições, circunstâncias e meios utilizados. Pode tanto adquirir permanência, e vencer o tempo, sobrevivendo àquele que dela se utilizou, quanto se esgotar em segundos.
Trata-se do distintivo da racionalidade humana em relação aos demais seres vivos, animais ou vegetais. A linguagem, a despeito de sua diversidade e ambigüidade, tem essa possibilidade de atravessar gerações e de produzir efeitos muito mais profundos e duradouros do que os originalmente pretendidos.
Há palavras que salvam, que constróem, que redimem e que consolam, registrando fatos e feitos históricos, expressando idéias, produzindo reflexões, desvendando sentimentos, despertando emoções e criando beleza. Mas há também as que matam, as que ferem, as que corrompem, as que destroem, as que despertam violência e ira e que produzem intensa dor. Depende de quem, quando e como as expressa. Saint’Exupéry alertou que "a palavra pode ser a ponte de união entre as pessoas ou uma fonte de mal-entendidos".
Se na conversação informal, naquela que utilizamos no dia-a-dia, no lar, no trabalho e em nossas relações sociais; a comum, trivial, corriqueira e na maioria das vezes eivada de incorreções vocabulares e gramaticais, e que quase nunca é policiada, temos enorme responsabilidade por tudo o que dizemos (embora sequer atinemos), dadas as conseqüências produzidas, muito mais importante se torna, é evidente, o que escrevemos, e como o fazemos. Nunca sabemos, por exemplo, em que mãos esses textos vão cair, qual o uso que deles será feito e, principalmente, por quem.
John Lukacs, em seu livro "O Fim do Século 20" (publicado no Brasil pelo "Círculo do Livro"), explica: "São as palavras que nos comovem, nos magoam, inspiram, deprimem, porque pensamos com palavras". Há, portanto, Escritores (com "E" maiúsculo) e escritores (na verdade "escrevinhadores", no sentido pejorativo). E, claro, há, também, Jornalistas (com “J” maiúsculo) e jornalistas. Ou seja, os que têm noção da influência que podem exercer e os irresponsáveis, os medíocres, os mal intencionados e os corruptos, niilistas por excelência, dispostos a tudo destruir, apenas por vaidade e para demonstrar que têm poder que, no entanto, não sabem como usar construtivamente.
Da mesma forma, temos Filósofos e filósofos, Cientistas Sociais e cientistas sociais, Antropólogos e antropólogos, etc. Ou seja, os que criam, constróem, consolam, encantam e induzem à reflexão. E os amargos, corruptos, pessimistas, derrotistas e cínicos, que deveriam, na verdade, se calar para sempre, por falta do que dizer ou pela absoluta inadequação da mensagem. Mesmo os bons jornalistas e escritores, às vezes, se precipitam e publicam reportagens vazias e mal-fundamentadas ou livros que repudiam anos mais tarde, quando adquirem maior experiência e consolidam um estilo.
Na escolha de um texto, para leitura e reflexão, raramente nos detemos no conteúdo. E nem podemos. Apegamo-nos, muito mais, ao estilo do autor (em geral com um nome já firmado) mesmo que o teor seja um lixo. Até porque, a menos que conheçamos outras obras do mesmo escritor, nunca sabemos (é claro, antes de ler), o que determinado livro contém. Não estamos aqui defendendo nenhuma espécie de censura, até porque, ninguém está habilitado para isso. Quem pode, sem sombra de dúvida, assumir o papel de "árbitro dos costumes", que são bastante voláteis e variáveis, ou dos gostos, ou das necessidades?
Evidente que o sucesso ou fracasso de um escritor (ou de um jornalista) independe apenas do seu talento e da qualidade e substância do seu texto. O "marketing", por exemplo, conta muito, assim como a exposição na mídia e uma crítica favorável, fatores, aliás, que nos induzem freqüentemente ao erro e nos levam a comprar "gato por lebre". Ou seja, a adquirir obras sofríveis como sendo autênticos "pilares da cultura".
Boa parte dos "best-sellers" de hoje vai constituir, fatalmente, a "legião dos esquecidos" de amanhã. Como em tudo na vida, o modismo também tem grande influência na literatura (e no jornalismo). Há livros (e reportagens) até gostosos de se ler, mas que, ao cabo da leitura, se revelam vazios, ocos, frívolos, um mero festival de "pirotecnia verbal" (às vezes nem isso), sem qualquer substância ou conteúdo. Há outros, em oposição, cujo estilo não é atrativo. Exigem do leitor, além de sólida cultura, enorme autodisciplina e capacidade de concentração para não desistir na metade.
No entanto, são obras magistrais, atemporais, consagradas, marcos da literatura universal, ou pela criatividade, ou pela linguagem revolucionária, ou pela relevância do tema, quando não por todas estas características juntas. Entre estes, podem ser mencionados, apenas à guisa de exemplos, livros como "Ulysses", do irlandês James Joyce; os seis volumes do "Em Busca do Tempo Perdido", do francês Marcel Proust e a peça "Esperando Godot", do britânico Samuel Beckett, entre tantas outras. O escritor (ou jornalista, como queiram) de talento, e que sabe o que diz, representa uma ponte entre gerações, garantindo a continuidade e perenidade da cultura. Deixa, às vezes sem se aperceber, sua marca característica e indelével no tempo...É o único tipo de imortalidade acessível ao homem.

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