Monday, May 21, 2007

O gelo e o fogo


Pedro J. Bondaczuk


O desenvolvimento de uma personalidade sadia, integrada e sobretudo voltada para o mundo, e não para o interior das pessoas, é uma das tarefas principais do ser humano durante sua existência. Pode parecer até um paradoxo esse empenho, já que cada indivíduo que nasce é único, sem qualquer similar no passado e no futuro. Podem surgir sósias, há identidade de características biológicas em gêmeos univitelinos, no entanto não existem e nem existirão duas pessoas exatamente iguais. Cada uma delas é única, é original, é um mundo, é um universo complexo e não desvendável em sua totalidade.
Todavia, há comportamentos padrões que massificam, descaracterizam, nulificam o indivíduo. Daí ele ter de desenvolver o seu distintivo, a sua marca pessoal que se convencionou chamar de "personalidade". Haveria, porém, como determinar tipos, como o ideal e o pernicioso? Temos, por exemplo, a questão da genialidade, que nunca foi bem entendida. O gênio, em geral, é incompreendido pelos seus contemporâneos. Alguns chegam a ser confundidos com loucos, posto que os comportamentos se assemelham na medida em que ambos diferem daquele convencionado como sendo o normal.
Sua marca fica impressa na obra que deixa, que resiste à efemeridade e se perpetua, na maioria das vezes, muitos anos após a sua morte. Caso típico é o do pintor holandês Vincent Van Gogh. Fernando Pessoa, ele próprio um intelectual genial, hoje reconhecido por todos como desses raros talentos marcantes, que surgem apenas de quando em quando, escreveu a respeito: "O gênio é a insanidade tornada sã pela diluição do abstrato, como um veneno convertido em remédio mediante mistura. Seu produto próprio é a novidade abstrata – isto é, uma novidade que, no fundo, se conforma com as leis gerais da inteligência humana e não com as leis particulares da doença mental. A essência do gênio é a inadaptação ao ambiente; é por isso que o gênio (a menos que seja acompanhado de talento de espírito) é em geral incompreendido pelo seu ambiente; e eu digo 'em geral' e não 'universalmente' porque muito depende do ambiente. Não é a mesma coisa ser um gênio na antiga Grécia e na moderna Europa ou no mundo moderno".
Existe alguma forma do indivíduo moldar sua personalidade ou esta é produto da educação e do meio em que ele vive e, portanto, mera fatalidade? As opiniões a respeito divergem. Muitos educadores entendem que a moldagem é possível e a vontade tem um papel determinante nessa tarefa. Outros, por sua vez, acham que não. O pensador Balmes chegou a apresentar uma fórmula para essa construção de uma identidade positiva: "A verdadeira personalidade deve ter cabeça de gelo, coração de fogo e braços de ferro".
E qual seria o significado disso? Simples. É indispensável que se tenha frieza na tomada de decisões, paixão na busca da implantação dos ideais e força para pôr em prática aquilo que o indivíduo realmente acredita ser o melhor. A serenidade no decidir somente existirá caso a pessoa possua um núcleo sólido de convicções, testadas pelo tempo, e não um mero elenco de fantasias, elucubrações delirantes ou utopias.
O ex-presidente do Banco Mundial, e que também foi secretário de Defesa dos Estados Unidos, Robert McNamara, expressou, num seminário realizado em Jackson, no Estado do Mississippi, em fevereiro de 1967, a fórmula certa para tornar isso possível: "As decisões vitais, tanto em matéria de estratégia de empresa, quanto de estratégia política, devem promanar, forçosamente, do que está na cabeça”.
E isto vale, mais do que nunca, para a vida pessoal de cada um. Todavia, McNamara acrescentou: "Mas a maneira racional, para o homem, de tomar a sua decisão, depende diretamente do trabalho de esclarecimento que se tenha realizado para colocar diante dele as diferentes opções, entre as quais terá de escolher. A gerência, se for boa, organiza a empresa e a sociedade de maneira que esse processo se desenvolva apropriadamente. É o processo pelo qual os homens podem, o mais eficientemente possível, exercer a sua razão, sua capacidade de criação, suas iniciativas e responsabilidades".
Toda decisão errada, tomada com a "cabeça quente", tende a produzir resultados às vezes catastróficos. Em determinadas situações, inclusive, pode conduzir as pessoas à própria morte. Por exemplo, o motorista de um carro, numa estrada, se resolve ultrapassar na contramão outro veículo sem que tenha absoluta segurança de que em sentido contrário não está vindo nenhum outro, corre o risco de provocar uma colisão fatal.
Há situações em que os rumos equivocados podem ser modificados. Ainda assim, a pessoa que houver decidido errado sofrerá perda: de tempo, que é o mais precioso capital que este ser mortal, que é o homem, possui. Só quem sabe decidir, pesando os prós e os contras, e ainda assim com rapidez, é confiável. Essa capacidade é a matéria-prima dos autênticos líderes, um dos pontos que distinguem os gênios dos mortais comuns.

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