Tuesday, May 08, 2007

Maneira de rezar


Pedro J. Bondaczuk

O trabalho é uma bênção, uma oportunidade que a vida nos dá de mostrarmos a nossa utilidade, a nossa competência, o nosso talento e a nossa capacidade. Não se trata, pois, como muitos afirmam, de “um mal necessário”, ou de eventual “maldição” por nossos erros, ignorância e contradições. E, muito menos, de “castigo” pela desobediência e fraqueza do mítico e alegórico casal original – suposto gerador de toda espécie – Adão e Eva, quando da expulsão do paradisíaco Jardim do Éden.
Claro que para adquirir transcendência e grandeza, é preciso que escolhamos fazer (sempre que a escolha seja possível), o que nos dê prazer e orgulho. E, principalmente, claro, que nos possibilite realizar aquilo para o que estejamos devidamente habilitados.
Mesmo as obrigações penosas, todavia, desde que necessárias, têm lá a sua importância e grandeza, por mais humildes e banais que pareçam. O pintor Henry Matisse expressou, com entusiasmo, o que sempre acreditei a esse propósito: “Eu creio em Deus quando trabalho”. Existe forma mais prática (e bela) de manifestar crença no, e adoração ao Criador de tudo o que há? Ou seja, ao primeiro e principal trabalhador do universo, feito, aliás, todinho por ele?! Claro que não!
Essa postura, até lógica – mas que muitos não se dão conta – completa-se, a caráter, com a manifestada pelo mito Marc Chagall, ao declarar, certa feita: “O trabalho é minha maneira de rezar”. A minha também! E justifiquei, não faz muito, essa afirmação, em uma crônica, em que comprovei (com fatos) que não se trata de mera retórica, como pode parecer, mas, sobretudo, de filosofia de vida. E de gratidão a Deus, e aos que me proporcionam as oportunidades de mostrar meu talento e meus conhecimentos.
Para mim, o trabalho é muito mais do que mera fonte de sustento, meu e da família. A remuneração, sem dúvida, é importante, porém não essencial. Encaro o fruto pecuniário do que faço como uma forma de reconhecimento ao meu empenho, assiduidade, responsabilidade e dedicação. Vejo-a como um elogio prático à qualidade e pertinência do que produzo. Mas é um fator secundário.
O trabalho é minha terapia mental e espiritual, a forma que conheço (e que utilizo) para manter a sanidade, num mundo cada vez mais insano, perverso e violento. Sua importância me fica nítida principalmente naqueles momentos difíceis, que todos enfrentamos (uns mais e outros menos), em que parece que tudo está contra nós. Em que crises e dificuldades de toda a sorte se acumulam e parece que o universo inteiro está determinado a nos ferir, quando não nos destruir.
Nessas ocasiões, busco resolver, claro, como manda a prudência, os problemas mais prementes, cuja solução acredite ter, e me abstraio dos demais. Afinal, não sou masoquista e detesto qualquer tipo de sofrimento. Prefiro apostar todas as minhas fichas na alegria, no bom-humor e na felicidade.
Mergulho, de cabeça, no trabalho, mantenho a mente sempre ocupada na produção de algo útil e positivo (não importa qual seja a sua natureza ou valor) e, como que num passe de mágica, o horizonte clareia. As nuvens ameaçadoras se dissipam e o sol volta a brilhar com toda a intensidade. Subitamente, o que antes parecia uma tragédia ou um prenúncio dela, se mostra em toda a sua verdadeira e mesquinha dimensão. Revela-se pequena, ínfima, banal e não raro acabo por sorrir da minha primitiva aflição.
É certo que tenho a felicidade de fazer o que gosto (e, como sempre digo, em tom até de galhofa, “e ainda por cima sou remunerado pelo que faço!”) e me entrego de corpo e alma à atividade que me dá prazer e que sei fazer razoavelmente bem: sou jornalista por vocação e, principalmente por opção. O jornalismo – que considero mais que profissão, missão de vida –, é mister lembrar, é um exercício que tende a ser estressante e aflitivo, caso não adotemos determinadas cautelas.
A exposição cotidiana, por anos a fio, ao que há de pior e de mais baixo no homem – ou seja, a ganância, a violência, o cinismo, a corrupção etc. –, raramente passa impune. Se o jornalista não tiver valores éticos sólidos, crenças firmes, estabelecidas e comprovadas pelo tempo e uma dose considerável de idealismo, corre o risco de ser ferido, no corpo e na alma, e, não raro, de ver abreviada não só a carreira, como a própria vida. Ainda assim, é, sempre foi e sempre será a minha forma mais respeitosa e pia de adoração a Deus.
Peço licença, pois, ao paciente leitor. Tenho uma tarefa – como ocorre todos os dias, há já longos e felizes 44 anos – inadiável: a de render graças a Deus pelo privilégio da vida, da família, dos amigos e das oportunidades que me foram, generosamente, concedidas. Ou seja, vou “orar”, mas não me limitar à recitação de alguma eventual reza decorada e formal, murmurada com os lábios mas não sentida, porém produzindo uma reportagem, na qual empenharei, esteja certo, todas as minhas forças e conhecimentos, o máximo da minha capacidade, para que seja perfeita, honesta, isenta e construtiva. Amém!!!

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