Sunday, August 22, 2010




Resistência só com comando forte

Pedro J. Bondaczuk

O Afeganistão tem, no correr da sua milenar história, um longo retrospecto de conquistas externas, em que seus costumes e tradições foram forçados a passar por inúmeras mudanças que os levaram à descaracterização. Esse país, classificado na atualidade entre os mais pobres e desprotegidos do mundo, já foi presa de Dario I, o Grande, da Medo Pérsia, no ano 522 AC. De Alexandre Magno, em 330 AC, tornando-se parcela de seu vasto império. Dos árabes, que lhe impuseram a religião islâmica, no século VII de nossa era.
Pior do que essas conquistas anteriores, porém, foi a passagem dos mongóis pelo território afegão, arrasando aldeias, vilas e cidades, levando tudo de roldão, como bando de gafanhotos destrutivos, liderados primeiro pelo implacável Genghis-Khan e posteriormente pelo não menos sanguinário Tamerlão.
No correr de sua existência, o Afeganistão veio a se tornar independente, de fato, apenas em 1747. Mesmo assim, permaneceu em constante sobressalto, com a disputa que se verificava na Ásia por uma hegemonia absoluta entre dois gigantescos impérios, que estavam de olho em suas terras de vales férteis e de escarpadas e quase inacessíveis montanhas: o britânico e o da Rússia czarista.
Por três vezes os ingleses tentaram repetir as proezas dos conquistadores antigos desse país e em todas elas se deram muito mal. A primeira das campanhas, inclusive, foi trágica para os súditos da rainha que comandava um domínio territorial tão grande que em suas fronteiras "o sol jamais se punha". Começou em 1838 e terminou com a retirada dos invasores, tendo em seus flancos e na sua retaguarda os inflexíveis guerreiros afegãos, que com suas armas rústicas e sua combatividade, queriam lavar com sangue a afronta sofrida. Dos 16 mil soldados ingleses que então empreenderam a invasão, apenas cem retornaram vivos à Índia. Os demais foram massacrados impiedosamente.
O Império Britânico fez mais duas dessas tentativas. Um em 1878/9 e outra em 1929, com resultados quase tão catastróficos quanto a anterior. O povo do Afeganistão, que passara milênios da sua história sendo conquistado, dominado ou simplesmente influenciado por estrangeiros, soube nessa ocasião preservar a sua independência. Contava, na oportunidade, com coesão e liderança e por isso não caiu. E ficou, desde então, literalmente esquecido, pelo prazo de exatos 50 anos, até que os russos conseguiram a proeza que os britânicos haviam falhado em obter meio século atrás. E com que facilidade!
É verdade que desde o primeiro instante da invasão, os afegãos esboçaram uma reação contra um novo período de prolongado domínio que se desenhava à sua frente. Mas esta revelou-se sempre difusa, dispersa, fragmentada, contando mais com o patriotismo individual de cada combatente do que com algum eventual comando que merecesse esse nome.
Hoje, o principal foco de resistência centraliza-se numa aliança dos sete maiores grupos guerreiros, dos inúmeros que há no país, buscando, cada qual à sua maneira, expulsar os soviéticos do seu território. Não é menos real que os russos encontraram no Afeganistão o seu "atoleiro", o mesmo que representou o Vietnã, na década passada, para os norte-americanos.
Mas, ao contrário dos vietcongs, que não passavam uma única semana sem retomar parcelas de território das mãos do adversário, a guerrilha afegã marca passo. Vence uma batalha aqui, outra ali. Destrói umas tantas aeronaves soviéticas. Faz uma centena de vítimas entre os inimigos. Mas limita-se apenas a isso, a essas pequenas migalhas. Tudo porque falta coesão, falta comando, falta um objetivo político definido nessa luta.
As diversas facções perdem mais tempo trocando acusações com pretensos aliados do que combatendo eficazmente o inimigo comum. E é bom que se frise que historicamente os russos não devolveram jamais territórios em que os seus soldados puseram os pés. Vai daí...

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 18 de junho de 1986)

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