Thursday, August 05, 2010




Convocação muito contestada

Pedro J. Bondaczuk

Em 1970, a CBD, então presidida por João Havelange, estava determinada a fazer com que a torcida esquecesse o fracasso da Copa de 1966 e, para isso, exigia uma performance da Seleção digna de um bicampeão mundial. Foram analisados os principais problemas ocorridos há quatro anos, e os dirigentes estavam determinados a impedir que eles se repetissem.
Uma das deficiências mostradas na Inglaterra – talvez a principal – foi a falta de preparação física, que se igualasse e até superasse a das seleções européias. Para sanar essa deficiência, foram convocados profissionais gabaritados, estudiosos do assunto, que conheciam as técnicas mais avançadas em termos de condicionamento, como o professor Ademildo Chirol e Carlos Alberto Parreira, esse mesmo que vocês estão pensando, o que comandou, neste ano, os Bafana Bafana da África do Sul e foi campeão mundial em 1994, no comando da Seleção Brasileira.
Para que o trabalho preparatório fosse desenvolvido com maior eficiência, a CBD criou a função de supervisor. E esta foi entregue a um militar (o que gerou muitas, posto que veladas, críticas, por razões compreensíveis, já que vivíamos o auge dos “anos de chumbo”, isto é, uma feroz ditadura), que no entanto era um sujeito dos mais competentes, o capitão do Exército Cláudio Coutinho.
Não vejo porque se deva fazer relação da ditadura com as atividades desse profissional à frente da Seleção. Aliás, oito anos depois, ele comandaria o Brasil na Copa da Argentina e não faria feio, a despeito das críticas e gozações que a imprensa lhe fez (insisto, só pelo fato de ser militar e não por causa de eventual incompetência). Fomos “campeões morais” naquele Mundial, termo a que muitos, até hoje, dão caráter pejorativo.
Ocorre que o Brasil foi a única seleção que não perdeu nenhum jogo, ao contrário da campeã Argentina, que fez e desfez para conquistar o título em casa. Terminamos em terceiro lugar, contudo rigorosamente invictos. Sem dúvida que Cláudio Coutinho teve méritos nessa façanha.
Sempre me opus à politização do futebol, quer para promover determinado político ou regime, quer para depreciá-los. Ambos são, no meu entender, como óleo e água, ou seja, imiscíveis, embora gregos e troianos persistam tentando misturá-los.
Para o comando técnico do nosso selecionado, a CBD ousou, em 1970, a exemplo do que havia feito em 1969, nas eliminatórias, quando conferiu essa responsabilidade ao jornalista João Saldanha. E este, como já demonstrei, cumpriu direitinho seu papel. Classificou o Brasil, goleando todo mundo e dando show de bola.
Mas, para a Copa do Mundo, o treinador escolhido foi um ex-boleiro, mas não um qualquer. Tratava-se de um atleta vencedor, que poderia ter ficado quieto no seu canto, curtindo a glória de bicampeão, na Suécia e no Chile: Mário Jorge Lobo Zagallo.
Claro que a escolha desagradou a imprensa, embora boa parte dos que a criticaram hoje jurem que a tenham aprovado. Mas não aprovaram. Citaram uma lista enorme de técnicos que, a seu ver, estavam muito mais habilitados do que o escolhido. E vou mais longe, as restrições feitas a Zagallo foram até maiores do que aquelas que se fizeram a Saldanha. Como a memória de muitos (oportunamente) é fraca, não é mesmo?!
A onda de protestos cresceu ainda mais quando foi divulgada a lista dos convocados para a Copa do México. É verdade que havia consenso em torno de boa parte dos jogadores que foram chamados. Mas em torno de alguns... Sua convocação desagradou a gregos e troianos.
Querem um exemplo? O goleiro Félix, então na Portuguesa. Diziam que não inspirava confiança e não sabia sair do gol. E mesmo durante a Copa, quando foi escalado como titular, atribuíram-lhe falhas que na verdade não cometeu. Ainda hoje, passados quarenta anos, há quem o conteste e até com veemência.
Creio que tais contestações se devam ou a desinformação ou a má fé, ou a ambas juntas. Félix disputou excelentes campeonatos pela Portuguesa e, por isso, mereceu ser chamado por Zagallo (ex-boleiro, frise-se), que teve a coragem de ser coerente e justo. E na sequência da sua carreira, já no Fluminense, o goleiro fez jogos memoráveis. A torcida do tricolor das Laranjeiras que o diga.
Os dois reservas de Félix, Ado (do Corinthians) e Leão (do Palmeiras) não sofreram restrições da imprensa. Quanto aos laterais direitos, não houve aprovação unânime, não pelo menos para a dupla convocada. Quanto a Carlos Alberto Torres, revelado pelo Fluminense, mas que estava brilhando no Santos, não havia restrições. Muitos, porém, achavam que seu reserva, Zé Maria, então na Portuguesa (mais tarde seria destaque do Corinthians) tinha, é verdade, grande vigor físico, mas carecia de técnica. Bobagem!
Quanto aos zagueiros, o descontentamento girava em torno da convocação de Fontana, do Vasco, considerado muito violento e, além do que, fraco na marcação. Nesse caso, os críticos tinham lá sua dose de razão. Quanto a Brito (do Vasco), Baldochi (do Palmeiras) e Joel (do Santos), ninguém reclamou.
Para compor o meio de campo, Zagallo convocou Wilson Piazza (do Cruzeiro), Clodoaldo (do Santos), Rivelino (do Corinthians) e Gerson (do São Paulo). Não lembro dos jornalistas terem criticado qualquer dessas convocações. E aí, Zagallo voltaria a revolucionar.
Piazza, apesar de jogar numa posição hoje conhecida como “volante”, era bom marcador. Cabeceava muito bem, tinha ótima visão de jogo, um senso de cobertura perfeito e grande mobilidade. Além disso, raramente errava algum passe. E o que o treinador fez? Uniu o útil ao agradável. Escalou Piazza como zagueiro, ao lado de Brito. Com isso, manteve a segurança defensiva, com a vantagem sobressalente de contar com perfeita saída de bola da defesa para o ataque.
Claro que a maioria dos jornalistas não entendeu a brilhante idéia do treinador. Criticou-o duramente por recorrer a improvisações (mesmo estas dando excelentes resultados), quando, no seu entender, deveria utilizar atletas da posição.
Na lateral esquerda, foram chamados Marco Antonio (Fluminense) e Everaldo (Grêmio Portoalegrense). E aí a imprensa tornou a cometer injustiça, e dupla: com Zagallo e com o atleta gremista. Diziam na época (e muitos repetem isso até hoje) que o jogador foi convocado por imposição do general Garrastazu Medici, conselheiro e ferrenho torcedor do tricolor gaúcho. Ocorre que Everaldo era um baita lateral, o que demonstrou na Copa. Foi chamado pelos seus méritos técnicos, não por imposição do ditador de plantão.
Quanto ao ataque, além das críticas ao técnico por haver chamado cinco camisas 10 (o que comentei ontem), a imprensa fez restrições ao fato de Dario, o “Dadá Maravilha”, estar entre os convocados. Falaram a mesma bobagem que haviam falado sobre Everaldo. Ou seja, que a ida do centroavante, que fez gols e mais gols com a camisa do galo mineiro, fora imposição da ditadura.
Dadá provaria, depois, no Internacional (onde foi campeão brasileiro) e até na minha Ponte Preta, onde atuou com sucesso, que tinha “faro de gol”. Merecia, portanto, uma chance com a amarelinha da Seleção Brasileira.
Os outros atacantes convocados foram Jairzinho (Botafogo), Tostão (Cruzeiro), Pelé (Santos), Paulo César Caju (Botafogo), Roberto (Vasco) e Edu (Santos). “Com esse time, o Brasil não vai a lugar nenhum”, diziam jornalistas e torcedores. Estavam todos errados. Tanto que essa Seleção, além de conquistar o tri mundial, a Copa Jules Rimet em definitivo, é tida e havida por boa parte dos brasileiros como a melhor de todos os tempos.
Faço esse resgate não por gostar de criticar meus companheiros de profissão (detesto fazer isso), mas por uma questão de justiça e por amor absoluto e irrestrito à verdade.

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