Ano de excelência
Pedro J. Bondaczuk
O ano de 1982, em que foi disputada a Copa do Mundo da Espanha, marcou um momento brilhante da minha vida (e também da Seleção, embora não coroado com o título). A muitos leitores, provavelmente, de pouco (ou de nada) interessarão essas circunstâncias tão particulares que me envolvem e que descrevo resumidamente na introdução dos relatos de cada Mundial. Ocorre que tais relatos têm, lá, sua razão de ser. Visam, sobretudo, a contextualizar estas reminiscências, que são bastante pessoais.
Ademais, como William Shakespeare observou com muita argúcia, em certa ocasião, “nada interessa mais ao ser humano do que a vida de outro ser humano”. Isso é o que, na verdade, permeia e caracteriza toda a verdadeira e boa comunicação. É um aspecto que está, ou deve estar, sempre subjacente nesse processo de contato entre seres inteligentes e produtivos.
O ano de 1982 foi, para mim, de trabalho, de muito trabalho, de intensíssimo trabalho. Eu estava, na oportunidade, com 39 anos e meio, e em pleno vigor, físico, mental e intelectual. Minha família tinha crescido. No ano anterior à Copa, havia nascido meu filho Alexei, o terceiro da “turminha brava”, que seria completada, em 1983, com o nascimento da minha caçula.
Eu trabalhava, na ocasião, há já bom tempo, no quase centenário e, portanto, tradicional jornal campineiro “Diário do Povo”. Não fazia muito, ele havia se “fundido” com o “Jornal de Hoje”, que deixara de circular, e mudara de dono; passara a pertencer ao ex-prefeito, ex-senador e ex-governador do Estado de São Pulo, Orestes Quércia.
Há dois anos, eu havia retomado a carreira de radialista, abruptamente interrompida em meados de 1964, pós-golpe militar. Trabalhava na única grande empresa radiofônica paulista em que não havia trabalhado nos anos 60: a Rede Bandeirantes. Fora contratado, porém, não propriamente pela emissora líder do grupo, mas por uma afiliada, a então denominada Educadora de Campinas.
Hoje ela mudou de nome. Trocou sua denominação tradicional, que ostentou por décadas, pela de Rádio Bandeirantes Campinas. Tenho imenso orgulho de haver trabalhado nessa grande empresa de radiodifusão e convivido com muitos profissionais que, antes de se tornarem colegas de trabalho, eram meus ídolos, como Pereira Neto, Renato Leal (atualmente na Rede Globo), Roberto Diogo, Wagner Ferreira, Jaércio Barbosa, Pereira Esmeriz, Mário Celso, Ariovaldo Izaac (meu companheiro também de Diário do Povo) e Brasil de Oliveira, entre tantos.
Na época, reitero, eu trabalhava muito, demais, além do que a prudência recomendava. Contudo, como fazia o que gostava, isto é, me comunicar com ouvintes e com leitores, não sentia cansaço físico ou mental e muito menos estresse.
Minha jornada laboral era frenética, sem nenhum dia de descanso, de segunda a segunda, meses e anos a fio. Começava ao meio-dia, quando entrava na Educadora, de onde só saía às 19 horas em ponto, quando da transmissão da “Voz do Brasil”, que na época era obrigatória nesse horário. Mas não ia para casa. Seguia direto para a redação do “Diário do Povo”, de onde só saía em alta madrugada.
No jornal, tinha horário de entrada, como todo funcionário, mas não de saída. Saía apenas quando a edição do dia terminava, que tanto poderia ser à meia-noite, quanto as duas, três ou quatro horas da manhã do dia seguinte. Nesse período, nunca consegui chegar em casa antes das 4h30 da madrugada.
Meu esforço era bem-remunerado, é verdade. Eu precisava ganhar bem. Afinal, tinha família grande, o que implicava em enormes despesas e ainda mais numa época de inflação galopante. Além de contar com dois empregos fixos, com carteira de trabalho assinada, fazia uma infinidade de frilas, o que ajudava a engordar minha conta bancária.
Estava determinado a me arrebentar de trabalhar, se fosse preciso, para que jamais faltasse coisa alguma aos meus filhos. Felizmente, nunca faltou. Eles sempre tiveram do bom e do melhor. E estudavam nas melhores escolas que o dinheiro pudesse custear. Tudo isso graças ao jornalismo. Eu cavava, a ferro e fogo, com garra e determinação, meu espaço na imprensa e na sociedade campineira.
Um ano antes, em 1981, eu havia largado o curso de Direito. Mas ao contrário do que ocorrera anos antes, com a Medicina, esse abandono fora de caso pensado e não se deveu à falta de recursos financeiros. Ocorreu, somente, porque eu já havia aprendido o que me propusera a aprender.
Quando passei no novo vestibular (havia sido aprovado anos antes em Medicina, como relatei em outra parte destas reminiscências), ou seja, no de Direito, e numa das três melhores faculdades do gênero do País, a da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, disse, para parentes e amigos, que não tinha a mínima intenção de advogar. Nunca, sequer remotamente, cogitei em deixar o jornalismo. E não deixei mesmo, até hoje.
O que eu pretendia era expandir conhecimentos na área de ciências humanas. E para o quê? Para exercer minhas funções jornalísticas com mais propriedade e qualidade. Na oportunidade, ninguém acreditou que minha intenção fosse mesmo essa. Mas fui rigorosamente coerente com o que disse que faria, ao desistir do curso de Direito somente no final do quarto ano.
Foi exatamente após essa desistência que voltei ao rádio. Antes de desistir do curso, eu costumava brincar com os colegas de redação do “Diário do Povo”, dizendo que era “filho da PUCC” (a sigla da universidade), para espanto geral, dos que entendiam mal o que eu dizia e achavam que eu estava me xingando. O que aprendi na Faculdade de Direito não tem preço. Ampliou, em muito, meu horizonte mental e minha visão de cidadania, de direitos e deveres e, também, de jornalismo.
Trabalhei na redação do “Diário do Povo” com jornalistas notáveis, principalmente na área de esportes. Posso citar de memória, sem precisar pensar muito, Eduardo Mattos, Élcio Paiola, Ismael Pfeiffer, Arnaldo Boccato, Ariovaldo Izaac, Brasil de Oliveira e muitos outros excelentes profissionais, cujos nomes me escapam.
De todos os lugares em que já trabalhei, esse é um dos que guardo na memória com o maior carinho. Engraçado como certas coincidências nos aproximam mais de determinadas empresas ou organizações sem que sequer nos apercebamos. O aniversário do “Diário do Povo” coincide com o meu, em 20 de janeiro. Por isso, nos anos que lá trabalhei, nunca faltou o tradicional bolo, para celebrar a data, doado, via de regra, por padarias da cidade anunciantes do jornal.
E eu zoava muito com isso. Saía dizendo, pelos corredores, a todos os colegas com os quais cruzava, que o bolo que eles iriam comer fora doado por mim. Claro que não era verdade. Todavia, muitos companheiros acreditavam nisso e vinham me abraçar, parabenizar e agradecer. E eu me divertia muito com essa ingênua credulidade.
Pedro J. Bondaczuk
O ano de 1982, em que foi disputada a Copa do Mundo da Espanha, marcou um momento brilhante da minha vida (e também da Seleção, embora não coroado com o título). A muitos leitores, provavelmente, de pouco (ou de nada) interessarão essas circunstâncias tão particulares que me envolvem e que descrevo resumidamente na introdução dos relatos de cada Mundial. Ocorre que tais relatos têm, lá, sua razão de ser. Visam, sobretudo, a contextualizar estas reminiscências, que são bastante pessoais.
Ademais, como William Shakespeare observou com muita argúcia, em certa ocasião, “nada interessa mais ao ser humano do que a vida de outro ser humano”. Isso é o que, na verdade, permeia e caracteriza toda a verdadeira e boa comunicação. É um aspecto que está, ou deve estar, sempre subjacente nesse processo de contato entre seres inteligentes e produtivos.
O ano de 1982 foi, para mim, de trabalho, de muito trabalho, de intensíssimo trabalho. Eu estava, na oportunidade, com 39 anos e meio, e em pleno vigor, físico, mental e intelectual. Minha família tinha crescido. No ano anterior à Copa, havia nascido meu filho Alexei, o terceiro da “turminha brava”, que seria completada, em 1983, com o nascimento da minha caçula.
Eu trabalhava, na ocasião, há já bom tempo, no quase centenário e, portanto, tradicional jornal campineiro “Diário do Povo”. Não fazia muito, ele havia se “fundido” com o “Jornal de Hoje”, que deixara de circular, e mudara de dono; passara a pertencer ao ex-prefeito, ex-senador e ex-governador do Estado de São Pulo, Orestes Quércia.
Há dois anos, eu havia retomado a carreira de radialista, abruptamente interrompida em meados de 1964, pós-golpe militar. Trabalhava na única grande empresa radiofônica paulista em que não havia trabalhado nos anos 60: a Rede Bandeirantes. Fora contratado, porém, não propriamente pela emissora líder do grupo, mas por uma afiliada, a então denominada Educadora de Campinas.
Hoje ela mudou de nome. Trocou sua denominação tradicional, que ostentou por décadas, pela de Rádio Bandeirantes Campinas. Tenho imenso orgulho de haver trabalhado nessa grande empresa de radiodifusão e convivido com muitos profissionais que, antes de se tornarem colegas de trabalho, eram meus ídolos, como Pereira Neto, Renato Leal (atualmente na Rede Globo), Roberto Diogo, Wagner Ferreira, Jaércio Barbosa, Pereira Esmeriz, Mário Celso, Ariovaldo Izaac (meu companheiro também de Diário do Povo) e Brasil de Oliveira, entre tantos.
Na época, reitero, eu trabalhava muito, demais, além do que a prudência recomendava. Contudo, como fazia o que gostava, isto é, me comunicar com ouvintes e com leitores, não sentia cansaço físico ou mental e muito menos estresse.
Minha jornada laboral era frenética, sem nenhum dia de descanso, de segunda a segunda, meses e anos a fio. Começava ao meio-dia, quando entrava na Educadora, de onde só saía às 19 horas em ponto, quando da transmissão da “Voz do Brasil”, que na época era obrigatória nesse horário. Mas não ia para casa. Seguia direto para a redação do “Diário do Povo”, de onde só saía em alta madrugada.
No jornal, tinha horário de entrada, como todo funcionário, mas não de saída. Saía apenas quando a edição do dia terminava, que tanto poderia ser à meia-noite, quanto as duas, três ou quatro horas da manhã do dia seguinte. Nesse período, nunca consegui chegar em casa antes das 4h30 da madrugada.
Meu esforço era bem-remunerado, é verdade. Eu precisava ganhar bem. Afinal, tinha família grande, o que implicava em enormes despesas e ainda mais numa época de inflação galopante. Além de contar com dois empregos fixos, com carteira de trabalho assinada, fazia uma infinidade de frilas, o que ajudava a engordar minha conta bancária.
Estava determinado a me arrebentar de trabalhar, se fosse preciso, para que jamais faltasse coisa alguma aos meus filhos. Felizmente, nunca faltou. Eles sempre tiveram do bom e do melhor. E estudavam nas melhores escolas que o dinheiro pudesse custear. Tudo isso graças ao jornalismo. Eu cavava, a ferro e fogo, com garra e determinação, meu espaço na imprensa e na sociedade campineira.
Um ano antes, em 1981, eu havia largado o curso de Direito. Mas ao contrário do que ocorrera anos antes, com a Medicina, esse abandono fora de caso pensado e não se deveu à falta de recursos financeiros. Ocorreu, somente, porque eu já havia aprendido o que me propusera a aprender.
Quando passei no novo vestibular (havia sido aprovado anos antes em Medicina, como relatei em outra parte destas reminiscências), ou seja, no de Direito, e numa das três melhores faculdades do gênero do País, a da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, disse, para parentes e amigos, que não tinha a mínima intenção de advogar. Nunca, sequer remotamente, cogitei em deixar o jornalismo. E não deixei mesmo, até hoje.
O que eu pretendia era expandir conhecimentos na área de ciências humanas. E para o quê? Para exercer minhas funções jornalísticas com mais propriedade e qualidade. Na oportunidade, ninguém acreditou que minha intenção fosse mesmo essa. Mas fui rigorosamente coerente com o que disse que faria, ao desistir do curso de Direito somente no final do quarto ano.
Foi exatamente após essa desistência que voltei ao rádio. Antes de desistir do curso, eu costumava brincar com os colegas de redação do “Diário do Povo”, dizendo que era “filho da PUCC” (a sigla da universidade), para espanto geral, dos que entendiam mal o que eu dizia e achavam que eu estava me xingando. O que aprendi na Faculdade de Direito não tem preço. Ampliou, em muito, meu horizonte mental e minha visão de cidadania, de direitos e deveres e, também, de jornalismo.
Trabalhei na redação do “Diário do Povo” com jornalistas notáveis, principalmente na área de esportes. Posso citar de memória, sem precisar pensar muito, Eduardo Mattos, Élcio Paiola, Ismael Pfeiffer, Arnaldo Boccato, Ariovaldo Izaac, Brasil de Oliveira e muitos outros excelentes profissionais, cujos nomes me escapam.
De todos os lugares em que já trabalhei, esse é um dos que guardo na memória com o maior carinho. Engraçado como certas coincidências nos aproximam mais de determinadas empresas ou organizações sem que sequer nos apercebamos. O aniversário do “Diário do Povo” coincide com o meu, em 20 de janeiro. Por isso, nos anos que lá trabalhei, nunca faltou o tradicional bolo, para celebrar a data, doado, via de regra, por padarias da cidade anunciantes do jornal.
E eu zoava muito com isso. Saía dizendo, pelos corredores, a todos os colegas com os quais cruzava, que o bolo que eles iriam comer fora doado por mim. Claro que não era verdade. Todavia, muitos companheiros acreditavam nisso e vinham me abraçar, parabenizar e agradecer. E eu me divertia muito com essa ingênua credulidade.
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