Os burlescos golpes de Estado africanos
Pedro J. Bondaczuk
Os ditadores africanos devem pensar duas vezes antes de programarem viagens ao Exterior. Eles correm o risco de quando voltarem (se isso lhes for permitido) encontrarem outros aventureiros ocupando os seus postos, geralmente seus “mui leais” ministros de Defesa.
Isso aconteceu em 10 de dezembro de 1984 na Mauritânia, quando o tenente-coronel Mohammed Kouha Ould Haidala resolveu comparecer a um compromisso em Burundi. Com ele deu-se aquela famosa brincadeira da nossa infância, do “quem foi para Portugal perdeu o lugar”. Só que no seu caso, o local exato foi Burundi. Numa ação fulminante, o coronel Maouia Ould Ahmed Taya assumiu os pontos estratégicos do país e, com eles, o próprio poder.
Neste ano, em 6 de abril passado, Jaafar Numeiry passou pelo mesmo dissabor no Sudão. Após, em anos passados, ter escapado de diversas tentativas de golpe e ter sobrevivido até a atentados contra a sua vida, acabou, afinal, sendo deposto. E justamente quando estava regressando ao país de uma turnê particular pelos Estados Unidos. Ao chegar no Cairo, Egito, recebeu a notícia de que seu “fidelíssimo” ministro de Defesa, general Abdul Rahman Swar al-Dahab tinha resolvido lhe dar o “bilhete azul”. Teve que se conformar.
O mesmo fenômeno ia se repetindo, ontem, na Guiné. Aproveitando a viagem do presidente Lansana Conte ao Togo, o ex-primeiro-ministro Diarra Traore deve ter raciocinado da seguinte forma: “Bem, o nosso mui amado governante conquistou o poder através de um golpe, ao depor Lansana Beavogui em 3 de abril do ano passado. Provavelmente, ele não irá achar ruim se eu fizer o mesmo”. Mas o quase deposto presidente não gostou da brincadeira. Só que, o contrário dos outros exemplos citados, ele tinha oficiais do Exército que lhe eram realmente leais. E o golpe foi sufocado.
O leitor, a esta altura, deve estar perguntando onde fica a Guiné. E certamente deve estar ainda mais confuso quando lhe informam que existem três países com esse nome. Um, a Guiné Equatorial, é ex-colônia espanhola. Outro, Guiné-Bissau, já foi possessão portuguesa. O terceiro, ex-colônia francesa localizada a Oeste da Costa do Marfim, é aquele a que estamos nos referindo. Ali aconteceu, anteontem, a tentativa de golpe.
Trata-se de uma República com 245.857 quilômetros quadrados (dois mil a menos do que o Estado de São Paulo), com uma população de 5.450.000 habitantes, dos quais 75% professam o islamismo, 1% o cristianismo e os demais 24% as múltiplas religiões animistas existentes na África. Como toda ex-colônia européia, possui 16 etnias diferentes (algumas inimigas históricas) tendo que conviver à força num mesmo território. Dessas, as mais importantes são as tribos peul, sussu, mandigo e fula.
O país, que desde a independência, em 1958, teve somente três governantes (apenas o falecido Sekou Touré ficou 26 anos no poder, até a sua morte), é um dos mais pobres do Terceiro Mundo. Sua economia é calcada na agricultura e na extração vegetal. A renda per capita anual do guineense é de irrisórios US$ 290.
Em contrapartida, a Guiné deve, no Exterior, US$ 1,25 bilhão, onze vezes o saldo que apura ao final de cada ano em sua balança comercial. Pouco dinheiro, traduz-se em má qualidade de vida. E, por essa razão, 90% dos habitantes desse país são analfabetos e a expectativa média de vida deles é uma das mais baixas do mundo: 41,9 anos para os homens e 45,1 para as mulheres. A cada mil crianças que nascem, 172 não chegam a comemorar o primeiro aniversário. Trágico, não é mesmo?!
Durante os 26 anos de seu governo, Sekou Touré declarou a Guiné um Estado comunista. Até tentou uma fusão com os vizinhos Mali e Senegal, mas ficou só na tentativa. Na hora de decidir quem iria governar de fato a federação, surgiu a briga. E a experiência não durou mais do que três meses. Isso, no ano de 1960.
O país confia que, quando ficar concluída a ferrovia Transguineana, de 1.200 quilômetros, terá mais recursos para financiar seu desenvolvimento. E, certamente, possuirá, não tenham dúvidas, mais pretendentes ao poder. Parece ser uma fixação no Terceiro Mundo esse fascínio por golpes de Estado. Ou seria mania?
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 6 de julho de 1985).
Pedro J. Bondaczuk
Os ditadores africanos devem pensar duas vezes antes de programarem viagens ao Exterior. Eles correm o risco de quando voltarem (se isso lhes for permitido) encontrarem outros aventureiros ocupando os seus postos, geralmente seus “mui leais” ministros de Defesa.
Isso aconteceu em 10 de dezembro de 1984 na Mauritânia, quando o tenente-coronel Mohammed Kouha Ould Haidala resolveu comparecer a um compromisso em Burundi. Com ele deu-se aquela famosa brincadeira da nossa infância, do “quem foi para Portugal perdeu o lugar”. Só que no seu caso, o local exato foi Burundi. Numa ação fulminante, o coronel Maouia Ould Ahmed Taya assumiu os pontos estratégicos do país e, com eles, o próprio poder.
Neste ano, em 6 de abril passado, Jaafar Numeiry passou pelo mesmo dissabor no Sudão. Após, em anos passados, ter escapado de diversas tentativas de golpe e ter sobrevivido até a atentados contra a sua vida, acabou, afinal, sendo deposto. E justamente quando estava regressando ao país de uma turnê particular pelos Estados Unidos. Ao chegar no Cairo, Egito, recebeu a notícia de que seu “fidelíssimo” ministro de Defesa, general Abdul Rahman Swar al-Dahab tinha resolvido lhe dar o “bilhete azul”. Teve que se conformar.
O mesmo fenômeno ia se repetindo, ontem, na Guiné. Aproveitando a viagem do presidente Lansana Conte ao Togo, o ex-primeiro-ministro Diarra Traore deve ter raciocinado da seguinte forma: “Bem, o nosso mui amado governante conquistou o poder através de um golpe, ao depor Lansana Beavogui em 3 de abril do ano passado. Provavelmente, ele não irá achar ruim se eu fizer o mesmo”. Mas o quase deposto presidente não gostou da brincadeira. Só que, o contrário dos outros exemplos citados, ele tinha oficiais do Exército que lhe eram realmente leais. E o golpe foi sufocado.
O leitor, a esta altura, deve estar perguntando onde fica a Guiné. E certamente deve estar ainda mais confuso quando lhe informam que existem três países com esse nome. Um, a Guiné Equatorial, é ex-colônia espanhola. Outro, Guiné-Bissau, já foi possessão portuguesa. O terceiro, ex-colônia francesa localizada a Oeste da Costa do Marfim, é aquele a que estamos nos referindo. Ali aconteceu, anteontem, a tentativa de golpe.
Trata-se de uma República com 245.857 quilômetros quadrados (dois mil a menos do que o Estado de São Paulo), com uma população de 5.450.000 habitantes, dos quais 75% professam o islamismo, 1% o cristianismo e os demais 24% as múltiplas religiões animistas existentes na África. Como toda ex-colônia européia, possui 16 etnias diferentes (algumas inimigas históricas) tendo que conviver à força num mesmo território. Dessas, as mais importantes são as tribos peul, sussu, mandigo e fula.
O país, que desde a independência, em 1958, teve somente três governantes (apenas o falecido Sekou Touré ficou 26 anos no poder, até a sua morte), é um dos mais pobres do Terceiro Mundo. Sua economia é calcada na agricultura e na extração vegetal. A renda per capita anual do guineense é de irrisórios US$ 290.
Em contrapartida, a Guiné deve, no Exterior, US$ 1,25 bilhão, onze vezes o saldo que apura ao final de cada ano em sua balança comercial. Pouco dinheiro, traduz-se em má qualidade de vida. E, por essa razão, 90% dos habitantes desse país são analfabetos e a expectativa média de vida deles é uma das mais baixas do mundo: 41,9 anos para os homens e 45,1 para as mulheres. A cada mil crianças que nascem, 172 não chegam a comemorar o primeiro aniversário. Trágico, não é mesmo?!
Durante os 26 anos de seu governo, Sekou Touré declarou a Guiné um Estado comunista. Até tentou uma fusão com os vizinhos Mali e Senegal, mas ficou só na tentativa. Na hora de decidir quem iria governar de fato a federação, surgiu a briga. E a experiência não durou mais do que três meses. Isso, no ano de 1960.
O país confia que, quando ficar concluída a ferrovia Transguineana, de 1.200 quilômetros, terá mais recursos para financiar seu desenvolvimento. E, certamente, possuirá, não tenham dúvidas, mais pretendentes ao poder. Parece ser uma fixação no Terceiro Mundo esse fascínio por golpes de Estado. Ou seria mania?
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 6 de julho de 1985).
1 comment:
Pedro,
Acabo de ler seu artigo sobre a Guineé Conakry escrito em 1985.
Um retrato fiel da realidade africana.( de4 ontem e de hoje em muitos locais )
Sou um ardente admirador do povo guineano e tenho viajado todos os anos para a jovem Republica.
Não sei se vc tem acompaanhado os acontecimentos atuais na terra dos sousou's
Pela vez primeira vivem uma eleição livre para escolha de um Presidente.
O primeiro turno teve a participção de 24 candidatos, inclusive uma mulher.
No proximo dia 19 de setembro terão o segundo turno.
Disputam Alpha Conde e Ceilou Dalein.
Qualquer que seja o resultado devemos apaudir o comportamento dos guineanos.
Espero estar lá para sentir o clima de jubilo que deve cobrir a nação.
Rica em bauxita, ferro, ouro, uranio e tem até pre-sal....
Ia me esquecendo a Transguineana continua no papel...situação muito parecida com o nosso trem-bala.
parabens pelo seu blog
Faria Lima
neste exato momento o Flamengo abre o marecador contra o Guarani ( deve ser para também hiomenagea-lo )
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