Wednesday, April 30, 2008

Raios, relâmpagos e trovões


Pedro J. Bondaczuk

O homem contemporâneo, a despeito do magnífico avanço tecnológico que lhe permite interferir na própria natureza e deter em suas mãos até mesmo o poder de destruir em minutos o Planeta, não é o gigante que pensa ser. É, na verdade, um anão. Apresenta as dimensões gigantescas que aparenta por estar de pé nos ombros dos gênios do passado que o antecederam e que, partindo do nada, elaboraram todas as artes, a ciência e o raciocínio.
Isto somente foi possível graças ao trabalho, em geral anônimo, de uma categoria sofrida, injustiçada, mas que sem ela o conhecimento adquirido simplesmente se perderia no esquecimento: a dos professores. Quem conseguiria ser um pesquisador espacial, chegar a realizar maravilhosos transplantes de órgãos, alterar genes de uma célula, ou mapear o próprio segredo da vida humana, se não contasse com um mestre que lhe desse as noções elementares da linguagem, do cálculo e das ciências?
Por outro lado, todos temos em nós um artista, embora muitas vezes não pareça que seja assim. Ocorre que alguns sufocam esse pendor natural, voltados que estão para coisas aparentemente mais importantes, mais "sérias" e que, na verdade, quando submetidas a uma análise lógica mínima, se revelam supérfluas, triviais, fantasiosas e absolutamente dispensáveis. Só a arte dá dimensões divinas ao ser humano. É por seu intermédio que ele verdadeiramente se revela em toda a sua grandeza e transcendência.
O artista, em especial o poeta, desenvolve com anos de exercício a aptidão de explorar sutilmente o subconsciente à cata de emoções que lhe sirvam de matéria-prima para maravilhosas obras de arte. Sons, imagens, odores, sensações agradáveis ditadas pelos cinco sentidos, são transformados por esses criadores (que valorizam e dão nobreza à vida humana) em melodias, telas, esculturas, palavras que formam metáforas bem ajustadas e harmoniosas. Com o talento de que são dotados, nos transmitem suas emoções, às quais agregamos as nossas, ditadas por nossa própria experiência pessoal.
Há, também, algumas pessoas muito especiais que conseguem realizar em vida aquilo a que se propuseram, porque se empenharam, buscaram as oportunidades e as aproveitaram, enquanto outras (a maioria), se limitaram a sonhar e sequer tentaram fazer o mínimo esforço para que seus sonhos se fizessem concretos e se transformassem em atos.
Tudo o que estes omissos (quando não parasitas) fazem é procurar a mera satisfação dos sentidos, e mesmo assim de forma desregrada e imprudente. Há um outro grupo, ainda, que é o daqueles que obtêm a cumplicidade alheia para suas idéias e projetos. E realizam seus propósitos através de terceiros. São os gênios da espécie, os líderes, os condutores de povos, os grandes semeadores.
Antônio Vieira disse, em seu célebre “Sermão da Sexagésima”, pregado na Capela Real de Lisboa, em 1655: “A nuvem tem relâmpago, tem trovão e tem raio: o relâmpago para os olhos, trovão para os ouvidos, raio para o coração; com o relâmpago alumia, com o trovão assombra, com o raio mata. Mas o raio fere a um, o relâmpago a muitos, o trovão a todos”.
O homem evoluído, que tem consciência do seu papel no mundo e se empenha na sua realização (raridade em todos os tempos), sem esperar vantagem material, é, sobretudo, generoso. A evolução da espécie humana deve tudo a essas pessoas abnegadas, que surgem a cada geração, determinando saltos evolutivos desse estranho e precioso animal que pensa (ou pelo menos conta com essa capacidade), mas que nem sempre dá um sentido positivo ao pensamento.
Tais indivíduos, por serem raros, podem ser comparados aos raios, que atingem corações, na metáfora utilizada por Antônio Vieira em seu sermão. São os responsáveis pelas descobertas científicas, pelo desenvolvimento das artes, pela Justiça, pela organização política e social, pelos sistemas econômicos e pela geração e veiculação de idéias. Sua característica marcante é a generosidade. Semeiam inteligência e princípios incansavelmente, sem sequer atentar para o "solo" onde as sementes irão cair. Dão oportunidade a todos os que queiram usufruir de sua ação, sem nenhuma espécie de preconceito ou discriminação.
Os mestres e os artistas, por seu turno, são os relâmpagos da “nuvem” da sociedade. E quem seria, nesta pitoresca metáfora de Vieira o trovão? O líder, sem dúvida! O revolucionário, o propagador de idéias, o que sacrifica a própria vida em favor de toda uma geração, quando não da espécie.
Compete-nos sonhar. Sonhar a não mais poder. Compete-nos agir. Agir até o limite das nossas resistências. Compete-nos criar. Criar universos de fantasia, embora com a pobre matéria-prima da realidade. Compete-nos avançar para além da vida. Compete-nos ser, na “nuvem” da sociedade, raios, relâmpagos ou trovões, de acordo com nosso potencial e a nossa capacidade (inata e/ou adquirida).
Somos desafiados a cada instante a nos definir: O que somos? O que queremos? Para o quê viemos a este mundo louco? Borges revela que "cada um de nós se define para sempre, num único instante de sua vida – instante esse em que cada qual se encontra para sempre consigo mesmo".
Alguns adiam, "sine die", esse dramático encontro. Outros jamais o promovem. Mas os que têm a coragem de afrontar seus fantasmas marcam, de forma indelével, sua passagem pelo mundo. Tornam-se ou raios para o coração, ou relâmpagos para os olhos ou trovões para os ouvidos. Mas concluem, invariavelmente: "apenas a vida não nos basta..."

No comments: