Bomba de tempo
Pedro J. Bondaczuk
A Bolívia vive um clima de grande tensão, gerado, principalmente, pelo impasse que se criou após as eleições presidenciais de 14 de julho, cujos três primeiros classificados, Hugo Banzer, Víctor Paz Estenssoro e Jaime Paz Zamora, terão sua sorte decidida a partir de amanhã, pelos 157 novos congressistas eleitos na mesma oportunidade.
Entre os inúmeros rumores que correm por La Paz, comenta-se, à boca pequena, que os militares estariam tramando um golpe, caso o candidato vencedor da votação não seja confirmado pelo Congresso. Temos as nossas dúvidas se Banzer mantém tão boas relações com seus colegas de farda. Afinal, ele também já foi deposto um dia e isso não é, nem um pouco, sinal de prestígio.
Por outro lado, Paz Estenssoro teve, no passado, duas experiências relacionadas a incidentes golpistas. A primeira foi em 1951, quando, embora legítimo vencedor das eleições presidenciais daquele ano, foi impedido de assumir pela junta militar que governava a Bolívia. Na época, o líder do MNR adotava uma linha esquerdista bem definida e contava com o apoio decidido dos mineiros. Seus partidários não se conformaram com essa coação armada e promoveram uma rebelião em todo o país. Para evitar uma guerra civil, foi permitido, finalmente, a Estenssoro, que assumisse o cargo obtido nas urnas.
Cinco anos após, o episódio se repetiu. Só que dessa vez o partido desse líder, hoje considerado conservador, não apresentava mais a coesão do passado. E ele teve que se curvar diante de uma força maior. Caso vença seus dois oponentes na preferência do Congresso e seja, mais uma vez, impedido de assumir, essa será, portanto, a terceira experiência do mesmo tipo pela qual ele passará.
Resta saber até que ponto existe clima para golpe na Bolívia. O governo, apesar de tão ferrenhamente disputado, não é lá um cargo tão atrativo nesse momento dificílimo que o país atravessa. E nem Hugo Banzer é,k ao nosso ver, o presidente ideal para a presente ocasião. A menos que tenha mudado, e bastante, não apenas seus conceitos de democracia, mas, principalmente, seu procedimento ditatorial e atrabiliário do passado.
Em seus anos de ditadura ele apoiou-se no homem que é hoje justamente o seu maior adversário: Víctor Paz Estenssoro. Governou a Bolívia com mão extremamente dura e não teve escrúpulos em fazer uso da força para se opor perante os que se lhe opunham. Como no caso do bloqueio da estrada de Tolota, ocorrido em 1974, através dos camponeses. Banzer resolveu fazer a desocupação da rodovia a poder de armas. Isso custou, na época, a morte de 404 pessoas, das quais apenas quatro eram soldados.
Um outro incidente, esse ocorrido com o jornalista Juan Florilo Pereira, dá bem a conta de qual poderá ser o seu relacionamento com a imprensa caso, num desses acidentes inexplicáveis, o Congresso boliviano homologue o candidato da ADN. Agastado com as críticas recebidas desse repórter, Banzer chamou-o, certo dia, a seu gabinete presidencial para passar-lhe uma descompostura. E, sem essa e mais aquela, esbofeteou Juan Florilo na face, com a cômoda impunidade garantida pelo seu cargo.
Durante seu mandato, listas e mais listas de exilados, que não podiam retornar à Bolívia, foram emitidas. As prisões viveram superlotadas de presos políticos. O país esteve, em várias oportunidades, à beira da guerra civil. O que se estranha é que mesmo assim tenha recebido tantos votos nas eleições de 14 de julho.
Essa inconsciência do eleitorado na hora de votar, essa falta de sensibilidade para não se deixar influenciar pela retórica de campanha, redundou na montagem de uma perigosa bomba de tempo, capaz de explodir a qualquer momento no país.
Daí o clima de tensão e de expectativa, não somente dos bolivianos, mas de todos os povos deste continente que desejam ver banidos, para sempre, da América do Sul, os deprimentes e retrógrados expedientes golpistas, típicos do (mau) comportamento político dos latino-americanos.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 3 de agosto de 1985)
Pedro J. Bondaczuk
A Bolívia vive um clima de grande tensão, gerado, principalmente, pelo impasse que se criou após as eleições presidenciais de 14 de julho, cujos três primeiros classificados, Hugo Banzer, Víctor Paz Estenssoro e Jaime Paz Zamora, terão sua sorte decidida a partir de amanhã, pelos 157 novos congressistas eleitos na mesma oportunidade.
Entre os inúmeros rumores que correm por La Paz, comenta-se, à boca pequena, que os militares estariam tramando um golpe, caso o candidato vencedor da votação não seja confirmado pelo Congresso. Temos as nossas dúvidas se Banzer mantém tão boas relações com seus colegas de farda. Afinal, ele também já foi deposto um dia e isso não é, nem um pouco, sinal de prestígio.
Por outro lado, Paz Estenssoro teve, no passado, duas experiências relacionadas a incidentes golpistas. A primeira foi em 1951, quando, embora legítimo vencedor das eleições presidenciais daquele ano, foi impedido de assumir pela junta militar que governava a Bolívia. Na época, o líder do MNR adotava uma linha esquerdista bem definida e contava com o apoio decidido dos mineiros. Seus partidários não se conformaram com essa coação armada e promoveram uma rebelião em todo o país. Para evitar uma guerra civil, foi permitido, finalmente, a Estenssoro, que assumisse o cargo obtido nas urnas.
Cinco anos após, o episódio se repetiu. Só que dessa vez o partido desse líder, hoje considerado conservador, não apresentava mais a coesão do passado. E ele teve que se curvar diante de uma força maior. Caso vença seus dois oponentes na preferência do Congresso e seja, mais uma vez, impedido de assumir, essa será, portanto, a terceira experiência do mesmo tipo pela qual ele passará.
Resta saber até que ponto existe clima para golpe na Bolívia. O governo, apesar de tão ferrenhamente disputado, não é lá um cargo tão atrativo nesse momento dificílimo que o país atravessa. E nem Hugo Banzer é,k ao nosso ver, o presidente ideal para a presente ocasião. A menos que tenha mudado, e bastante, não apenas seus conceitos de democracia, mas, principalmente, seu procedimento ditatorial e atrabiliário do passado.
Em seus anos de ditadura ele apoiou-se no homem que é hoje justamente o seu maior adversário: Víctor Paz Estenssoro. Governou a Bolívia com mão extremamente dura e não teve escrúpulos em fazer uso da força para se opor perante os que se lhe opunham. Como no caso do bloqueio da estrada de Tolota, ocorrido em 1974, através dos camponeses. Banzer resolveu fazer a desocupação da rodovia a poder de armas. Isso custou, na época, a morte de 404 pessoas, das quais apenas quatro eram soldados.
Um outro incidente, esse ocorrido com o jornalista Juan Florilo Pereira, dá bem a conta de qual poderá ser o seu relacionamento com a imprensa caso, num desses acidentes inexplicáveis, o Congresso boliviano homologue o candidato da ADN. Agastado com as críticas recebidas desse repórter, Banzer chamou-o, certo dia, a seu gabinete presidencial para passar-lhe uma descompostura. E, sem essa e mais aquela, esbofeteou Juan Florilo na face, com a cômoda impunidade garantida pelo seu cargo.
Durante seu mandato, listas e mais listas de exilados, que não podiam retornar à Bolívia, foram emitidas. As prisões viveram superlotadas de presos políticos. O país esteve, em várias oportunidades, à beira da guerra civil. O que se estranha é que mesmo assim tenha recebido tantos votos nas eleições de 14 de julho.
Essa inconsciência do eleitorado na hora de votar, essa falta de sensibilidade para não se deixar influenciar pela retórica de campanha, redundou na montagem de uma perigosa bomba de tempo, capaz de explodir a qualquer momento no país.
Daí o clima de tensão e de expectativa, não somente dos bolivianos, mas de todos os povos deste continente que desejam ver banidos, para sempre, da América do Sul, os deprimentes e retrógrados expedientes golpistas, típicos do (mau) comportamento político dos latino-americanos.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 3 de agosto de 1985)
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