Tuesday, April 22, 2008

Amor bandido


Pedro J. Bondaczuk

O amor, para mim, sempre foi (e creio que sempre será) um insondável mistério. Por mais que eu tente racionalizar esse sentimento, sempre esbarro em exemplos, em histórias, em situações que teimam em fugir de qualquer racionalidade e até do bom-senso. Quase nunca (eu diria que nunca mesmo) existe uma lógica que nos leve a nos apaixonar por determinada pessoa, e não por outra que, aparentemente (ou verdadeiramente), lhe seja até superior em diversos predicados, como inteligência, pureza, caráter etc.
Não raro temos a oportunidade de amar alguém de imensa beleza – que nos ama e que até nos atrai fisicamente – mas que, para nós, não é a companhia que procuramos. Falta-lhe aquele “algo mais” (que sequer sabemos definir o que seja) que a torne a cara metade que tanto buscamos (e, às vezes, não encontramos nunca).
Todavia, o amor, na verdade, não é para ser explicado ou entendido, pois não tem explicação. Tem é que ser vivido! Cabe-nos a irrestrita entrega a esse misterioso chamamento, sem questionarmos a razão dessa irresistível e mútua atração. Isso, em termos, claro. Creio que em determinados casos, é melhor resistir do que depois lamentar.
Uma das coisas que não entram na minha cabeça, por mais que me esforce, é o chamado “amor bandido”. Ou seja, o fato de alguém se apaixonar por determinada pessoa que não tem nada, absolutamente nada a lhe oferecer, sequer a desejável reciprocidade e, mesmo assim, considerá-la, ou, pior, identificá-la como seu “príncipe” (ou princesa, no caso dos homens) encantado, a despeito de não ter coisíssima alguma que encante.
Tenho um exemplo desses na minha convivência cotidiana. É a doméstica Jesolina, nordestina, mulata, de uns 30 anos de idade (mas com aparência de ter muito mais), que é amante de um bandido, condenado por assalto a mão armada, reincidente desse crime, e que cumpre longa sentença de prisão em uma penitenciária daqui da região de Campinas.
Trata-se de mulher honestíssima, pela qual coloco a minha mão no fogo, sensível, batalhadora, que há anos presta serviços aqui em casa, onde sempre mereceu nossa irrestrita confiança e sincera estima. Como gostaria que Jesolina tivesse melhor sorte! Quanta gente, mundo afora, que poderia lhe dar vida de rainha, está à procura de alguém com metade dos seus predicados, e não encontra! É uma judiação o que ocorre com ela.
Pergunto-me, com grande freqüência, o que leva essa mulher batalhadora a encarar sua vida com tamanha resignação e continuar amando esse companheiro, irresponsável e irrecuperável, com o qual, certamente, jamais poderá levar uma vida em comum normal, que apenas lhe deu um filho, hoje com sete anos de idade, e nada mais?
Nos dias de visita, sem falhar nenhum, às quintas-feiras e domingos, lá está Jesolina, invariavelmente, na portaria do presídio, submetendo-se às vexatórias, porém necessárias revistas, para visitar o bandido, que sequer valoriza seu sacrifício, sua lealdade, fidelidade e dedicação e, não raro, a ameaça de morte, por questão de ciúmes.
E ai de quem falar mal do seu amado na frente dessa mulher apaixonada! Ela, que normalmente é um doce de pessoa, alegre, otimista e descontraída (apesar de todo esse problema que enfrenta), vira uma fera. Defende seu homem com unhas e dentes, com paixão e sentimento, como se fosse um nobre, um príncipe, um deus, sei lá! Definitivamente, não entendo.
Sei que nada, absolutamente nada no mundo é mais amargo e doloroso do que o drama de um amor que chega ao fim. É uma situação conflitante em que sempre alguém sai ferido. Dói demais, por exemplo, ver que os beijos, as carícias e as palavras meigas e deliciosas que nos eram destinadas tempos atrás, têm por alvo, agora, uma outra pessoa.
Não se pode nunca afirmar, é verdade, que se trate de situação sem volta. O amor perdido pode ser recuperado. Mas as marcas dessa eventual separação não desaparecem. Permanecem para sempre a envenenar o relacionamento que, dificilmente, voltará a ser o mesmo de antes. Mas será que isso é pior do que a escolha de alguém que não tem nada a nos oferecer e que, pelo contrário, arruína definitivamente a nossa vida com sua simples existência? Sei lá! O amor... ah, o amor! Que baita mistério que é...

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