Friday, April 04, 2008

Degustação de palavras


Pedro J. Bondaczuk


As palavras, embora muitas vezes se mostrem insuficientes para expressar determinados pensamentos e sentimentos, face à grandeza e intensidade destes, são poderosas. E dinâmicas! A todo instante, novas são criadas e outras tantas morrem, por caírem em desuso.
Nada nos impede de criar determinadas palavras que sobreviverão ou não, na dependência de outras pessoas as utilizarem ou deixarem de utilizar. Seu uso, porém, requer bom-senso e cautela. Algumas podem consolar pessoas e até salvar vidas, dependendo da oportunidade e das circunstâncias em que forem ditas (ou escritas). Outras, no entanto, tendem a gerar conflitos, inimizades, sofrimentos e aflições.
Temos que ficar atentos, pois, no que, como e a quem dizer. Todo poeta sonha com a produção de um verso definitivo, um único, porém perfeito e irretocável, que expresse, sem ambigüidades, a grandeza dos seus sentimentos. Por melhor que escreva, todavia, esbarra, não raro, exatamente na fragilidade das palavras.
Apesar de parecer paradoxal – já que são poderosas –, em geral, elas são, também, muito pobres para expressar com fidelidade o que nos passa na alma.. Tenho a intuição de que a minha canção definitiva e perfeita será um poema mudo. Ou seja, sem palavras. Impresso, apenas, no fundo dos meus olhos, interpretado e perfeitamente entendido pelos seus destinatários: minha doce amada e os amigos leais e carinhosos que tenho, almas gêmeas que me completam, equilibram e justificam.
E aqui entra um novo paradoxo. Por que? Porque o meu mundo é o das palavras. Pesquiso-as, sorvo-as, bebo-as, uso-as, faço delas minha voz, minha vez, minha forma de ser e de dizer presente diante dos meus pares. São meu instrumental, meu ar, minha luz intelectual, o alimento do meu espírito, a matéria-prima dos meus sonhos, dos meus versos, das minhas elucubrações.
Nunca vou me cansar de lê-las, de estudá-las, de aprendê-las, de dissecá-las, de entendê-las, de utilizá-las para dar corpo aos meus sonhos. E como são caprichosas! Como são mutantes, volúveis, instáveis, sensíveis!
O tempo e o uso as transformam. Não raro, passam a significar o oposto do que antes significavam. Vejam, por exemplo, o termo “louco”. Todos sabem que ele caracteriza o indivíduo mentalmente insano. Ou seja, quem é totalmente ilógico, desligado da realidade. Pois bem, essa mesma palavra, em seu sentido original, significava outra coisa bem diferente, diametralmente oposta ao significado atual. Era usada para caracterizar o “lógico”.
Quanto capricho! Quanta volubilidade! Como as palavras são mutantes, instáveis, sensíveis! O leitor quer outro exemplo? Pois aí vai: o termo “catástrofe”. Quando o proferimos (e ouvimos ou lemos), vem-nos à memória, de imediato, a imagem de um desastre de grandes proporções. Todavia, para os gregos, “katá strophé” era o retorno à serenidade após emoções intensas do pathos. Era a abolição das dores, a anulação dos conflitos, a transformação da vida e das paixões em um registro sereno. Paradoxal, não é mesmo?
As palavras são ou não são caprichosas?! E como são mutantes, volúveis, instáveis, sensíveis! E o pior é que esse é o principal instrumento de comunicação de que dispomos. Contudo, é mal-utilizado, usado não como ferramenta para se comunicar e promover o entendimento, mas como arma, para ferir e gerar discórdia.
É causa de equívocos, de desavenças, de mágoas, de brigas e de inimizades. Raros são os que medem o que dizem (ou o que escrevem). Poucos atentam em como tratam os que os rodeiam, sem qualquer senso de oportunidade. Somos, em geral, econômicos em demasia em reconhecer méritos alheios e em elogiar quem merece elogios e tremendamente perdulários quando se trata de condenar, de caluniar e de criticar atos e pessoas.
Ressalte-se que tudo o que se refira ao homem, e que não seja físico, é criação dele mesmo. Explico. Antes desse animal inteligente haver desenvolvido a linguagem, para comunicar o que sabia e sentia, tinha conhecimentos e sentimentos, mas de forma caótica e inexprimível.
Foi a linguagem que deu corpo à expressão do que existia dentro dele e que não tinha nome. O amor, por exemplo, recebeu essa designação, como poderia ter recebido outra qualquer. Poderia se chamar “rosa”, ou “estrela” ou “ameba”, que ainda seria o mesmo sentimento.
A linguagem, portanto, é um conjunto de sons (e após a criação dos alfabetos, de signos) que só tem validade em virtude da convenção. Tudo o que falamos, ouvimos, lemos ou escrevemos não passa de um conjunto de metáforas. Octávio Paz expressa isso com mais clareza ao observar: “O homem é um ser que se criou si próprio ao criar uma linguagem. Pela palavra, o homem é uma metáfora de si mesmo”.
Esse tema, em verdade, presta-se a um verdadeiro tratado sobre a linguagem e suas conseqüências (positivas e negativas) nos relacionamentos sociais. Não se esgota (e nem poderia) numa simples e despretensiosa crônica, como esta. Porquanto as palavras são caprichosas. São mutantes, volúveis, instáveis, sensíveis. E, apesar da sua precariedade, nunca vou me cansar de lê-las, de estudá-las, de aprendê-las, de dissecá-las, de entendê-las, de utilizá-las para dar corpo aos meus sonhos.

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