Sunday, April 20, 2008

DIRETO DO ARQUIVO


Fundo de quintal da África do Sul


Pedro J. Bondaczuk


A África do Sul sempre teve em Botswana uma espécie de fundo do seu quintal. Esse país, de grande dimensão territorial, mas de densidade demográfica bastante baixa, historicamente, sempre dependeu do regime de Pretória.
São trabalhadores sul-africanos que exploram suas principais minas e operam suas indústrias. São, também, desse país, os engenheiros e técnicos especializados, em grande parte, responsáveis pela relativa prosperidade do povo bechuana, que povoa essa República.
Botswana tem uma extensão territorial considerável, de 582.000 quilômetros quadrados, habitados por, apenas, 970 mil pessoas. Acontece que a maior parte das suas terras é inútil. A Sudeste, fica um dos mais extensos desertos africanos (e dos mais desoladores), o de Kalahari. A Noroeste, no delta do Rio Okavango, localiza-se uma área pantanosa, de 16.800 quilômetros quadrados. A parte cultivável desse país, situada num planalto a mil metros acima do nível do mar, é de apenas 2,2%.
Mas Botswana possui riquezas incalculáveis em suas montanhas. Estas traduzem-se em minas de ouro, prata, diamantes, asbesto, manganês, cobre, níquel, carvão e sal, que tornam o país detentor de uma das maiores rendas per capita da comunidade negra da África, de US$ 1.055 anuais.
Seu Produto Nacional Bruto cresce a uma espantosa taxa de 14,7% aa cada ano e sua dívida externa é tão irrisória, que chega a ser apenas simbólica: US$ 160 milhões. Por isso, sua inflação anual raramente supera os 10%.
Grande parte, senão a maior, dessa prosperidade de Botswana depende da África do Sul. Por essa razão, o governo de Gaborone tolera esse tipo de interferência sul-africana, como o da invasão de seu território e bombardeio de residências em sua própria capital ocorridos ontem. Também, se não tolerasse, de pouco adiantaria. Afinal, o país dispõe de uma Força Armada de somente três mil homens, insuficiente, portanto, para defender seu vasto território.
A dependência de Botswana de seu poderoso vizinho é tanta que, até 1965, quando a República era colônia britânica, sua capital administrativa localizava-se na cidade sul-africana de Mafeking. Gaborone assumiu essa condição apenas após 30 de setembro de 1966, quando o país obteve sua independência, integrando-se à British Commonwealth. Mas a moeda continuou sendo alheia. Até 1976, era o rand, da África do Sul, que servia de unidade monetária para Botswana.
Institucionalmente, essa República é citada, sempre, como aquela que jamais conheceu um golpe de Estado. E nem poderia, com Forças Armadas tão pequenas. Mas, em contrapartida, nos 19 anos de independência, teve somente um presidente, Seretse Khama, reeleito nas três eleições presidenciais que o país já teve. E, mesmo antes de tornar-se independente, quando era a colônia inglesa de Bechuanalândia, esse político, que já teve assento até no Parlamento britânico, já era administrador do povo bechuana, em nome da Coroa de Londres.
A África do Sul nunca escondeu seu desejo de anexar, posto que veladamente, esse rico território, que sempre tratou como se fosse um dos seus “bantustans”, o colocando no mesmo pé de tratamento de Lesotho e de Suazilândia, por exemplo.
Essa é uma das razões da ira do Departamento de Estado dos EUA, por essa invasão de ontem. Para evitar que um país independente e soberano, em virtude da sua fraqueza militar, acabe se tornando numa outra Namíbia, para satisfazer as veleidades expansionistas sul-africanas.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 15 de junho de 1985).

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