Pedro J. Bondaczuk
Os tantos manuais de redação que pululam por aí têm, lá, a sua utilidade, não nego, mas desde que não descabem para o exagero. Alguns, descambam. A pretensão dos que os elaboraram é a de, se não ensinar, pelo menos direcionar os textos que serão publicados num jornal ou numa revista. Há, alguns, inclusive, que conflitam com a chamada “norma culta” do idioma. Aí já é demais!
A gramática é uma espécie de Constituição dos que têm na escrita o seu ofício. Tudo o que conflitar com o que ela determina, já nasce morto. Ademais, ninguém ensina jornalista algum a escrever. Para isso, ele cursou faculdade. Se, ainda assim, não sabe se utilizar adequadamente da escrita, está em profissão errada. Creio que não haja nenhuma dúvida quanto a isso.
Estas considerações vêm a propósito do que li em determinado manual de redação (que prefiro não identificar qual foi), que “proíbe” o redator de se dirigir diretamente ao leitor, tentando, por exemplo, se antecipar a possíveis conclusões deste sobre determinado assunto que esteja tratando, sobretudo quando polêmico. Numa reportagem, até concordo que não seja de bom-tom. Mas num artigo ou numa crônica?! Ora, que autoridade tem quem determina esse tipo de veto? Quem lhe outorgou a função de “árbitro” do idioma?
Da minha parte, “converso” o tempo todo com o leitor. Posso até ouvi-lo a contestar minhas colocações ou a concordar com elas. Claro que, agindo isso, estou mil anos-luz de ser original. Machado de Assis agia assim bem antes de eu nascer. Basta ler qualquer dos seus romances, em especial “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, “Esaú e Jacó”, ou “Memorial de Aires”. Ou, até mesmo, seus artigos na “Gazeta de Notícias”, suas bem-humoradas crônicas e até muitos dos seus contos.
Em boa parte dos seus textos, quer de ficção, quer de não-ficção, o “Bruxo do Cosme Velho” conversa com o leitor. Brinca com ele, discute, ri, o induz a rir, ralha, adivinha seus pensamentos e se antecipa em criticá-los e elogiá-los, quando for o caso. Claro que não ouso me comparar a Machado de Assis. Minha pretensão não é tão grande assim! Mas nada me impede de trilhar o caminho que ele desbravou.
Mais recentemente, o escritor argentino, Ricardo Piglia, publicou todo um livro sobre o tema, intitulado “O último leitor”. Recomendo a todos que tenham o ofício de escrever que o leiam. Trata-se de leitura imperdível.
Em determinado trecho, Piglia escreve: “Que outro personagem pode interessar mais a um escritor que seu leitor? De quem mais o escritor, como um vampiro que ronda as poltronas, vem sugar o sangue precioso, se não do persistente e silencioso sujeito que lê? É na mente do leitor que a literatura, depois de tanto esforço, enfim ‘toma corpo’. É em seu interior, enfim, que um livro, simples aglomerado de letras mortas, se transforma em pensamento”. E não é?!
Existe, pois, melhor parceiro do que este para um escritor? O que seria de nós, que fazemos da escrita um ofício, um trabalho, nossa forma de ganhar o pão de cada dia, sem esse personagem sem rosto (ou melhor, com milhões de rostos), anônimo, escondido, mas onipresente?
E Piglia conclui: “A leitura não é outra coisa senão uma percepção solitária do real; daí o estado vulnerável, indefeso em que todo leitor sempre se coloca”. Essa vulnerabilidade, por sinal, nos é sumamente familiar. Afinal, não conheço ninguém que escreva que não dedique horas sem-fim à leitura. É quando trocamos de lado. Queiram ou não, todo escritor é, sobretudo, um compulsivo leitor. A recíproca, porém, raramente é verdadeira.
E por que escrevemos tanto e temos tamanha necessidade desse personagem que nos é fundamental e que nos privilegia com a leitura? Apenas por vaidade? Em alguns casos, até pode ser, mas esse componente é mínimo num escritor. Para ganhar dinheiro? Também! Mas não somente por isso.
Recorro, de novo, a Ricardo Piglia para dar a resposta que me convenceu e que sei que o irá convencer, paciente, anônimo e precioso leitor. O romancista argentino escreveu, a propósito: “Scherazade narra para postergar a morte – é isto que, de certo modo, todo escritor faz”. E não é?!
Piglia refere-se, obviamente, à personagem de “Mil e uma noites”, que recebeu ordens de contar uma história a um grão-vizir, ao fim da qual seria executada. Astuta, prolonga sua narrativa por mais de um milhar de dias, ou seja, por dois anos, sete meses e alguns quebrados de dias, e, dessa forma, consegue se safar da execução. Assim somos nós, pobres escritores, que no afã de obter a imortalidade do nome (diante da impossibilidade de sermos, fisicamente, imortais), fazemos nossas obsessivas narrativas, contando, claro, com sua indispensável cumplicidade.
Os tantos manuais de redação que pululam por aí têm, lá, a sua utilidade, não nego, mas desde que não descabem para o exagero. Alguns, descambam. A pretensão dos que os elaboraram é a de, se não ensinar, pelo menos direcionar os textos que serão publicados num jornal ou numa revista. Há, alguns, inclusive, que conflitam com a chamada “norma culta” do idioma. Aí já é demais!
A gramática é uma espécie de Constituição dos que têm na escrita o seu ofício. Tudo o que conflitar com o que ela determina, já nasce morto. Ademais, ninguém ensina jornalista algum a escrever. Para isso, ele cursou faculdade. Se, ainda assim, não sabe se utilizar adequadamente da escrita, está em profissão errada. Creio que não haja nenhuma dúvida quanto a isso.
Estas considerações vêm a propósito do que li em determinado manual de redação (que prefiro não identificar qual foi), que “proíbe” o redator de se dirigir diretamente ao leitor, tentando, por exemplo, se antecipar a possíveis conclusões deste sobre determinado assunto que esteja tratando, sobretudo quando polêmico. Numa reportagem, até concordo que não seja de bom-tom. Mas num artigo ou numa crônica?! Ora, que autoridade tem quem determina esse tipo de veto? Quem lhe outorgou a função de “árbitro” do idioma?
Da minha parte, “converso” o tempo todo com o leitor. Posso até ouvi-lo a contestar minhas colocações ou a concordar com elas. Claro que, agindo isso, estou mil anos-luz de ser original. Machado de Assis agia assim bem antes de eu nascer. Basta ler qualquer dos seus romances, em especial “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, “Esaú e Jacó”, ou “Memorial de Aires”. Ou, até mesmo, seus artigos na “Gazeta de Notícias”, suas bem-humoradas crônicas e até muitos dos seus contos.
Em boa parte dos seus textos, quer de ficção, quer de não-ficção, o “Bruxo do Cosme Velho” conversa com o leitor. Brinca com ele, discute, ri, o induz a rir, ralha, adivinha seus pensamentos e se antecipa em criticá-los e elogiá-los, quando for o caso. Claro que não ouso me comparar a Machado de Assis. Minha pretensão não é tão grande assim! Mas nada me impede de trilhar o caminho que ele desbravou.
Mais recentemente, o escritor argentino, Ricardo Piglia, publicou todo um livro sobre o tema, intitulado “O último leitor”. Recomendo a todos que tenham o ofício de escrever que o leiam. Trata-se de leitura imperdível.
Em determinado trecho, Piglia escreve: “Que outro personagem pode interessar mais a um escritor que seu leitor? De quem mais o escritor, como um vampiro que ronda as poltronas, vem sugar o sangue precioso, se não do persistente e silencioso sujeito que lê? É na mente do leitor que a literatura, depois de tanto esforço, enfim ‘toma corpo’. É em seu interior, enfim, que um livro, simples aglomerado de letras mortas, se transforma em pensamento”. E não é?!
Existe, pois, melhor parceiro do que este para um escritor? O que seria de nós, que fazemos da escrita um ofício, um trabalho, nossa forma de ganhar o pão de cada dia, sem esse personagem sem rosto (ou melhor, com milhões de rostos), anônimo, escondido, mas onipresente?
E Piglia conclui: “A leitura não é outra coisa senão uma percepção solitária do real; daí o estado vulnerável, indefeso em que todo leitor sempre se coloca”. Essa vulnerabilidade, por sinal, nos é sumamente familiar. Afinal, não conheço ninguém que escreva que não dedique horas sem-fim à leitura. É quando trocamos de lado. Queiram ou não, todo escritor é, sobretudo, um compulsivo leitor. A recíproca, porém, raramente é verdadeira.
E por que escrevemos tanto e temos tamanha necessidade desse personagem que nos é fundamental e que nos privilegia com a leitura? Apenas por vaidade? Em alguns casos, até pode ser, mas esse componente é mínimo num escritor. Para ganhar dinheiro? Também! Mas não somente por isso.
Recorro, de novo, a Ricardo Piglia para dar a resposta que me convenceu e que sei que o irá convencer, paciente, anônimo e precioso leitor. O romancista argentino escreveu, a propósito: “Scherazade narra para postergar a morte – é isto que, de certo modo, todo escritor faz”. E não é?!
Piglia refere-se, obviamente, à personagem de “Mil e uma noites”, que recebeu ordens de contar uma história a um grão-vizir, ao fim da qual seria executada. Astuta, prolonga sua narrativa por mais de um milhar de dias, ou seja, por dois anos, sete meses e alguns quebrados de dias, e, dessa forma, consegue se safar da execução. Assim somos nós, pobres escritores, que no afã de obter a imortalidade do nome (diante da impossibilidade de sermos, fisicamente, imortais), fazemos nossas obsessivas narrativas, contando, claro, com sua indispensável cumplicidade.
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