Wednesday, April 30, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Há pessoas que, para justificar defeitos e fracassos, atribuem-nos, invariavelmente, a um hipotético “destino”. Argumentam que suas vidas já estavam previamente traçadas antes de nascerem e que, por isso, são inúteis quaisquer esforços para melhorar e superar os obstáculos. Para elas, “tudo está escrito”, só não sabem explicar como e onde. Quem raciocina assim está errado! Nós é que devemos assumir o comando da nossa nau. Cabe a cada um de nós estabelecer nosso plano de ação e executá-lo com competência e perseverança. Se percebermos que ele tem falhas, compete-nos corrigi-lo, uma, duas, dez, mil, milhões de vezes, mas prosseguir sempre rumo à meta traçada. Só assim poderemos afirmar, orgulhosos, ao final da nossa jornada pelo mundo, como o poeta William Ernst Henley, nestes versos do poema “Invictus”: “Não importa que estreito seja o portão/como cheio de castigos e pergaminho,/eu sou o dono do meu destino:/eu sou o comandante da minha alma”.

Raios, relâmpagos e trovões


Pedro J. Bondaczuk

O homem contemporâneo, a despeito do magnífico avanço tecnológico que lhe permite interferir na própria natureza e deter em suas mãos até mesmo o poder de destruir em minutos o Planeta, não é o gigante que pensa ser. É, na verdade, um anão. Apresenta as dimensões gigantescas que aparenta por estar de pé nos ombros dos gênios do passado que o antecederam e que, partindo do nada, elaboraram todas as artes, a ciência e o raciocínio.
Isto somente foi possível graças ao trabalho, em geral anônimo, de uma categoria sofrida, injustiçada, mas que sem ela o conhecimento adquirido simplesmente se perderia no esquecimento: a dos professores. Quem conseguiria ser um pesquisador espacial, chegar a realizar maravilhosos transplantes de órgãos, alterar genes de uma célula, ou mapear o próprio segredo da vida humana, se não contasse com um mestre que lhe desse as noções elementares da linguagem, do cálculo e das ciências?
Por outro lado, todos temos em nós um artista, embora muitas vezes não pareça que seja assim. Ocorre que alguns sufocam esse pendor natural, voltados que estão para coisas aparentemente mais importantes, mais "sérias" e que, na verdade, quando submetidas a uma análise lógica mínima, se revelam supérfluas, triviais, fantasiosas e absolutamente dispensáveis. Só a arte dá dimensões divinas ao ser humano. É por seu intermédio que ele verdadeiramente se revela em toda a sua grandeza e transcendência.
O artista, em especial o poeta, desenvolve com anos de exercício a aptidão de explorar sutilmente o subconsciente à cata de emoções que lhe sirvam de matéria-prima para maravilhosas obras de arte. Sons, imagens, odores, sensações agradáveis ditadas pelos cinco sentidos, são transformados por esses criadores (que valorizam e dão nobreza à vida humana) em melodias, telas, esculturas, palavras que formam metáforas bem ajustadas e harmoniosas. Com o talento de que são dotados, nos transmitem suas emoções, às quais agregamos as nossas, ditadas por nossa própria experiência pessoal.
Há, também, algumas pessoas muito especiais que conseguem realizar em vida aquilo a que se propuseram, porque se empenharam, buscaram as oportunidades e as aproveitaram, enquanto outras (a maioria), se limitaram a sonhar e sequer tentaram fazer o mínimo esforço para que seus sonhos se fizessem concretos e se transformassem em atos.
Tudo o que estes omissos (quando não parasitas) fazem é procurar a mera satisfação dos sentidos, e mesmo assim de forma desregrada e imprudente. Há um outro grupo, ainda, que é o daqueles que obtêm a cumplicidade alheia para suas idéias e projetos. E realizam seus propósitos através de terceiros. São os gênios da espécie, os líderes, os condutores de povos, os grandes semeadores.
Antônio Vieira disse, em seu célebre “Sermão da Sexagésima”, pregado na Capela Real de Lisboa, em 1655: “A nuvem tem relâmpago, tem trovão e tem raio: o relâmpago para os olhos, trovão para os ouvidos, raio para o coração; com o relâmpago alumia, com o trovão assombra, com o raio mata. Mas o raio fere a um, o relâmpago a muitos, o trovão a todos”.
O homem evoluído, que tem consciência do seu papel no mundo e se empenha na sua realização (raridade em todos os tempos), sem esperar vantagem material, é, sobretudo, generoso. A evolução da espécie humana deve tudo a essas pessoas abnegadas, que surgem a cada geração, determinando saltos evolutivos desse estranho e precioso animal que pensa (ou pelo menos conta com essa capacidade), mas que nem sempre dá um sentido positivo ao pensamento.
Tais indivíduos, por serem raros, podem ser comparados aos raios, que atingem corações, na metáfora utilizada por Antônio Vieira em seu sermão. São os responsáveis pelas descobertas científicas, pelo desenvolvimento das artes, pela Justiça, pela organização política e social, pelos sistemas econômicos e pela geração e veiculação de idéias. Sua característica marcante é a generosidade. Semeiam inteligência e princípios incansavelmente, sem sequer atentar para o "solo" onde as sementes irão cair. Dão oportunidade a todos os que queiram usufruir de sua ação, sem nenhuma espécie de preconceito ou discriminação.
Os mestres e os artistas, por seu turno, são os relâmpagos da “nuvem” da sociedade. E quem seria, nesta pitoresca metáfora de Vieira o trovão? O líder, sem dúvida! O revolucionário, o propagador de idéias, o que sacrifica a própria vida em favor de toda uma geração, quando não da espécie.
Compete-nos sonhar. Sonhar a não mais poder. Compete-nos agir. Agir até o limite das nossas resistências. Compete-nos criar. Criar universos de fantasia, embora com a pobre matéria-prima da realidade. Compete-nos avançar para além da vida. Compete-nos ser, na “nuvem” da sociedade, raios, relâmpagos ou trovões, de acordo com nosso potencial e a nossa capacidade (inata e/ou adquirida).
Somos desafiados a cada instante a nos definir: O que somos? O que queremos? Para o quê viemos a este mundo louco? Borges revela que "cada um de nós se define para sempre, num único instante de sua vida – instante esse em que cada qual se encontra para sempre consigo mesmo".
Alguns adiam, "sine die", esse dramático encontro. Outros jamais o promovem. Mas os que têm a coragem de afrontar seus fantasmas marcam, de forma indelével, sua passagem pelo mundo. Tornam-se ou raios para o coração, ou relâmpagos para os olhos ou trovões para os ouvidos. Mas concluem, invariavelmente: "apenas a vida não nos basta..."

Tuesday, April 29, 2008

REFLEXÃO DO DIA


As cores, metaforicamente, simbolizam coisas e situações. Por exemplo, o verde representa a esperança; o vermelho, paixão; o rosa, felicidade e assim por diante. Esse expediente é bastante utilizado pelos poetas em seus versos. Uma das cores mais ambíguas, porém, nessa simbologia, é o azul. Para uns, simboliza o sonho. Para outros, é a cor da tristeza. Para outros, ainda, tem o significado da tranqüilidade. Concordo, todavia, com os que a utilizam para figurar a ausência. Por que? Não saberia explicar. Mas na minha mente, sempre que esta cor surge, penso de imediato nas pessoas que gostaria de ter ao meu lado, a amada ou os amigos (você, por exemplo), mas que estão comigo somente na lembrança. Outros poetas que conheço têm idêntica percepção. Atente, por exemplo, para estes versos de Cassiano Ricardo, no poema “Fuga em azul menor”: “A graça de quem mora/no país da ausência/certo consiste nisto:/ficar azul de rosto/pra não poder ser visto”.

Tudo é desafio


Pedro J. Bondaczuk

A vida é bela, e fascinante, e misteriosa, por se tratar de um desafio, de um permanente processo de renovação, embora, paradoxalmente, envelheçamos a cada dia que passa. É como um rio, cujas águas são sempre diferentes. A sobrevivência humana, quer no âmbito individual, quer no coletivo, sofre, constantemente, ameaças de toda a sorte, que vão desde os aspectos orgânicos da mãe, para reter o óvulo fertilizado, até sua vontade de gerar o novo ser que traz no ventre. Vão desde as decisões dos líderes políticos no que se refere à guerra ou à paz, até a possibilidade (sempre presente) de que uma catástrofe cósmica venha a destruir este pequeno e insólito planeta azul do Sistema Solar.
O que é a vida? É, sobretudo, mistério. É muito mais do que meros conjuntos de aminoácidos combinando para formar proteínas componentes de células, tecidos, órgãos, estruturas completas. Há algo impalpável que anatomista algum, nenhum cientista, por mais perito que seja, conseguiu isolar, separar, dissecar e reproduzir em laboratório, posto que é imaterial.
Nossa vida é curta, curtíssima; é breve, brevíssima; é como um raio, um quase imperceptível lampejo de luz, entre duas eternidades de trevas. Pode ser comparada a uma ligeira observação inserida entre dois parênteses numa determinada sentença. Se pertinente ou não, se valiosa ou inútil, se explicativa ou obscura, dependerá só de nós.
Dependerá dos valores que cultivarmos, dos pensamentos e obras que criarmos e, sobretudo, de nossas ações. Por mais que se queira, não há como fugir dessa incômoda realidade. Se quisermos viver com dignidade e utilidade, temos que preencher este brevíssimo intervalo do texto da nossa existência com atos e fatos e feitos de grandeza e de amor. É só o que podemos e o que nos compete fazer.
O ser humano, todavia, no relativamente curto tempo que a espécie existe, ainda não aprendeu a valorizar a vida, nem mesmo a sua, quanto mais a das demais criaturas, animais e/ou vegetais. Ela, no entanto, é privilégio, metáfora, milagre. Ao longo da história, as pessoas entregaram-se (e ainda se entregam), invariavelmente, à perversa cultura da morte.
Hoje em dia, filmes, romances, novelas e peças teatrais apresentam cenas em que determinados personagens matam outros com a maior naturalidade, como se fosse ato banal e corriqueiro. Evidentemente, não é. O pior é que as crianças crescem sob essa estúpida cultura da morte, que lhes é incutida a pretexto de se tratar de “arte”.
Mas a vida é sagrada, posto que rara na vastidão universal. Sua preservação e valorização deveriam ser enfatizadas, sempre, cotidiana e incansavelmente, às crianças (e aos adultos infantilizados), e não essa estúpida e absurda cultura da morte que lhes é impingida, não raro subliminarmente.
O homem convive com mistérios, alimenta-se deles, é um mistério... Tenta explicar (em vão) tudo, desde o maior dos enigmas, que é o da natureza e finalidade da sua vida, a detalhes corriqueiros do cotidiano, aos quais dá interpretações pessoais, mais ou menos lógicas de acordo com seu preparo intelectual, mas ainda assim empíricas, na base de tentativas e erros, sujeitas, portanto, a mudanças, ao sabor dos acontecimentos.
Temos que construir nossa personalidade. Precisamos compor nossa biografia com atos e fatos, com obras e idéias, com paixão e emoção. Admiramos heróis e santos do passado, de épocas bastante remotas, que entendemos tenham sido gloriosas e inesquecíveis. Porém, não raro, nos sentimos diminuídos face à grandeza desses mitos da espécie. Tolice!
Todos temos, adormecidas, as características que levaram esses gigantes humanos às grandes realizações. Basta, apenas, que as identifiquemos e desenvolvamos. Nosso potencial é grandioso e não ficamos devendo nada a ninguém, seja de que época for.
Mas, para agir como esses heróis e santos, que tanto reverenciamos (com justiça), teremos que agir como eles e, se possível, superá-los. Ou seja, devemos ser desprendidos, abnegados, solidários, altruístas e corajosos. Temos que ser construtivos e justificar nossa passagem pelo mundo. Por isso, tudo o que pensamos ou fazemos é desafio.
A palavra “viver” justifica, plenamente, sua condição de verbo. Caracteriza “ação” e não apenas uma e única, mas inúmeras, em quantidade quase infinita. Traz, implícita, dezenas de outros verbos vinculados, como amar, sofrer, sorrir, chorar, lutar, vencer e tantos e tantos outros.
Há, todavia, pessoas que virtualmente não vivem, mas se limitam a “existir”. Fogem dos sentimentos, economizam ações e se julgam merecedoras apenas de vantagens e de proteção, sem que façam nada para justificar esse suposto merecimento.
Nosso maior desafio, porém, entre os virtualmente infinitos que a vida nos impõe, é o de viver, plenamente, com alegria, otimismo, confiança e bom-humor. Não tenhamos nunca medo de nos expor ao que possa, eventualmente, nos ferir ou magoar. Não nos conformemos a meramente existir, como as pedras, as águas, os abismos e os montes. Sejamos, sobretudo, humanos, em toda a plenitude que essa nobilíssima condição sugere.

Monday, April 28, 2008

REFLEXÃO DO DIA


São raras as pessoas no mundo (e não dá para afirmar que são “todas”, porquanto se não conhecemos sequer o que vai no nosso coração, muito menos poderemos saber o que se passa no dos outros), que seguem o ensinamento bíblico de, sempre que receberem um tapa no rosto, oferecerem a outra face ao agressor. E a agressão nem precisa ser física. A reação mais comum, e quase imediata, é a do revide. Desconheço (embora jamais afirme que não exista) pessoa que abençoe a quem lhe faça ou deseje mal. Via de regra, reage-se a esse desejo com maldições senão maiores, pelo menos iguais às que nossos desafetos lançam sobre nós. Claro que essa não é uma atitude virtuosa. O poeta argentino Carlos Ardohain assim encerra o poema “Ambivalência”, que ilustra essa situação: “Debaixo de tudo e de todos/subjaz com a vulgaridade de um slogan/uma espécie de consigna/que bem poderia ser/uma declaração de amor ou de guerra;/eu te desejo o dobro do que me desejas”.

Vozes da infância


Pedro J. Bondaczuk

As pessoas das classes mais favorecidas têm a mania de lembrar da infância como um período de absoluta felicidade, de um encantado jardim do Éden, de onde teriam sido expulsas tão logo perderam a inocência e, como Adão após comer do fruto proibido, constataram, constrangidas, que “estavam nuas”. Alguns são até sinceros ao atribuir essa suposta ventura (que na verdade sequer tiveram) a essa fase tão distante de suas vidas. Provavelmente caíram na armadilha da memória, que fantasia os acontecimentos pretéritos e lhes dá, via de regra, conformação de sonho, diferente, portanto, da realidade.
Da minha parte, não considero que esta tenha sido a minha etapa mais feliz. Claro que me recordo, com saudade, de alguns fatos e pessoas que me marcaram para sempre. Todavia, no cômputo entre as coisas boas e as ruins que vivi nesse período, o saldo acaba sendo negativo. Sou muito, mas muito mais feliz agora, no ocaso da minha vida, quando além de pai, sou avô, do que fui então.
Fui um garoto muito turbulento e inquieto (diria, rebelde), o que me tornou sujeito a muitos acidentes, para desespero dos meus pais. Curiosamente, nunca fraturei, na ocasião, perna e nem braço, como ocorre com tantas outras crianças através dos tempos, embora tenha sofrido quedas sucessivas (e perigosas) de árvores, de bicicleta, do alto de um armário onde subi para pegar doce que minha mãe não queria que eu pegasse (“vai estragar seus dentes”, dizia, para justificar a proibição) e de muitos outros lugares. Bem que o ditado diz que “Deus protege, em especial, os loucos e imprudentes”. Creio que proteja mesmo.
Dos inúmeros acidentes que tive na infância, quatro me marcaram em especial. Dois deixaram-me cicatrizes físicas (que carrego até hoje) e outros dois marcaram não o corpo, mas a mente. Vamos a eles?
Lá pelo fim dos anos 40, eu vivia num sítio, que meu pai havia arrendado de meu avô paterno (que era fazendeiro) em Horizontina, Oeste do Rio Grande do Sul, onde nasci. Passava boa parte dos meus dias em casa dos meus avós, dos quais eu era (evidentemente) o xodó. Meus pais trabalhavam, de sol a sol, na lavoura, cultivando, entre outras tantas culturas (como milho, feijão e amendoim), trigo, que era a sua especialidade. Afinal, procediam de uma região da Rússia que era grande produtora desse precioso cereal.
Minha avó assava, todas as manhãs, pão de centeio, num enorme forno de barro. Depois que este ficava pronto, retirava as cinzas, que colocava em um monte, separando-as das brasas, que punha noutro. Nunca misturava os dois. Provavelmente fazia essa separação até por prudência, para evitar que acontecesse o que, justamente, me aconteceu.
Depois que a avó limpava o forno, eu gostava de cobrir meus pés com as cinzas, quentinhas, quentinhas, que me davam uma sensação deliciosa de aconchego. Num determinado dia, porém, não foi ela que fez a limpeza. Foi uma das minhas tias (não me recordo qual delas). E esta não agiu com a mesma prudência da vovó. Ou seja, colocou, num monte só, juntas, tanto cinzas quanto brasas.
Sem saber disso, lá fui eu enfiar os meus pés nos tais resíduos do forno. Para quê?! Sofri severas queimaduras de segundo grau, que me deixaram marcas que até hoje, passados sessenta anos, ainda ostento. Foi um corre-corre infernal. Afinal, o médico mais próximo ficava a uns 60 quilômetros de distância da fazenda. Meus avós, com aquela sabedoria ditada pela experiência, se encarregaram do tratamento, que me manteve de “molho” por semanas, mas não deixou seqüelas, a não ser as já tênues marcas da queimadura.
Outra cicatriz que ostento foi obra de um gato preto, da raça angorá, que, curiosamente, parecia gostar muito de mim (imagino o que me faria se não gostasse). Num determinado dia, porém, não apreciou lá muito as “carícias” que lhe fiz, que devem ter sido mais torturas do que carinhos, claro.
Na ocasião, eu tinha cinco anos de idade. O bichano, para fugir do meu assédio, escondeu-se embaixo de um armário da cozinha. Tentei puxá-lo, mas pelo rabo. Para quê!! O traiçoeiro felino cravou, no dorso da minha mão esquerda, profundamente, suas garras, que mais pareciam as de um tigre. Não foi um arranhão superficial. Foi profundo. Meu sangue jorrou para todo lado, assustando, sobremaneira, minha carinhosa avó. Conseqüência: trago, até hoje, as cicatrizes desse arranhão, curiosamente em forma de duas linhas paralelas perfeitas.
Como frisei, porém, tive dois outros acidentes que, se não deixaram marcas físicas: deixaram-nas no espírito. Um foi quando caí sobre um certo tipo de cactos, de espinhos extremamente finos, quase invisíveis, que penetraram em todas as partes do meu corpo. Deu o que fazer para a minha mãe extraí-los, em uma bacia de água quente. Foi uma sensação horrível!
No outro acidente, sentei-me sobre um caixão de abelhas, na colméia que meu avô cultivava em um de seus pomares (tinha vários deles espalhados por sua fazenda). Os temperamentais (porém utilíssimos) bichinhos, a princípio, pareceram entender (e quem pode jurar que não?) que se tratava de traquinagem de uma criança sem nenhum juízo.
Rodearam-me, ameaçaram-me, mas nada me fizeram. Como, porém, sempre há uma exceção em toda a regra, uma, somente uma das abelhas, resolveu defender, ferozmente, seu espaço vital. E ferroou-me, sem dó e nem piedade, pitorescamente, no “pipi”, o que doeu uma barbaridade. Tanto que sinto essa dor (no fundo da memória) até hoje.
A lembrança desses episódios (e de tantos outros, de cuja narrativa vou poupar o paciente leitor), me traz, não sei por qual carga d’água, à memória, os versos do poema “Contrição”, de Manuel Bandeira, que dizem: “Vozes da infância contai a história/da vida boa que nunca veio/e eu caia ouvindo-a no calmo seio/da eternidade”.
Não sei se é o que vai ocorrer comigo. Provavelmente, sim. O fato é que a tal “vida boa” – que parte das pessoas que conheço jura que teve e que associa à infância – como nas palavras do poeta pernambucano, “para mim, nunca veio”. Ainda assim, gosto de relembrar esses acontecimentos e de narrá-los ao meu neto, pois minhas trapalhadas, e as tantas e desastradas travessuras de menino, lhe arrancam deliciosas gargalhadas de incredulidade. E acabo rindo com ele.

Sunday, April 27, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Há pessoas tão desencantadas face aos sofrimentos que têm, aos tropeços que experimentam, aos fracassos que vivenciam e às decepções que colecionam, que asseguram não ter mais nenhuma esperança na vida. Estão erradas, claro. No fundo, bem no âmago de seus corações, escondidinhas, estas ainda se fazem presentes. Não há quem não as acalente, mesmo que secretamente, ou de maneira inconsciente. Até mesmo os moribundos, que vislumbram o espectro da morte ao seu redor, esperam uma miraculosa reação do seu organismo e a recuperação. Sempre que uma esperança morre, face à dureza da realidade (e isso é bastante comum e até corriqueiro), outra nasce de imediato, silenciosa e até despercebida, porém mais forte e vigorosa. O poeta salvadorenho, Carlos Henrique Ungo”, escreve estes versos sobre a esperança: “Ela sempre esteve aí/encolhida entre nós/escondida e em silêncio como menina travessa/tão somente à espreita/e ansiosa para ser descoberta”.

DIRETO DO ARQUIVO


Quando o poder corrompe até amizades


Pedro J. Bondaczuk


O antigo Alto Volta, batizado, desde 1984, de Burkina Faso, é o que se pode chamar de um país trágico. Em primeiro lugar, por ser castigado pela própria natureza. Situado na região subsaariana, denominada de "Sahel", vem sofrendo, através dos anos, um processo crescente de desertificação. O Saara avança, implacavelmente, cerca de dois quilômetros por ano sobre suas terras, arrasando lavouras, destruindo aldeias e aumentando a sua imensa miséria.

A renda per capita de seus habitantes é de US$ 160 anuais. Ou seja, o equivalente a um salário mínimo e meio da Argentina ou a três brasileiros.

É uma nação em busca de uma personalidade própria. Desde que a França lhe concedeu uma independência parcial, em 1958, quando se agregou à Comunidade Francesa, já mudou de nome três vezes. Naquela oportunidade, recebeu o de República de Volta. Um ano depois, passou a chamar-se, simplesmente, Alto Volta, denominação que conservou até há três anos, quando foi outra vez mudada. Como se vê, não é por acaso que se tornou o problema favorito dos professores de Geografia quando querem testar o grau de atualização de seus alunos.

No plano institucional, sua vida não foi menos problemática. Desde 1958, teve somente cinco governos e destes, todos saíram pela porta dos fundos do palácio presidencial, geralmente presos, após ocorrência de golpes de Estado. A última vítima foi o capitão Thomas Sankara, que a esta altura deve estar curtindo uma dupla amargura: a de ter sido deposto (e dizem que está preso) e, o que é pior, por um amigo de infância. Pelo capitão Blaisé Campaore, que sempre o acompanhou em sua carreira militar e na vida pública.

Está provado, portanto, que a ânsia pelo poder, de fato, corrompe qualquer um. A ambição pelos cargos de mando é capaz de envenenar qualquer amizade, por mais sólida que possa parecer. Sankara, portanto, experimenta o mesmo dissabor que seus antecessores sentiram. Maurice Yameogo, Sangulê Lamizana (que pontilhou na vida do país por longos 14 anos e foi o responsável pelo único período democrático que os burkinenses tiveram), Saye Zerbo e finalmente Jean-Baptiste Uedraogo, que ele se encarregou de depor em 4 de agosto de 1983.

Não é preciso nem ser um gênio na arte de previsões para afirmar que o destino do ultra-esquerdista Campaore não será nada melhor. Faz parte da "tragédia" de Burkina Faso, que se convencionou chamar de "História".

(Artigo publicado no Correio Popular em 16 de outubro de 1987).

Saturday, April 26, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Há sentimentos que, por mais peritos que sejamos no uso da linguagem, por mais expressivos e exatos que sejam os termos que empregarmos, se mostram impossíveis de serem expressos. Quantas vezes, em face da pessoa amada, queremos dizer-lhe o quanto a amamos e só conseguimos balbuciar palavras toscas, que a nós parecem irrisórias e de imensa indigência! É certo que os que sabem ler a linguagem dos gestos, como a profundidade do olhar, a força do sorriso, a magia do toque, a possessividade do abraço e o desespero do beijo, recebem essas mensagens. Ainda assim, não expressam, na totalidade, a grandeza dos sentimentos. Quantos versos não deixam de ser escritos por fugirem as palavras adequadas que os deveriam revestir! O chileno Carlos Trujillo faz essa intrigante indagação a respeito, no poema “Poemas do passado escritos hoje”: “Palavras mastigadas no milênio completo/a que anos-luz/em que galáxia/se encontra aquele poema que não encontra minha pena?”.

Soneto à doce amada - LII


Pedro J. Bondaczuk


Há momentos na vida em que eu queria
que no mundo não houvesse ninguém!
Mas existisse você. E eu também.
E que isso se desse por um dia.

Os seus olhos castanhos, que contêm
um mundo de ternura e de poesia,
haveriam de ser meu sol, meu guia,
minha luz, as estrelas, meu além.

E então não haveria mais temores,
nem tão penosa seria a jornada,
nem tão pungentes seriam as dores

em nossa onírica, encantada estrada
hoje ornada de ilusórias flores,
de sonhos vãos... de saudades... mais nada...

Friday, April 25, 2008

REFLEXÃO DO DIA


A verdadeira moradia dos amantes é o interior da pessoa amada. Dali, ninguém e nenhuma circunstância os conseguem expulsar, a não ser que ocorra a morte do amor. Afinal, se não cuidado, esse sentimento, profundo e poderoso, enfraquece, definha e morre. E quando isso acontece, os amantes são mutuamente “despejados” do seu aconchegante domicílio. A distância e a ausência física, porém, são impotentes para separar os que se amam. E os reencontros são delírios impossíveis de serem descritos por palavras. Quem já amou, ou ainda ama, sabe do que falo. Nenhuma emoção é mais intensa e bela do que a do amor correspondido. Florbela Espanca encerra, desta forma, o soneto “A nossa casa”, que cito para ilustrar o que quero dizer: “Sonho...que eu e tu, dois pobrezinhos,/andamos de mãos dadas, nos caminhos/duma terra de rosas, num jardim,//num país de ilusões, que nunca vi.../E que eu moro – tão bom! – dentro de ti/e tu, ó meu Amor, dentro de mim...”

Textos piegas


Pedro J. Bondaczuk

Os que lidam com textos, e fazem deles seu meio de vida, têm que atentar aos mínimos detalhes naquilo que escrevem. Precisam evitar, a todo custo, que o que colocarem no papel (ou na telinha do computador, como queiram) enseje múltiplas interpretações, diferentes das que quis expressar. Não se pode ser ambíguo, obscuro e nem pedante, sob pena daquilo que o redator escreveu vir a depor contra ele em algum tempo qualquer. Clareza, concisão e precisão são, portanto, fundamentais em todo e qualquer texto.
Nunca sabemos quem irá ler uma crônica ou um artigo nossos, por exemplo. Tanto pode ser um sujeito inteligente e esclarecido, quanto algum infeliz analfabeto funcional, incapaz de assimilar, e de entender, o que lê, embora ache que saiba fazer isso. Curiosamente, é justamente esse tipo que mais se arroga, invariavelmente, ao papel de crítico, tentando ridicularizar quem escreve, embora descambando (ele sim) para o ridículo.
Quando decidi abrir mão da minha condição de comentarista político – função que exerci, diariamente, por longos quinze anos, em vários jornais que trabalhei – para assumir o papel de cronista, uma das minhas preocupações sempre foi a de evitar a elaboração (e a publicação, claro) de textos que pudessem soar “piegas”.
Quem lida com esse gênero, caracterizado pela informalidade, muitas vezes corre esse risco, principalmente ao abordar episódios pessoais, íntimos, que lhe são caros e que talvez não os sejam para os leitores. Se não tomar cuidado com certos temas – verdadeiras armadilhas para os redatores – pode, de fato, descambar para a pieguice.
Tive, há algum tempo, um incidente desagradável, a esse propósito, no Comunique-se. Foi em relação a uma crônica que publiquei em minha coluna das quintas-feiras, neste espaço Literário, em que abordei um episódio que me marcou profundamente na infância. Tratava-se de um texto sóbrio, leve, sem adjetivos ou tentativas banais de fazer literatura. Nem se tratava de algo inédito ou escrito às pressas, como somos, às vezes, obrigados a fazer, para honrar compromissos (o que, convenhamos, é um risco imenso).
A crônica em questão já havia sido publicada em diversos jornais, revistas e sites da internet. E a aceitação, até então, havia sido unânime por parte dos leitores (pelo menos dos que se manifestaram com comentários). Qual não foi minha surpresa, porém, ao me deparar com determinada manifestação de alguém, que se dizia “usuário do portal”, alinhavando uma série de considerações nada lisonjeiras ao que escrevi. E não apenas em relação ao texto (que estava na página para quem quisesse ler e avaliar), mas, sobretudo, sobre a minha pessoa (que tenho certeza absoluta que esse indivíduo não conhecia e ainda não conhece).
Entre tantas coisas que o tal “crítico” de algibeira escreveu, a que mais me irritou foi ter classificado a referida crônica de “piegas”. Houve reações imediatas (e espontâneas) em minha defesa, como a do escritor Urariano Mota, cujo talento admiro e cuja capacidade de análise considero insuspeita, dada sua trajetória no jornalismo e, sobretudo, na literatura.
Meu primeiro impulso foi o de responder de forma mal-criada a essa má-criação. Isso, porém, não faz parte do meu comportamento. Respeito, profundamente, a opinião de qualquer leitor, principalmente aquelas que divirjam das minhas. Estou, sempre estive e sempre estarei aberto às críticas, às quais me submeto (quando pertinentes) e tomo como referenciais para me tornar um redator melhor.
O tal indivíduo, porém, não estava me criticando. Estava fazendo “chacota” com o meu texto, o que é muito diferente. Ainda assim, decidi analisar sua crítica e tentar encontrar algo de bom, de útil e de aproveitável nela. Fui ao dicionário para refrescar a memória sobre o sentido exato da palavra “piegas”. Aurélio Buarque Ferreira diz que é o indivíduo “ridiculamente sentimental”. “Será que sou assim?!”, indaguei-me, atônito. Concluí que não.
Fiz novas consultas. Fui, por exemplo, ao Dicionário Mor da Língua Portuguesa, do professor Cândido de Oliveira. E ele define essa palavra assim: “piegas – pessoa embaraçada, atoleimada, ridiculamente assustadiça, afetada”. “Meu Deus do céu, será que sou tudo isso, sem me dar conta?!”. Tenho, é certo, inúmeros defeitos pessoais e algumas tantas deficiências de estilo, não nego. Mas piegas?! Não, definitivamente, não sou! E a dita crônica também não é.
Esse incidente trouxe-me à memória outro, ocorrido há mais de 40 anos. Recebi, certa feita, este poema de uma garota (a quem amei demais, e que, na época, era a minha namorada):

Menino grande

Eu gosto tanto do carinho quer ele me faz
Faz tanto bem o beijo que ele me traz
As horas passam, ligeiras, felizes
Sem a gente sentir.

Ele está ao meu lado, com o corpo cansado
Precisa dormir.

Dorme menino grande
Que eu estou perto de ti
Sonha o que bem quiseres
Que eu não sairei daqui.

Ó vento não faz barulho
Meu amor está dormindo
E o mar não bata com força
Por que ele está dormindo.

Dorme, menino grande,
Que eu estou perto de ti.
Sonha o que bem quiseres
Que eu não sairei daqui.

Mostrei estes versos a um amigo, sem revelar a autoria, e pedi sua opinião. Qual não foi a minha surpresa e, principalmente, minha decepção quando ele classificou, na maior cara dura, sem ao menos refletir no que dizia, essa jóia poética de “piegas”! Não pensei duas vezes. Rompi, de imediato, sem mais delongas ou explicações, a amizade. Nunca mais sequer conversei com essa pessoa.
Afinal, não tenho nada em comum com indivíduos de mau-gosto e que são, sobretudo, mal-informados. Estes versos, para quem não sabe (ou ainda não identificou) são do magnífico poeta, cronista, boêmio pernambucano (e, sobretudo, extraordinária figura humana), Antonio Maria Araújo de Morais, que foi um dos mais inspirados e consagrados compositores da MPB de todos os tempos. E a letra em questão, tão estupidamente avaliada e infantilmente criticada, foi estrondoso sucesso de público e de vendas, na voz gostosa e acariciante de Nora Ney...

Thursday, April 24, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Através do miraculoso e inexplicável expediente da imaginação, saímos de nós mesmos no momento em que quisermos e nos dispersamos pelo infinito, viajando para mundos distantes e fisicamente interditos. Em suas asas, em infinitésimas frações de segundo, vencemos distâncias impossíveis de se dimensionar, desvendamos galáxias de monstruosos tamanhos e formas, nos confins do universo, penetramos em buracos negros de força descomunal, que não deixam escapar, sequer, a luz (mas nós escapamos) e retornamos, incólumes, para o nosso interior. Somos tudo, por nossa imaginação, e nada somos, se levarmos em conta a fragilidade física. Que mistério que somos nessa vastidão universal! O poeta argentino, Daniel Chirom, conclui assim seu magnífico poema “A diáspora”, que ilustra, a caráter, estas óbvias considerações: “Estamos em toda a parte e nada somos,/só a noite nos resgata./Nosso horizonte é o cruzeiro do sul/onde os olhos entreabertos/ainda tocam música”.

O Escrevinhador


Pedro J. Bondaczuk

A moda dos blogs é altamente contagiosa e afeta os incautos que gostam de escrever – quer escrevam bem, quer não. É como aquelas epidemias de gripe que se espalham em questão de horas, com os vírus pairando no ar e nos fazendo de vítimas, de seus hospedeiros, ao menor descuido, ao simples contato com quem já esteja afetado. Fui contagiado por essa mania (que é como a encaro) em dezembro de 2005. Desde então, tornei-me membro assíduo e onipresente da blogosfera, postando meus textos com pontualidade britânica, sem falhar um único dia desde então.
É verdade que antes de me decidir a ser mais um integrante dessa estranha e informal confraria virtual, já freqüentava, diariamente, esses espaços particulares da internet. Ou seja, antes de me tornar um blogueiro de fato, fui leitor compulsivo de blogs, notadamente dos voltados à literatura, às narrativas de viagens e aos de caráter político (estes nem tanto, por causa de alguns debates entre leitores nem sempre democráticos e em alto nível).
E o que me levou a aderir a essa onda? Foi a vaidade? Um pouco, talvez. Mas o principal motivo foi a necessidade de divulgar ainda mais os meus textos, notadamente os literários, já que o escritor que não divulga o que escreve, desaparece do cenário. Quem redige um texto, qualquer que seja, o faz, claro, para ser lido. Eu não sou diferente. É verdade que então eu já contava com vários espaços nobres da internet para essa divulgação, participando de sites de grande visibilidade, em que eu era cronista semanal (eram, então, dois, e hoje ascendem a dez).
Achava, porém, essa exposição, esse mostruário, essa vitrine insuficiente. Queria um espaço só meu, em que fosse, ao mesmo tempo, o redator e o editor. Sonhava com um “jornal particular”, posto que eletrônico, em que pudesse escrever o que, como e quando quisesse, sem nenhuma espécie de interferência, senão a do bom-senso. Foi por isso que criei “O Escrevinhador”.
O leitor, certamente, está se perguntando: “Por que não batizar o blog de ‘O Escritor’, por exemplo, ou com outro nome qualquer, mais nobre e menos vulgar?”. Sei lá! Deve ter sido coisa do subconsciente (às vezes desleal e traiçoeiro) a me cochichar no ouvido que talvez eu não fosse o bom redator que achava ser. Pode ter sido isso...
Afinal, o significado da palavra “escrevinhador” não é lá muito lisonjeiro. Conforme o dicionário, “escrevinhar” é escrever mal; é rabiscar, é escrever futilidades. Todavia, mesmo não sendo um Machado de Assis ou um Jorge Luís Borges, convenhamos, não escrevo tão mal assim. E, muito menos, me dedico a alinhavar futilidades. Quem teve acesso aos meus textos sabe que abordo idéias e temas filosóficos e comento livros, estilos e tendências literárias, embora, vez ou outra, também redija artigos, calcados, como o gênero (que é exclusivamente jornalístico) o exige, em fatos.
Creio que, mais uma vez, o subconsciente prevaleceu sobre o consciente. Contou, sobretudo, a sonoridade da palavra. “O Escrevinhador” soa bem e por gostar do som, adotei o nome, sem pestanejar. E, apesar desse meu cantinho contar com escassíssimos comentários, sei que é muito lido, pelos e-mails que recebo de assíduos leitores.
Depois de batizado o blog, descobri que havia um homônimo, em Portugal. Meu nobre colega português que me perdoe, mas não quis, em absoluto, roubar sua idéia. Pensamos, simultaneamente, a mesma coisa, sem que um conhecesse o outro. Não sabia da existência desse seu espaço. Só tomei conhecimento dele quando meu blog já tinha quase um ano de atividade. Não vejo, porém, problema algum no fato de haver dois nomes iguais, já que os estilos, temas e características de ambos são bastante diferentes e, portanto, inconfundíveis.
Esse meu cantinho particular, pelo qual tenho tanto carinho e apreço, adquiriu uma utilidade que não foi sequer prevista quando de sua criação. Nele testo a “qualidade” das crônicas, ensaios, poemas, contos e até colunas que escrevo (publiquei ali uma centena de edições da coluna esportiva “Toque de Letra”, que suspendi, temporariamente, para atualização visual e de conceito, mas que em breve voltará). Se tiverem boa aceitação, encaminho-os para os sites com os quais estou compromissado. Caso contrário...
Creio que aí, mais uma vez, o subconsciente prevaleceu. Afinal, um dos significados de “escrevinhador” é rabiscador. E como o blog é uma espécie de “rascunho”, de “rabiscos” prévios, feitos antes da versão definitiva dos textos, o nome mais do que se justifica. Esse subconsciente é, mesmo, caprichoso!

Wednesday, April 23, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Ninguém é mais íntimo para nós (e, no entanto, tão desconhecido) como nós mesmos. Nossas ações e sentimentos não raro nos surpreendem, para o bem ou para o mal. Temos um potencial imenso de força, de coragem e de bondade (mas também de maldade) que não sabemos de que tamanho e intensidade é. Amiúde nos surpreendemos cometendo atos reprováveis, ditados pelo inconsciente ou pelos instintos, que nos horrorizam, porquanto, conscientemente, não nos julgamos capazes de os cometer. Constituímo-nos em mistério, em feroz e indecifrável Esfinge para nós mesmos. Apenas um Ser, onipotente e onisciente, que sempre existiu e existirá, que tudo pode e tudo vê, sabe exatamente como somos e o que podemos. No mais... tudo não passa de indecifrável mistério. O poeta Dante Milano encerra o soneto “O homem e a sua paisagem”, com os seguintes versos, incisivos e reveladores: “Em todo sonho existe um extasiado/olhar adormecido que vê tudo.../Senhor, eu sou o objeto contemplado!”.

O "delito" da inocência


Pedro J. Bondaczuk


A qualidade de vida, em geral – até daqueles povos atolados na absoluta miséria, sem acesso aos bens mais comezinhos da civilização – melhorou, e bastante, neste início do século XXI. Claro que poderia (e deveria) ser ainda muito melhor, caso a vida não fosse encarada, apenas, como um “grande negócio”, como mero “business”, e determinados valores, como justiça, solidariedade e uma verdadeira assistência social (não apenas esta de fachada. que vemos, amiúde, por aí) prevalecessem.
No aspecto mais nobre do Homo Sapiens, o da razão, do raciocínio, da busca das grandes verdades e da construção de uma sociedade minimamente equilibrada e sadia, temo que houve enorme retrocesso. E é estranho que isso haja ocorrido, se levarmos em conta as facilidades de locomoção, de informação, de aprendizado e de comunicação (entre outras tantas) que a tecnologia nos proporcionou.
Houvesse alguma máquina do tempo, que permitisse que alguém, digamos do início do século XIX, visitasse uma cidade moderna de hoje, como Nova York, Londres, Paris, Roma, Rio de Janeiro ou São Paulo, qual seria a sua impressão? Faria o possível e o impossível para permanecer por aqui, ou se esforçaria para regressar à sua era, rapidinho, aterrorizado com essa balbúrdia, violência, correria e superpopulação? Posso estar enganado, mas creio que escolheria a segunda opção.
Claro que não de imediato. Num primeiro momento, fascinado com as maravilhas que nem lhe passavam pela cabeça no seu tempo e lugar, é provável que quisesse ficar. Porém, com o passar dos meses (senão de meros dias), sentiria a impossibilidade de se adaptar a esse tipo de vida. Rogaria aos céus e infernos, aos deuses e aos seus santos, que lhe permitissem voltar ao aconchego do seu mundinho medíocre, mas tranqüilo (ou modorrento?) e lógico (ou alienado?).
Ninguém é tão burro a ponto de negar o óbvio. A vida material da maioria das pessoas mundo afora (até nos mais miseráveis guetos da África, Ásia e América Latina) melhorou, e muito, notadamente a partir do início do século XX, com as conseqüências da Revolução Industrial, deflagrada, ainda, em meados do século XVIII. Não faz muito, as pessoas privilegiadas, com acesso a tudo o que o dinheiro pode proporcionar, viviam, quando muito, 60 anos em média. Isso, em países ricos.
No Terceiro Mundo (e na ocasião, não havia esse tipo de distinção, mas o de colônias e colonizadores) o indivíduo com 45 anos já era ancião. Poderia festejar, e muito, se lograsse chegar aos 50. Não havia, por exemplo, serviço público regular de saúde em lugar algum. Quem podia, contratava um médico de família, que a assistia por gerações. Quem não podia... morria, não raro, em conseqüência de uma reles gripe, abandonado à própria desdita.
Ainda no século XIX, os hospitais (raros) eram lugares destinados apenas para os miseráveis. Ali, indigentes, sem nenhum recurso, eram confinados para morrer. Os tratamentos, de fato, que podiam curar “algumas” doenças (e das mais simples) só eram acessíveis aos que podiam pagar médicos particulares. Os medicamentos, por seu turno, mais causavam intoxicações de toda a sorte e agravavam os males mais banais, do que exerciam qualquer ação terapêutica. Não existia sequer arremedo de indústria farmacêutica.
Hoje, todavia, uma pessoa, por paupérrima que seja, tem acesso aos sistemas públicos de saúde – que, embora precários, existem até nos países mais atrasados e carentes – quando precisar ou quiser “Ah, mas esses não funcionam entre nós. Ademais, você precisa enfrentar imensas filas, passar por vexames enormes face à má-educação de funcionários despreparados e pode, até, morrer, enquanto espera atendimento”, dirão os eternos críticos. E estão certos. Os ambulatórios, centros de saúde e hospitais públicos, em boa parte do mundo, ainda estão há anos-luz de distância do ideal.
Mas como era, por exemplo, há cem anos? Esse sistema, de tantas deficiências e imperfeições, sujeito a críticas e condenações de toda a sorte, sequer existia. Coitado do pobre que ficasse doente! Agonizaria e em poucos dias morreria de doenças de facílima cura, sem a mínima assistência. Hoje é comum ver pessoas paupérrimas atingirem 65, 70 ou mais anos. Há meio século, era uma raridade, praticamente um milagre.
Como se vê, em qualquer aspecto que se encare, vive-se mais e melhor nesse início do século XXI, em termos materiais, do que em qualquer outro período da História. Faltam, porém, perspectivas, sonhos e ideais às pessoas. A utopia socialista, por exemplo, “morreu”, face à desastrosa experiência da União Soviética, em que a idéia de uma sociedade sem classes, de direitos, deveres e oportunidades absolutamente iguais, se transformou num horrendo pesadelo, num monstro disforme, em uma ditadura estúpida e absurda, num Estado policial que conferia ao ser humano o papel único de mera cifra estatística.
Vivemos na civilização da “pressa” nessa malfadada era dita de “globalização”, pós-comunismo (diria, pós-capitalismo de Estado, já que URSS, China, Cuba, Coréia do Norte e países da extinta chamada “Cortina de Ferro” nunca foram comunistas, na acepção rigorosa do termo). “Time is money”, afirmam do alto da sua arrogância os insensatos, que só pensam em ajuntar fortunas para que os descendentes as esbanjem.
Confunde-se seriedade com tensão e inocência com tolice. Daí os consultórios de psiquiatras, psicólogos e psicanalistas andarem tão abarrotados de clientes à procura de panacéias para seus males, que só eles poderiam curar. Vive-se muito mais (como vimos acima), atualmente, do que há algum tempo, mas é uma vida cinzenta, alienada, vazia, sem objetivos, sem perspectivas e sem qualidade.
Bertolt Brecht constatou, atônito, sobre a realidade de hoje, nestes versos do poema “Aos que vierem depois de nós”: “Realmente, vivemos muito sombrios!/A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas/denota insensibilidade. Aquele que ri/ainda não recebeu a terrível notícia/que está para chegar.//Que tempos são estes em que/é quase um delito/falar de coisas inocentes?!”. Sim, amigos, que tempos são estes?!

Tuesday, April 22, 2008

REFLEXÃO DO DIA


A esperança é fidelíssima companheira que nunca nos abandona, nem nos piores momentos e circunstâncias. Impede que venhamos a dar qualquer batalha por perdida – quer seja no amor, no esforço pela sobrevivência ou no empenho por um mundo melhor e mais justo – retemperando nossas forças, reacendendo o brilho e o fogo nos olhos e na alma e nos exortando a prosseguir. Esperamos neste mundo e em outro que, mesmo que não exista no terreno concreto, passa a existir em nosso coração e mente. Abrimos mão de muita coisa, ao longo da vida, premidos pelas circunstâncias, mas jamais nos separamos dessa companheira dileta e leal, que independe de qualquer lógica ou razão, chamada esperança. E fazemos bem em agir dessa maneira. A consagrada poetisa chilena Gabriel Mistral arremata o poema “Dá-me tua mão” com estes versos a propósito: “Chamas-te Rosa e eu Esperança;/porém teu nome esquecerás,/porque seremos uma dança/sobre a colina e nada mais”.

Amor bandido


Pedro J. Bondaczuk

O amor, para mim, sempre foi (e creio que sempre será) um insondável mistério. Por mais que eu tente racionalizar esse sentimento, sempre esbarro em exemplos, em histórias, em situações que teimam em fugir de qualquer racionalidade e até do bom-senso. Quase nunca (eu diria que nunca mesmo) existe uma lógica que nos leve a nos apaixonar por determinada pessoa, e não por outra que, aparentemente (ou verdadeiramente), lhe seja até superior em diversos predicados, como inteligência, pureza, caráter etc.
Não raro temos a oportunidade de amar alguém de imensa beleza – que nos ama e que até nos atrai fisicamente – mas que, para nós, não é a companhia que procuramos. Falta-lhe aquele “algo mais” (que sequer sabemos definir o que seja) que a torne a cara metade que tanto buscamos (e, às vezes, não encontramos nunca).
Todavia, o amor, na verdade, não é para ser explicado ou entendido, pois não tem explicação. Tem é que ser vivido! Cabe-nos a irrestrita entrega a esse misterioso chamamento, sem questionarmos a razão dessa irresistível e mútua atração. Isso, em termos, claro. Creio que em determinados casos, é melhor resistir do que depois lamentar.
Uma das coisas que não entram na minha cabeça, por mais que me esforce, é o chamado “amor bandido”. Ou seja, o fato de alguém se apaixonar por determinada pessoa que não tem nada, absolutamente nada a lhe oferecer, sequer a desejável reciprocidade e, mesmo assim, considerá-la, ou, pior, identificá-la como seu “príncipe” (ou princesa, no caso dos homens) encantado, a despeito de não ter coisíssima alguma que encante.
Tenho um exemplo desses na minha convivência cotidiana. É a doméstica Jesolina, nordestina, mulata, de uns 30 anos de idade (mas com aparência de ter muito mais), que é amante de um bandido, condenado por assalto a mão armada, reincidente desse crime, e que cumpre longa sentença de prisão em uma penitenciária daqui da região de Campinas.
Trata-se de mulher honestíssima, pela qual coloco a minha mão no fogo, sensível, batalhadora, que há anos presta serviços aqui em casa, onde sempre mereceu nossa irrestrita confiança e sincera estima. Como gostaria que Jesolina tivesse melhor sorte! Quanta gente, mundo afora, que poderia lhe dar vida de rainha, está à procura de alguém com metade dos seus predicados, e não encontra! É uma judiação o que ocorre com ela.
Pergunto-me, com grande freqüência, o que leva essa mulher batalhadora a encarar sua vida com tamanha resignação e continuar amando esse companheiro, irresponsável e irrecuperável, com o qual, certamente, jamais poderá levar uma vida em comum normal, que apenas lhe deu um filho, hoje com sete anos de idade, e nada mais?
Nos dias de visita, sem falhar nenhum, às quintas-feiras e domingos, lá está Jesolina, invariavelmente, na portaria do presídio, submetendo-se às vexatórias, porém necessárias revistas, para visitar o bandido, que sequer valoriza seu sacrifício, sua lealdade, fidelidade e dedicação e, não raro, a ameaça de morte, por questão de ciúmes.
E ai de quem falar mal do seu amado na frente dessa mulher apaixonada! Ela, que normalmente é um doce de pessoa, alegre, otimista e descontraída (apesar de todo esse problema que enfrenta), vira uma fera. Defende seu homem com unhas e dentes, com paixão e sentimento, como se fosse um nobre, um príncipe, um deus, sei lá! Definitivamente, não entendo.
Sei que nada, absolutamente nada no mundo é mais amargo e doloroso do que o drama de um amor que chega ao fim. É uma situação conflitante em que sempre alguém sai ferido. Dói demais, por exemplo, ver que os beijos, as carícias e as palavras meigas e deliciosas que nos eram destinadas tempos atrás, têm por alvo, agora, uma outra pessoa.
Não se pode nunca afirmar, é verdade, que se trate de situação sem volta. O amor perdido pode ser recuperado. Mas as marcas dessa eventual separação não desaparecem. Permanecem para sempre a envenenar o relacionamento que, dificilmente, voltará a ser o mesmo de antes. Mas será que isso é pior do que a escolha de alguém que não tem nada a nos oferecer e que, pelo contrário, arruína definitivamente a nossa vida com sua simples existência? Sei lá! O amor... ah, o amor! Que baita mistério que é...

Monday, April 21, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Não há jornada que possa ser feita com sucesso se, ao cabo de um dia, não reservarmos algumas horas para o descanso. Este, porém, só será benigno e reconfortante se o gozarmos com sossego. E apenas poderemos sossegar se tivermos consciência de que no dia que se encerrou fizemos nosso melhor. Fomos corajosos, determinados, competentes, solidários e, sobretudo, bons. Um dia, tudo e todos haverão de se transformar. É a lei da natureza. Mas, quando ele chegar, que estejamos com o coração sossegado, cientes de que fomos úteis, deixamos obras, semeamos idéias e valores que um dia haverão de brotar e se transformar em frutos, quando estivermos dispersos nos campos, águas e ar e não formos mais que lembranças. Fernando Pessoa escreve, no poema “Sossega coração”: “Sossega, coração, contudo! Dorme!/O sossego não quer razão nem causa./Quer só a noite plácida e enorme,/a grande, universal, silente pausa/antes que tudo em tudo se transforme”.

Poder da inteligência


Pedro J. Bondaczuk


O que torna o ser humano grande e poderoso não são suas eventuais habilidades físicas, por maiores que possam ser. Não são, também, sua beleza, sua fortuna, sua coragem, etc.etc.etc. É o incomensurável poder da sua mente, cujo potencial não tem limites, se o indivíduo se dispuser, de fato, a usar, em toda a sua plenitude, essa “ferramenta” que o diferencia dos demais seres viventes.
Foi ela que possibilitou o desenvolvimento das artes, da ciência, da religião, da organização social, da tecnologia, enfim, da civilização e de tudo o quanto de belo, grandioso e espetacular a espécie construiu. Ela, pois, é que deve ser, permanente e incansavelmente, cultivada e não a efêmera beleza do corpo ou a passageira força física ou qualquer outra característica humana.
O ex-senador norte-americano Everett McKinley Dirksen resumiu com precisão o que quero dizer, ao afirmar, em memorável discurso no Congresso do seu país: “Num mundo de maravilhas e realizações científicas, nenhum átomo, com toda sua força para destruir, pode conceber uma idéia, construir uma estrutura, nutrir compaixão, ou caridade, ou esperança. Só ao homem foi concedido esse dom de inteligência, dignidade e divindade”.
Para quem não sabe, Dirksen foi importante “estrela política” do Partido Republicano, numa época crítica da política internacional, em que estava em pleno andamento o que se convencionou chamar de “guerra fria”. Ou seja, o confronto ideológico entre o Capitalismo, liderado pelos Estados Unidos, e o Comunismo, encarnado pela extinta União Soviética. Eleito pela primeira vez em 1950, obteve sucessivas reeleições e permaneceu no Senado até sua morte, ocorrida em 7 de setembro de 1969, em decorrência de mal-sucedida cirurgia a que foi submetido.
Ouvi, certa feita, em algum lugar (não me recordo onde e nem dito por quem) que “a sabedoria é o conhecimento temperado pelo juízo". Concordo. E não é?! De que me vale, por exemplo, conhecer nomes de borboletas, de flores ou de pássaros, a classificação de seus grupos e famílias, saber de seus hábitos e distinguir sua morfologia, se eu for incapaz de os identificar quando vir um desses espécimes?
E mais, que valia me trará esse conhecimento, e outros tantos de caráter meramente “enciclopédico” se, em contrapartida, eu não souber sequer como chegar ao coração do meu próprio filho, for incapaz de lhe dar os conselhos de que ele precisar e desconhecer a forma de conquistar a sua amizade? Nenhuma, não é mesmo?
Com as informações, serei considerado culto, sem dúvida. Mas estarei muito longe de ser sábio. Com a aptidão humana da empatia, porém, poderei não estar revelando cultura. Mas “exercitarei” a sabedoria. É muito comum confundir-se o sábio com o apenas erudito, ou com o que se diz "inteligente". São conceitos diferentes. Não se tratam, de forma alguma, de sinônimos, embora a diferença seja sutil para que os despreparados, dados a generalizações (para as quais foram treinados no lar, na escola e na sociedade), a percebam.
Sabedoria só se obtém com experiência. É o clímax da racionalidade. É criativa, dinâmica e, sobretudo, participativa. Inteligência, por sua vez, é a mera capacidade de uma pessoa “entender” conceitos abstratos e as coisas que a rodeiam (do latim "inteligere").
Se não aplicada, pouco ou de nada vale para o indivíduo e para a coletividade. O sábio não aceita, a priori, tudo o que lhe dizem (ou o que lê) e não se deixa levar pelas aparências, para formar determinada opinião. Busca, antes de tudo, informar-se o máximo que pode, sobre certas idéias ou assuntos, analisando todos os seus ângulos e pormenores, para só depois de absolutamente convencido formar juízo, fundamentado em fatos.
Todos temos, em determinados momentos de nossas vidas, com intensidades variáveis, “lampejos” de sabedoria. Contudo, por negligência, falta de autoconfiança e/ou até mesmo distração, perdemos a oportunidade de nos tornarmos verdadeiramente sábios e de compartilharmos essa desejável condição com o mundo.
Não raro achamos que o conhecimento das coisas e das pessoas vem sempre completo, acabado, prontinho para ser usufruído. Engano! Compete-nos expandi-los, aperfeiçoá-los, burilá-los, dar-lhes a nossa indispensável contribuição, com a marca da nossa personalidade. Esse detalhamento é o que nos compete fazer, mediante muito estudo, meditação, observação e autodisciplina.
As pessoas simples, que jamais tiveram acesso ao crescente e quase infinito acervo de informação hoje ao nosso dispor (às vezes sequer às primeiras letras) – muitas vezes sábias sem que nem mesmo se dêem conta – acham, na sua simplicidade, que esse dom precioso, que é a sabedoria, só é acessível aos letrados. Ou seja, àqueles que freqüentaram bibliotecas e escolas as mais diversas e que conhecem um pouco de tudo.
Não é bem assim. Cultura e informação também não são sinônimas de sabedoria. No máximo, são suas subsidiárias. Sábio é quem sabe aproveitar os conhecimentos que adquire, por ínfimos e relativos que sejam, mas em sentido prático. Ou que, apenas pela intuição, descobre os melhores caminhos do bem-viver.
Há muita gente com extensíssima coleção de diplomas que não enxerga um palmo adiante do nariz. Samuel Taylor Coleridge resume, nestas palavras, a essência da sabedoria que eu, Depois de tantas linhas escritas, não soube explicitar com clareza: “Senso comum em grau incomum é o que o mundo chama de sabedoria”. É, de fato, isso, sem tirar e nem pôr. Ou você, paciente leitor, conhece definição melhor?

Sunday, April 20, 2008

REFLEXÃO DO DIA


O mundo tem tanta coisa sublime e grandiosa a ser contemplada (concreta ou abstrata não importa) e a vida é tão curta e passageira, que não podemos nos deter um só instante à beira do caminho para expressar euforia ou desencanto. Não podemos perder tempo. Compete-nos sempre seguir, avançar, observar, procurar e colecionar fatos, sem nos determos jamais. Feriremos, é certo, os pés em pedras pontiagudas e as mãos nos espinhos que protegem as flores. Mas só seguindo nosso caminho, sem desânimo, atingiremos a magnífica alvorada de luz. E justificaremos nossas vidas. O genial poeta alemão, Johann Wolfgang Göethe, faz esta belíssima exortação em seu poema “Elegia”: “Abandonai-me aqui, meus fiéis companheiros!/Deixai-me ao pé do precipício, entre o pântano e o musgo;/segui o vosso caminho! Olhai o mundo aberto,/imensa terra, o céu sublime e grande,/observai, procurai, colecionai os fatos,/balbuciai o mistério da natureza”.

DIRETO DO ARQUIVO


Fundo de quintal da África do Sul


Pedro J. Bondaczuk


A África do Sul sempre teve em Botswana uma espécie de fundo do seu quintal. Esse país, de grande dimensão territorial, mas de densidade demográfica bastante baixa, historicamente, sempre dependeu do regime de Pretória.
São trabalhadores sul-africanos que exploram suas principais minas e operam suas indústrias. São, também, desse país, os engenheiros e técnicos especializados, em grande parte, responsáveis pela relativa prosperidade do povo bechuana, que povoa essa República.
Botswana tem uma extensão territorial considerável, de 582.000 quilômetros quadrados, habitados por, apenas, 970 mil pessoas. Acontece que a maior parte das suas terras é inútil. A Sudeste, fica um dos mais extensos desertos africanos (e dos mais desoladores), o de Kalahari. A Noroeste, no delta do Rio Okavango, localiza-se uma área pantanosa, de 16.800 quilômetros quadrados. A parte cultivável desse país, situada num planalto a mil metros acima do nível do mar, é de apenas 2,2%.
Mas Botswana possui riquezas incalculáveis em suas montanhas. Estas traduzem-se em minas de ouro, prata, diamantes, asbesto, manganês, cobre, níquel, carvão e sal, que tornam o país detentor de uma das maiores rendas per capita da comunidade negra da África, de US$ 1.055 anuais.
Seu Produto Nacional Bruto cresce a uma espantosa taxa de 14,7% aa cada ano e sua dívida externa é tão irrisória, que chega a ser apenas simbólica: US$ 160 milhões. Por isso, sua inflação anual raramente supera os 10%.
Grande parte, senão a maior, dessa prosperidade de Botswana depende da África do Sul. Por essa razão, o governo de Gaborone tolera esse tipo de interferência sul-africana, como o da invasão de seu território e bombardeio de residências em sua própria capital ocorridos ontem. Também, se não tolerasse, de pouco adiantaria. Afinal, o país dispõe de uma Força Armada de somente três mil homens, insuficiente, portanto, para defender seu vasto território.
A dependência de Botswana de seu poderoso vizinho é tanta que, até 1965, quando a República era colônia britânica, sua capital administrativa localizava-se na cidade sul-africana de Mafeking. Gaborone assumiu essa condição apenas após 30 de setembro de 1966, quando o país obteve sua independência, integrando-se à British Commonwealth. Mas a moeda continuou sendo alheia. Até 1976, era o rand, da África do Sul, que servia de unidade monetária para Botswana.
Institucionalmente, essa República é citada, sempre, como aquela que jamais conheceu um golpe de Estado. E nem poderia, com Forças Armadas tão pequenas. Mas, em contrapartida, nos 19 anos de independência, teve somente um presidente, Seretse Khama, reeleito nas três eleições presidenciais que o país já teve. E, mesmo antes de tornar-se independente, quando era a colônia inglesa de Bechuanalândia, esse político, que já teve assento até no Parlamento britânico, já era administrador do povo bechuana, em nome da Coroa de Londres.
A África do Sul nunca escondeu seu desejo de anexar, posto que veladamente, esse rico território, que sempre tratou como se fosse um dos seus “bantustans”, o colocando no mesmo pé de tratamento de Lesotho e de Suazilândia, por exemplo.
Essa é uma das razões da ira do Departamento de Estado dos EUA, por essa invasão de ontem. Para evitar que um país independente e soberano, em virtude da sua fraqueza militar, acabe se tornando numa outra Namíbia, para satisfazer as veleidades expansionistas sul-africanas.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 15 de junho de 1985).

Saturday, April 19, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Qual a regra do comportamento social: o respeito irrestrito pelos direitos do próximo, ou o abuso do poder (econômico, político, social etc.) e da força (física ou psicológica)? Infelizmente, é o segundo. Daí o mundo ser o que é. Enquanto isso não mudar – e a mudança só será possível pela educação – teremos, apenas, um arremedo de civilização, com o forte subjugando o fraco e com conflitos, tensões e violência de toda a sorte. Bertholt Brecht escreveu um poema curto, mas incisivo, a esse propósito, intitulado “A exceção e a regra”, que diz: “Estranhem o que não for estranho./Tomem por inexplicável o habitual./Sintam-se perplexos ante o cotidiano./Tratem de achar um remédio para o abuso/mas não se esqueçam de que o abuso é sempre a regra”. Não sou pessimista. Acredito que isso possa e vá mudar, embora, provavelmente, a mudança ocorra em longo prazo, depois de muitos erros e acertos. Encontremos, urgente, remédio para o abuso.

Soneto à doce amada - LIII


Pedro J. Bondaczuk


Tem olhos verdes, olhar vagamundo,
passo miúdo, com muito balanço,
jeito misterioso, meditabundo,
beleza ímpar (de olhá-la não canso).

Ela é um encanto, a minha Musa,
perpétua e constante inspiração,
às vezes é cruel e me recusa
o simples contato da sua mão.

Todavia, quando menos espero,
desvenda-me, de mulher, o encanto,
desse seu corpo, que eu desejo tanto

que acende, da volúpia, o vulcão fero.
E oscilando, entre desejo e espanto,
sinto que a cada dia mais a quero.

Friday, April 18, 2008

REFLEXÃO DO DIA


O que seria do mundo se não houvesse amor, em suas várias formas de manifestação? Se com ele, já há tanta miséria, egoísmo, injustiças e corrupção, sem ele, provavelmente, nossa espécie já teria se auto-destruído, num torvelinho dantesco de violência e de horror. É o amor que nos dá forças para suportar as intempéries da vida. É ele que nos motiva às grandes realizações. Por ele, desenvolvemos nossas melhores características e sufocamos os mais baixos instintos. Foi o amor que motivou a construção de cidades, templos e monumentos. Foi ele que inspirou os mais belos poemas, canções, pinturas e esculturas. Ele é que nos faz amar a vida e ter esperanças de um mundo melhor. Até os mais sanguinários bandidos, os mais perversos e cruéis, já experimentaram, um dia, as delícias do amor, o que os impediu de serem ainda piores. Edgar Morin conclui, a esse propósito: “O amor faz-nos suportar o destino, faz-nos amar a vida”.

Missão pessoal


Pedro J. Bondaczuk


O homem, desde o nascimento até a hora da morte, é confrontado, diariamente, por pequenos e grandes desafios. Recém-nascido, é desafiado a fazer o reconhecimento do mundo ao seu redor e fixar no cérebro ainda "virgem" – e, portanto, mais receptivo – os primeiros conceitos, que não entende, mas que ficarão gravados em seu subconsciente até morrer.
Depois, é incitado pelo instinto a segurar a cabeça, a sentar, a engatinhar, a andar, a falar... Posteriormente, vem o delicioso período da fantasia infantil. Chega a época dos brinquedos, que nada mais são do que treinamentos para a realidade que o indivíduo terá de enfrentar no correr do resto da existência.
Esta fase é seguida pela da educação. Primeiro, no lar, com os pais e irmãos, aprendendo, instintivamente, os conceitos de autoridade, respeito, dever, interação social etc. E os desafios prosseguem vida afora. São individuais e também coletivos.
Cada ser humano é original e único: não comporta cópias. Pode, até, ter sósias, mas essa aparente igualdade se restringe a, somente, um ou outro traço fisionômico, a meros detalhes superficiais. É, portanto, aparente e assim mesmo muito grosseira. No que diz respeito a pensamentos, sentimentos e ações, ocorre a mesma coisa. Não há duas pessoas que pensem, sintam e ajam de formas rigorosamente iguais.
Todavia, o maior desafio que o ser humano tem é o de demonstrar essa originalidade. É o de definir, de impor e de consagrar sua unicidade. E isso somente é possível quando determina, a si mesmo, alguma missão (não importa qual) de sua livre escolha – que não lhe seja imposta nem pela família e nem pela sociedade, ou seja, individual, opcional e estritamente pessoal – e que, sobretudo, a cumpra. Difícil? Sem dúvida! Impossível? A prática demonstra que não.
Algumas pessoas (muito especiais) conseguem realizar em vida, integralmente, aquilo a que se propuseram. A maioria não consegue e sequer tenta. E por que esses alguns conseguem, enquanto quem, às vezes, está até melhor-preparado, sucumbe? Por que são “super-homens”? Não diria isso!
Fazem-no porque se empenham. Porque buscam as oportunidades (e quando estas não aparecem, as criam) e as aproveitam. Porque são determinadas, enquanto outras tantas limitam-se a sonhar e sequer tentam fazer o mínimo esforço para que seus sonhos se façam concretos e se transformem em atos. Sem empenho, sem disciplina e sem preparo ideal algum se sustenta.
Tudo o que esses fracassados fazem é procurar a mera satisfação dos sentidos, e mesmo assim de forma desregrada e imprudente. Por isso, não podem reclamar do fracasso e nem culpar a quem quer que seja. Os únicos culpados, por não chegarem a lugar algum, são eles, por se julgarem “espertos”, quando em verdade não passam de tolos e omissos.
Há um outro grupo ainda – restritíssimo, por sinal – que é o dos que obtêm a cumplicidade alheia para suas idéias e projetos. E realizam seus propósitos com o mínimo esforço, através de terceiros. São os gênios da espécie, os líderes, os condutores de povos, os grandes semeadores. Mas são raros, raríssimos.
Somos o que mentalizamos. Se nos virmos como fracos, como tíbios, como doentios, nos transformaremos nesse estereótipo que criarmos. Mas o contrário também é verdade. O que cada um de nós tem que fazer é se impor. É provar (se preciso) que o mundo inteiro está errado sobre a imagem que faz de nós. É não nos deixarmos abater diante de opiniões e atitudes alheias. Mas essa demonstração de força e de caráter não se pode fazer, apenas, com palavras. Exige ação, mesmo que o corpo teime em pedir repouso. Requer energia, tirada não se sabe de onde. Impõe férrea força de vontade e imensa capacidade de criação..
Criar é a palavra-chave. Criar, seja o que for, também é descobrir. É, sobretudo, ousar. É ter coragem para aceitar o risco do ridículo. É desafiar o sistema vigente com alguma novidade. É enriquecer o patrimônio da humanidade. É colher os frutos desse supremo ato com humildade. É, principalmente, saber mudar de rumo, quando perceber que está errado, e ter a ousadia de recomeçar.
As pessoas não-dogmáticas, com sede e fome de conhecimento, que se mantêm permanentemente ligadas ao mundo, dispostas a aprender tudo o que possam, são as que têm as maiores chances de mudar, sem que as mudanças impliquem em traumas. Claro que a incerteza dita o destino humano. Agora estamos vivos. No segundo seguinte, poderemos não estar mais.
E a vida – embora espiritualistas garantam que não, baseados, apenas, nas próprias convicções – não tem reprise. Se tivesse, a humanidade não estaria privada dos gênios e santos que, com suas ações e exemplos, fizeram o homem evoluir, e que tanta falta fazem hoje, como Sidarta Gauthama, Maomé, São Francisco de Assis, Dom Bosco, Mahatma Gandhi, Madre Teresa de Calcutá e tantos e tantos outros, que assumiram missões pessoais, de grandeza, santidade e sabedoria, e as cumpriram, sem vacilar. Você pode (e deve) fazer o mesmo, amável leitor. Mas comece já!!

Thursday, April 17, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Quem vive apregoando aos quatro ventos planos mirabolantes e grandiosos projetos, via de regra, nunca os executam. Essa pseudo-manifestação de intenções, em geral, é o subterfúgio utilizado pelos preguiçosos, para justificar sua inércia. Os verdadeiros realizadores, aqueles que se tornam imprescindíveis para suas comunidades, não têm tempo para prometer obras e nem para descrever o que supostamente pretendem realizar. Realizam. Agem. Trabalham. Atuam. Não precisam se explicar e nem se justificar para ninguém. Por isso, sempre desconfie dos tais “planejadores”, que muito falam e pouco, ou nada, fazem. Conheço pessoas de inegável talento, que desperdiçam suas aptidões por medo ou preguiça de começar. Johann Wolfgang Göethe observou, a esse propósito, num de seus textos: “Os preguiçosos estão sempre a falar do que tencionam fazer, do que hão de realizar; aqueles que verdadeiramente fazem alguma coisa não têm tempo para falar nem sequer do que fazem”.

Querer e poder


Pedro J. Bondaczuk

A História da humanidade, infelizmente, foi escrita com sangue, muito sangue, derramado em nome de ideais supostamente nobres, mas que, na verdade, escondiam interesses inconfessáveis. Daí as contradições do nosso tempo no relacionamento das pessoas. Daí haver tanta cobiça, maldade, violência, ignorância, corrupção e injustiças pelo mundo afora. E as coisas só não são piores, porque homens generosos e sábios nos legaram idéias, conceitos e valores eternizados pelo tempo.
Os pensadores é que deveriam ser exaltados pelos historiadores, não os tiranos, os generais, os soldados e os semeadores de morte e de destruição. Destruir pessoas e obras nunca foi heroísmo. A possibilidade de pensar é uma das prerrogativas mais nobres que temos e, ao mesmo tempo, é um dever.
Compete-nos contribuir para a solução dos grandes problemas que afligem a humanidade. Há, contudo, os que não “querem” pensar, aferrados a pensamentos alheios, que colocam como dogmas. São os fanáticos, que impedem, com sua falta de visão, o progresso dos povos.
Há, por outro lado, os que não “podem” exercer essa prerrogativa, por deficiência mental. São os loucos e idiotas, que não têm culpa desses males e aos quais se perdoa essa falta de raciocínio. Mas não “ousar” pensar é o delito dos delitos. Significa omissão. E o omisso é um parasita, que sempre depende que outros façam o que lhe caberia fazer.
Não raro lamentamos obstáculos e dificuldades que temos que enfrentar durante a vida e lhes atribuímos eventuais fracassos, o que é um álibi sem nenhuma consistência. A atitude mais correta é a de considerarmos esses “acidentes de percurso” como privilégios, pois se tratam de desafios a vencer e que, superados, valorizam nossas conquistas.
Mesmo que não venhamos a nos dar conta, temos forças físicas e/ou mentais para superar qualquer barreira. Para isso, fomos dotados de inteligência, arma irresistível quando utilizada com competência e persistência. Obstáculos e dificuldades são testes aos nossos limites, que nunca sabemos, a priori, quais são.
Deveríamos “visitar-nos” com mais freqüência, se possível diariamente. Deveríamos penetrar em nosso íntimo e conferir o que, de fato, somos, pensamos e queremos. Raros são os que fazem esse saudável exercício. Por isso, não se conhecem. Manda a prudência que façamos balanço permanente dos nossos pensamentos e sentimentos e que renovemos, dia a dia, o “estoque” de idéias, descartando as ineficazes e colhendo, onde for possível, as nobres, positivas, eficientes e construtivas.
O ato de escrever proporciona essa oportunidade. É uma responsabilidade imensa esse exercício de registrar conceitos e emoções para transmitir ao próximo. Afinal, o texto tende a nos sobreviver por dias, meses, anos, não raro por séculos e até milênios após a nossa morte, dependendo da sua qualidade e das circunstâncias. Pode tanto testemunhar a nosso favor, quanto depor contra nós.
As ações podem ser ditadas ou pela razão, ou pela emoção, embora ambas não sejam excludentes. O ideal é que sejam sempre construtivas e que tenham esses dois componentes da nossa alma atuando em conjunto. Atos ditados somente pela razão tendem a ser frios e, muitas vezes, ferir suscetibilidades. Se movidos, apenas, pela emoção, podem ser ilógicos e até destrutivos.
As ações puramente racionais são, quase sempre, previsíveis. Afinal, são ditadas, somente, pela lógica. Já as emocionais, têm característica oposta. Ou seja, são inesperadas e, portanto, imprevisíveis. Os atos mais eficazes, construtivos e duradouros, no entanto, são os ditados pelo coração, mas coordenados pela razão. Ambas devem caminhar sempre juntas.
Todavia, se por algum motivo tiver que optar por qualquer dessas características, que se escolha a primeira. Pois, para mim (e para Machado de Assis), “o coração é a região do inesperado”, quer para o bem, quer para o mal.
É certo que querer é poder. Essa vontade, todavia, precisa ser prática, acompanhada de ações. Não basta só desejar alguma coisa: é preciso lutar por ela, agir positivamente para a sua obtenção, ser veemente e perseverante em sua tentativa. É verdade que muitas vezes (diria, a maioria), por mais que nos empenhemos, não somos bem-sucedidos. Seria isso uma derrota? Não considero assim.
Há circunstâncias que anulam todos nossos esforços e nos impedem de transformar o querer em poder. Isso, no entanto, não pode ser considerado fracasso. Porque, mesmo não atingindo o objetivo principal, em nosso empenho para consegui-lo, faremos coisas admiráveis, que não conseguiríamos se não nos empenhássemos tanto. E isso faz qualquer esforço valer a pena.

Wednesday, April 16, 2008

REFLEXÃO DO DIA


Gustave Flaubert afirmou, pela boca de um dos seus personagens, que “a recordação é a esperança do avesso. Olha-se para o fundo do poço como se olhou para o alto da torre”. E o romancista francês está coberto de razão. Quando temos esperança, olhamos para o alto, na certeza de que, aquilo que tanto queremos, vai, de fato, acontecer, sendo apenas questão de tempo. Às vezes, nunca acontece. Ainda assim, a sensação que nos fica é das mais doces e promissoras. Quando recordamos, porém, pensamos em algo que já passou, que aconteceu, que foi bom enquanto durou, mas que se acabou, sem chance de retorno. Considero, pois, a recordação muito mais frustrante e amarga do que a esperança. Mesmo que seja agradável, traz, em si, implícito, um sentimento de perda, de algo irrecuperável. A esperança, por seu turno, por mais louca que seja, nos abstrai da realidade, principalmente quando esta é amarga e dura, e sempre nos serve de benvindo consolo.

Mestra da vida


Pedro J. Bondaczuk

A humanidade vive um período crítico da sua trajetória na Terra, em que a espécie sofre ameaça concretíssima de desaparecer, mas não se dá conta. Bilhões de pessoas vão tocando suas vidinhas – a maioria cinzentas e medíocres – sem se preocupar com o que se passa ao redor, a não ser em comer (a maioria é desprovida de recursos básicos, essenciais, para a sobrevivência), copular e se reproduzir, como se o Planeta comportasse número infinito de indivíduos. Claro que não comporta!
Os mais privilegiados, que se julgam os donos deste mundinho de dimensões ínfimas diante dos demais mundos do Sistema Solar, só pensam em consumir, tanto o desnecessário, quanto o supérfluo, tanto o que é renovável, quanto o que não comporta renovação. Preocupam-se em ter seu carro e sua casa próprios, uma polpuda conta num banco, um iate quem sabe, seu chalé no campo quando possível etc.etc.etc.
E, claro, essa faixa da população se dedica, com o máximo afinco, em divertir, se divertir a não mais poder com atividades estúpidas e banais, que não passam, na maior parte dos casos, de mera perda de tempo, quando não se tratam de vícios (tabaco, álcool e drogas) e de outras tantas agressões ao próprio organismo.
Aliás, agredir é o que o dito Homo Sapiens mais sabe fazer. Agride o próximo, a si mesmo e (insensatez das insensatezes) o meio-ambiente em que vive, essa redoma de oxigênio e nitrogênio, repleta de água, que lhe assegura a sobrevivência.
O ar fica, a cada dia que passa (diria, a cada hora), mais irrespirável, em decorrência do lançamento de bilhões e bilhões de toneladas de poluentes na atmosfera, que formam uma espessa e cada vez mais grossa capa ao redor da Terra, impedindo que o calor do sol se dissipe no espaço e que a temperatura média permaneça suportável e ideal aos animais e vegetais. Mas... isso não importa às pessoas. Ouvem, vêem e lêem as advertências feitas por especialistas, mas encaram-nas como contos da carochinha, como ficção, como delírios de catastrofistas. Não dão, em absoluto, ouvidos aos que apelidaram de “ecochatos”. Mereceriam o epiteto de “ecoburros” por não ouvirem os que sabem das coisas.
O pior é o que fazem com a outra substância essencial à vida. Emporcalham a não mais poder as escassas reservas de água potável (em torno de 3% do total), indiferentes se esse preciosíssimo líquido vai ou não lhes fazer falta. Claro que vai. Não precisa ser gênio para chegar a essa conclusão tão óbvia. Em muitas partes do mundo já está faltando.
Guerras já vêm sendo travadas, ou planejadas na surdina, para assegurar a posse dos mananciais dessa preciosidade, nos lugares em que eles são mais escassos. Em contrapartida, os que os têm em abundância, os transformam em cloacas, em nojentos esgotos a céu aberto, criadouros de vírus e bactérias causadores de doenças letais.
E poderíamos apontar muitos e muitos outros atos de insensatez, de extrema burrice, que ameaçam a sobrevivência da espécie, que não se dá conta, com seriedade, dos perigos que a ameaçam. Um deles, é o desmatamento mundial, que ocorre não só na Amazônia, mas por toda a parte.
Reservas florestais imensas, que pareciam inesgotáveis, na Ásia e na África, desapareceram como num piscar de olhos. Já nem cito os casos da Europa e dos Estados Unidos, onde a irresponsabilidade, nesse aspecto, atingiu as raias da loucura. E o interessante é que esses povos são os primeiros a nos erguer os dedos acusadores, nos cobrando a preservação das nossas matas. Nós é que deveríamos nos conscientizar dessa necessidade, já que as florestas são nossas e, se preservadas, os maiores beneficiados seremos nós mesmos.
Um conhecido dito popular garante que “a História é a mestra da vida”. Discordo. Bem que poderia ser, pois se fosse, muitos dos erros cometidos no passado seriam evitados no presente, livrando comunidades e povos de nefastas conseqüências, não raro trágicas.
Estou muito mais propenso a crer nos que afirmam que “a História nunca se repete, a não ser como farsa”. Não se repete mesmo. Mudam-se não só os personagens e cenários, como, e principalmente, as circunstâncias. Na realidade, a vida é que é (ou deveria ser) a mestra (quase nunca ouvida) da História.
Os mesmos erros do passado remotíssimo, dos primórdios da civilização, são cometidos hoje em dia, como se fossem originais, com conseqüências agravadas pela multiplicação da espécie. Passou-se de alguns milhares de indivíduos de então para os 6,7 bilhões de pessoas atuais.
Não há, pois, como deixar de dar razão a Aldous Huxley quando afirma: “Talvez a maior lição da História seja que ninguém aprendeu as lições da História”. E, por não haver aprendido nada, a espécie está na iminência de desaparecer, indiferente à catástrofe que se avizinha e que, talvez, sequer possa ser evitada. Seria cômico, se não fosse trágico, a denominação adotada para esse animal tão insensato e agressivo: Homo Sapiens. Prefiro a designação de “Homo Demens”, dada pelo sociólogo Edgar Morin.

Tuesday, April 15, 2008

REFLEXÃO DO DIA


A maioria das pessoas não valoriza, devidamente, o grande tesouro que tem: a família. Muitos saem em busca de fama e fortuna e se descuidam do afeto por aqueles aos quais juraram um dia amor eterno. Ignoram os cônjuges, quando não os tratam como adversários a serem vencidos, em estúpida competição por poder. Consideram os filhos (que não pediram para nascer) estorvos e não lhes proporcionam o que mais eles precisam para serem pessoas equilibradas, justas e felizes: afeto. Conseguem transformar seus lares em sucursais do inferno, contribuindo para a violência, em suas diversas manifestações. Will Durant constatou, no livro “Filosofia da vida”: “No meio das nossas máquinas perdemos de vista o fato de que a realidade básica da vida não está na política, nem na indústria, mas nas relações humanas – as associações entre homem e mulher e as destes com os filhos. Em redor destes dois núcleos do amor – amor entre macho e fêmea e amor de mãe – toda a vida evolve”.

Arte de não envelhecer


Pedro J. Bondaczuk

A vida é muito mais breve do que desejamos. Apenas nossas boas obras (se as tivermos) podem nos sobreviver e permanecer na memória das gerações. Para que isso aconteça, porém, não basta que o que fizermos seja útil, inovador ou original. É necessário que seja conhecido e valorizado. Isso só será possível se nos doarmos ao próximo. Se entendermos que sozinhos não somos ninguém e pouco (ou nada) podemos, pois não passamos de um elo de uma corrente. Se um só deles for frágil e frouxo, esta, fatalmente, se romperá.
Somos uma das tantas pedras de uma catedral. Parece função pequena, mas não é. Afinal, se uma delas, qualquer que seja, ceder, todo o edifício haverá de vir abaixo, de ruir fragorosamente. O espírito, essa nossa porção misteriosa e imaterial, que nos anima e dá vida, ao contrário do seu invólucro de carne, o corpo, nunca envelhece. Mantém o viço e o frescor enquanto vivermos.
Claro que, inadvertidamente, podemos até matá-lo prematuramente. Muitos o fazem. Mas não há idade para a elaboração de nossas obras e a conquista de nossos ideais. Compete-nos alimentar nosso espírito com boas idéias e nobres sentimentos e iluminá-lo com a beleza. Em vez de permitir que se envenene com ressentimentos, cobiça, inveja e outras tantas coisas mesquinhas e destrutivas, devemos nutri-lo com bons livros, boa música, amizades sinceras e um grande e indestrutível amor. E, sobretudo, de beleza.
Dessa forma, nosso espírito conservará, sempre, o viço da juventude, quando o corpo mostrar inequívocos sintomas de decadência. O futuro é o que ainda não existe, certo? Errado! Nem sempre é assim. Não, pelo menos, em relação ao segundo seguinte ao que estamos vivendo. É conseqüência do que fizemos no passado e do que estivermos fazendo agora. Não surge, como por encanto, do nada.
Nosso futuro estamos construindo a cada momento, mediante atos, empenho e predisposição do espírito. Se perdermos tempo com temores exacerbados, inúteis lamentações e manifestações de pessimismo e mau-humor, que nos levam, somente, a evitáveis sofrimentos, quando ele chegar, num piscar de olhos, será estéril, sem que tenhamos feito nada de útil e proveitoso para nós e para a espécie.
O que você terá, pois, no futuro imediato, será conseqüência do que estiver elaborando agora, neste preciso instante. Há muitos equívocos que cometemos, não raro sem nos darmos conta, em relação ao tempo. Alguns acham, por exemplo, que podem desperdiçá-lo impunemente e que as horas perdidas no ócio e em atividades inúteis e improdutivas, poderão ser recuperadas. Estão enganados. Outros entendem que só podem aproveitá-lo trabalhando. Outro erro!
A vida não consiste, apenas, de trabalho. Podemos aproveitar muito bem o tempo gozando de lazer, desde que este seja sadio e construtivo. Quando lemos um bom livro, assistimos a um bom filme ou a uma peça bem-escrita e bem-encenada, ou quando ouvimos uma boa música, entre tantas outras coisas boas que nos dão prazer, não estamos jogando preciosas horas fora. Estamos, na verdade, “vivendo” o tempo.
Perdemo-lo quando nos limitamos a lamentar o que não somos, não temos ou não fizemos, a dizer maledicências, ou a alimentar conflitos. Porque, a rigor, como Afonso Arinos adverte: “Domar o tempo não é matá-lo: é vivê-lo”. É isso que nos compete fazer. Ou seja, vivê-lo com intensidade e prazer.
Reitero que o espírito não envelhece. Nós é que, muitas vezes, o envenenamos, o enfraquecemos, o paralisamos com a inércia, a preguiça, o pessimismo e o mau-humor. Não raro, “jogamos a toalha”, prematuramente, por causa da fragilidade do nosso corpo e nos tornamos um peso morto, tanto para a família, quanto para nós mesmos e para a sociedade, justamente no momento que poderíamos mais produzir, mais contribuir, mais brilhar, contando com o fator “experiência”.
O escritor checo, Franz Kafka, nos dá a fórmula do “elixir da eterna juventude” espiritual. Constata, em um de seus textos (não me recordo qual): “Quem possui a faculdade de ver a beleza não envelhece”. Algumas pessoas idosas recorrem a inúmeros pretextos para justificar sua inércia, todos furados. O principal é o de que, após muitos e muitos anos de batalha, merecem um descanso. Mas descansar! Ora, ora, ora! Para quê, enquanto estivermos vivos?! Para isso, teremos a eternidade!