Thursday, March 08, 2012







Original marca de propriedade

Pedro J. Bondaczuk

A palavra “ex-libris” provém do latim e significa “os livros de”. Trata-se de uma espécie de vinheta, personalíssima, que contém o nome e a divisa (o lema) do bibliófilo que a adota. Costumeiramente, é colada no verso ou no reverso de cada livro da biblioteca de determinada pessoa, caracterizando sua propriedade. Alguns, para facilitar o uso, fazem um carimbo de “ex´libris”, em vez de etiquetas autocolantes.

Os lemas, óbvio, não são padronizados. Ficam por conta da imaginação, da criatividade e do bom gosto de cada pessoa. Aliás, todo o “design” desses selinhos são estritamente pessoais. Do seu visual e, principalmente, conteúdo, é possível avaliar com relativa margem de acerto a personalidade, a cultura, o gosto artístico e as preferências dos seus respectivos donos. Ele destaca, em especial, se a pessoa tem ou não talento para as chamadas “artes visuais”.

Já vi “ex-libris” de todos os tipos. Vi muitos rústicos, com desenhos nada originais e até infantis e dísticos óbvios, que não passam de clichês. A maioria, neste caso, adota lemas do tipo “Vini, vidi, vincit”, ou “Com esse signo vencerás”, ou “Fiat lux”, ou outro qualquer, na mesma linha. Como se observa, não são nada originais.

No entanto, já vi, também, “ex-libris” originalíssimos, que poderiam ser ampliados e transformados em quadros, que não fariam feio em nenhuma exposição de artes plásticas. Pelo contrário. Daí minha afirmação de que estes selos personalizados revelam muito de quem os concebeu. Alguns não criam, é verdade, mas reproduzem, em tamanho reduzido, obras famosas dos mais requintados pintores de todos os tempos, como Da Vinci, Rembrandt e Rafael, entre tantos outros. Estes, na maioria das vezes, são ainda mais valorizados por lemas sumamente criativos e originais.

Os dísticos, quase sempre, são de apenas duas palavras, o que requer muita imaginação para terem significados profundos e boa sonoridade. São eles que indicam se seus autores são eruditos, de gostos refinados, ou de cultura apenas mediana e preferências, digamos, populares, posto que convencionais. Alguns aludem à profissão do dono da biblioteca, ou no desenho ou no lema. Vários trazem textos em latim. Já vi muitos escritos, todavia, em grego. Esses “ex-libris” me fascinam, Cheguei a colecionar alguns (coisa de pouco mais de uma centena). A coleção, contudo, com o tempo, se perdeu em meio à bagunça dos meus arquivos e da minha nada organizada biblioteca.

Há controvérsias sobre a origem de marcar a propriedade de um livro com esse símbolo. Alguns pesquisadores dizem que o primeiro foi o de Hildebrand Brandenburg de Biberach. Era uma gravura em madeira que tinha desenhada um anjo segurando um brasão, colorida a mão. Data de 1480. Outros, todavia, recuam um pouco sua origem. Garantem que o “ex-libris” mais antigo foi o do rei da Boêmia, Georgs de Podebrady, que morreu em 1471. Não há, todavia, nenhuma prova nem de um e nem do outro caso. Mas... A primazia não vem ao caso.

Querem, porém, um exemplo de “ex-libris”, que todos os leitores de jornal vêem a todo instante e sequer atentam para eles? Quem é assinante (ou compra nas bancas) o “Jornal da Tarde” ou o “Estado de São Paulo”, se prestar atenção, notará, no lado esquerdo do logotipo desses diários, um selinho desse tipo. Trata-se do “ex-libris” da família Mesquita, proprietária da empresa que edita esses dois jornais.

Mostra um homem, tendo um barrete a cobrir-lhe a cabeça, montado em um cavalo e tocando uma espécie de trompa, certamente para chamar a atenção dos transeuntes. Esse arauto, porém, não é fruto da imaginação ou da fantasia de algum “designer” primitivo de fins de século XIX. Essa personagem realmente existiu. O desenho retrata, de forma estilizada, a figura de Bernard Gregoire, que nos idos de 1876 apregoava, pelas ruas da então acanhada capital paulista, as manchetes do jornal, que na época nem tinha ainda o nome atual, mas se chamava “A Província de São Paulo”.

E os proprietários do “Estadão” não estavam (e nem estão) errados em caracterizar suas publicações com seu “ex-libris”. Afinal, na prática, cada exemplar de um jornal não deixa de ser um livro, posto que com formato próprio, que se tornou tradicional (embora de uns tempos para cá seu tamanho venha variando). O jornalista (forçando um pouco a barra) pode ser considerado um “historiador”, que testemunha e narra a história no momento em que está acontecendo. E o produto que faz não deixa de ser um compêndio dessa disciplina, com 365 volumes anuais. Exagero meu? Nem tanto!

Aliás, o jornal apresenta até uma importante vantagem sobre o livro clássico de História. Retrata não apenas o lado político, ou econômico de um povo, suas guerras entremeadas de variáveis períodos de paz, ressaltando a atuação de um ou outro dos seus personagens. Estampa, também, seu modo de vida, como as pessoas se divertem, como se protegem, quais livros que lêem, quais peças de teatro ou filmes assistem e vai por aí afora. E tudo isso no momento em que cada ocorrência está acontecendo. Considero isso fascinante.

Por outro lado, interpreto o fato das publicações do grupo “Estadão” estamparem, em suas edições diárias, o “ex-libris” da família Mesquita, que passou a ser, também, uma espécie de logotipo da empresa, como inequívoca manifestação de amor dos seus proprietários pela hoje indispensável atividade jornalística. Voltarei ao tema.

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

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