Obra boa pede bis
Pedro J. Bondaczuk
A manifestação mais enfática da apreciação do público pela apresentação, digamos, de um cantor lírico, é quando ele termina sua performance e a plateia inteira, de pé, não apenas o aplaude com entusiasmo como, em coro, pede bis. É reação espontânea, que prescinde de claques e significa a consagração do artista. Em literatura, de vez em quando, acontece algo um tanto parecido. Determinados livros, que fizeram sucesso há, por exemplo, algumas décadas, esgotando edições e mais edições, são reeditados por editoras que detêm seus direitos. É o “bis” que, no caso, não consagra, mas vai além: “reconsagra” o escritor.
É certo que nem toda obra reeditada é acolhida com o mesmo entusiasmo por públicos diferentes. As gerações se sucedem, as pessoas mudam, os gostos artísticos oscilam e tudo se transforma ao sabor do tempo. Em alguns casos as mudanças são para melhor, mas não em todos. Algumas vezes elas são, infelizmente, para pior. Todavia se o livro for, de fato, bom, será intemporal (ou atemporal). E a tendência é que o sucesso da edição original se multiplique na reedição. É o que prevejo no caso do romance-documento de Hernâni Donato, “Selva trágica”.
Lançado, originalmente, em 1960, em plena época do que se convencionou chamar de “Os Anos Dourados”, a que antecedeu os “Anos de Chumbo” de ditadura militar, o livro causou furor. Esgotou, por exemplo, quatro edições, o que, para a ocasião – quando o Brasil contava com população que era um terço da atual e cujos índices de analfabetismo eram estratosféricos – foi uma façanha. E os leitores não fizeram nenhum favor ao autor. Pelo contrário, foi este que engrandeceu o cenário cultural, mais especificamente, literário do País com uma obra consistente, bem documentada e escrita com a perícia de quem, de fato, é do ramo.
O romance não só vendeu bastante e foi aclamado pela crítica, como ganhou vida própria e se destacou em outros campos artísticos. Por exemplo, foi filmado, em 1963, pelo diretor Roberto Farias. Outra façanha de “Selva trágica”, em sua versão cinematográfica, foi que teve como protagonista o ator Reginaldo Farias, hoje consagradíssimo pelas tantas novelas em que atuou e filmes que protagonizou, mas que na oportunidade estreava na carreira. Querem outra coisa que notabilizou ainda mais essa obra? A versão cinematográfica foi tão fiel ao original e tão bem feita, que representou o Brasil no renomado Festival de Veneza. Os cinéfilos sabem que o filme é tido e havido, com justiça, como “clássico” do Cinema Novo brasileiro. Entre outras coisas, conquistou o Prêmio Saci, do jornal “O Estado de São Paulo”.
Por tudo isso, considero oportuníssima a reedição de “Selva trágica”, por parte da Editora “Letra Selvagem”, cujo lançamento ocorreu em 17 de novembro de 2011, na Academia Paulista de Letras. Acredito que o livro tem apelo suficiente não apenas para repetir a trajetória que teve nos anos 60 do século XX, mas para superá-la, e em muito, dadas as atuais maiores facilidades de divulgação. E também, claro, ao aumento do número de leitores, em relação a 1960, embora não no tanto que gostaria que houvesse aumentado. É o caso do clamor de “bis” que citei no preâmbulo destas reflexões.
O romance, frise-se, não perdeu a atualidade. Desconfio, até, que se tornou mais atual ainda. Seu enredo trata da situação dos trabalhadores que atuam no plantio e na colheita de erva-mate, na região fronteiriça entre Brasil e Paraguai, submetidos a um regime de semi-escravidão. Até então, ninguém, nem escritor e nem jornalista, havia tido a coragem de tratar de assunto dessa natureza. Passado mais de meio século, embora o Brasil hoje seja outro, muito melhor do que o de então, volta e meia pipocam notícias de trabalho escravo, e até mesmo no Estado mais rico e desenvolvido da Federação, ou seja, em São Paulo.
Quanto ao autor, tem uma obra tão rica e consistente, que dispensaria qualquer apresentação que, ademais, por mais detalhada que fosse, dificilmente faria justiça à sua grandeza. Hernani Donato é, sem favor algum, um dos maiores, se não o maior expoente vivo (felizmente) da Literatura Brasileira. Os 70 livros que publicou, a infinidade de prêmios que ganhou, os cargos que ocupou (e alguns, ainda, ocupa), comprovam o que afirmo, sem a menor sombra de dúvidas. Tanto que é conhecido pelos seus ilustres pares da Academia Paulista de Letras (onde ocupa, desde 1972, a cadeira de número 20) como “homem dos sete instrumentos”. Exagero? De jeito nenhum.
Hernani Donato é, além de escritor, historiador, jornalista, professor, tradutor, e roteirista. Foi colaborador da revista Veja. Atuou nas TVs Tupi, Record e Paulista (precursora da atual Rede Globo). Participou da comissão organizadora dos festejos do “IV Centenário da Cidade de São Paulo”, em 1954. É membro, também, da Academia Sul-Matogrossense de Letras, onde ocupa a cadeira de número 1. Poderia citar, ainda, muitos cargos, prêmios e serviços culturais que prestou. Não o farei, até para assanhar sua curiosidade, caro leitor, para que você mesmo pesquise mais informações sobre Hernani Donato.
Não posso, porém, deixar de mencionar sua “precocidade” no mundo das letras. Aos onze anos de idade escreveu (a quatro mãos com Francisco Martins) o romance infantil “O tesouro”, publicado em capítulos no suplemento literário do antigo jornal “Diário de São Paulo”, dos Diários Associados, de propriedade de Assis Chateaubriand. Nada mais justa, portanto, e oportuna, do que essa reedição de “Selva trágica”, para coroar a impecável carreira literária desse escritor que, aos 89 anos de idade, permanece lúcido e ativo e que merece ser sempre lembrado e reverenciado pelo que é e pelo tanto que fez.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
A manifestação mais enfática da apreciação do público pela apresentação, digamos, de um cantor lírico, é quando ele termina sua performance e a plateia inteira, de pé, não apenas o aplaude com entusiasmo como, em coro, pede bis. É reação espontânea, que prescinde de claques e significa a consagração do artista. Em literatura, de vez em quando, acontece algo um tanto parecido. Determinados livros, que fizeram sucesso há, por exemplo, algumas décadas, esgotando edições e mais edições, são reeditados por editoras que detêm seus direitos. É o “bis” que, no caso, não consagra, mas vai além: “reconsagra” o escritor.
É certo que nem toda obra reeditada é acolhida com o mesmo entusiasmo por públicos diferentes. As gerações se sucedem, as pessoas mudam, os gostos artísticos oscilam e tudo se transforma ao sabor do tempo. Em alguns casos as mudanças são para melhor, mas não em todos. Algumas vezes elas são, infelizmente, para pior. Todavia se o livro for, de fato, bom, será intemporal (ou atemporal). E a tendência é que o sucesso da edição original se multiplique na reedição. É o que prevejo no caso do romance-documento de Hernâni Donato, “Selva trágica”.
Lançado, originalmente, em 1960, em plena época do que se convencionou chamar de “Os Anos Dourados”, a que antecedeu os “Anos de Chumbo” de ditadura militar, o livro causou furor. Esgotou, por exemplo, quatro edições, o que, para a ocasião – quando o Brasil contava com população que era um terço da atual e cujos índices de analfabetismo eram estratosféricos – foi uma façanha. E os leitores não fizeram nenhum favor ao autor. Pelo contrário, foi este que engrandeceu o cenário cultural, mais especificamente, literário do País com uma obra consistente, bem documentada e escrita com a perícia de quem, de fato, é do ramo.
O romance não só vendeu bastante e foi aclamado pela crítica, como ganhou vida própria e se destacou em outros campos artísticos. Por exemplo, foi filmado, em 1963, pelo diretor Roberto Farias. Outra façanha de “Selva trágica”, em sua versão cinematográfica, foi que teve como protagonista o ator Reginaldo Farias, hoje consagradíssimo pelas tantas novelas em que atuou e filmes que protagonizou, mas que na oportunidade estreava na carreira. Querem outra coisa que notabilizou ainda mais essa obra? A versão cinematográfica foi tão fiel ao original e tão bem feita, que representou o Brasil no renomado Festival de Veneza. Os cinéfilos sabem que o filme é tido e havido, com justiça, como “clássico” do Cinema Novo brasileiro. Entre outras coisas, conquistou o Prêmio Saci, do jornal “O Estado de São Paulo”.
Por tudo isso, considero oportuníssima a reedição de “Selva trágica”, por parte da Editora “Letra Selvagem”, cujo lançamento ocorreu em 17 de novembro de 2011, na Academia Paulista de Letras. Acredito que o livro tem apelo suficiente não apenas para repetir a trajetória que teve nos anos 60 do século XX, mas para superá-la, e em muito, dadas as atuais maiores facilidades de divulgação. E também, claro, ao aumento do número de leitores, em relação a 1960, embora não no tanto que gostaria que houvesse aumentado. É o caso do clamor de “bis” que citei no preâmbulo destas reflexões.
O romance, frise-se, não perdeu a atualidade. Desconfio, até, que se tornou mais atual ainda. Seu enredo trata da situação dos trabalhadores que atuam no plantio e na colheita de erva-mate, na região fronteiriça entre Brasil e Paraguai, submetidos a um regime de semi-escravidão. Até então, ninguém, nem escritor e nem jornalista, havia tido a coragem de tratar de assunto dessa natureza. Passado mais de meio século, embora o Brasil hoje seja outro, muito melhor do que o de então, volta e meia pipocam notícias de trabalho escravo, e até mesmo no Estado mais rico e desenvolvido da Federação, ou seja, em São Paulo.
Quanto ao autor, tem uma obra tão rica e consistente, que dispensaria qualquer apresentação que, ademais, por mais detalhada que fosse, dificilmente faria justiça à sua grandeza. Hernani Donato é, sem favor algum, um dos maiores, se não o maior expoente vivo (felizmente) da Literatura Brasileira. Os 70 livros que publicou, a infinidade de prêmios que ganhou, os cargos que ocupou (e alguns, ainda, ocupa), comprovam o que afirmo, sem a menor sombra de dúvidas. Tanto que é conhecido pelos seus ilustres pares da Academia Paulista de Letras (onde ocupa, desde 1972, a cadeira de número 20) como “homem dos sete instrumentos”. Exagero? De jeito nenhum.
Hernani Donato é, além de escritor, historiador, jornalista, professor, tradutor, e roteirista. Foi colaborador da revista Veja. Atuou nas TVs Tupi, Record e Paulista (precursora da atual Rede Globo). Participou da comissão organizadora dos festejos do “IV Centenário da Cidade de São Paulo”, em 1954. É membro, também, da Academia Sul-Matogrossense de Letras, onde ocupa a cadeira de número 1. Poderia citar, ainda, muitos cargos, prêmios e serviços culturais que prestou. Não o farei, até para assanhar sua curiosidade, caro leitor, para que você mesmo pesquise mais informações sobre Hernani Donato.
Não posso, porém, deixar de mencionar sua “precocidade” no mundo das letras. Aos onze anos de idade escreveu (a quatro mãos com Francisco Martins) o romance infantil “O tesouro”, publicado em capítulos no suplemento literário do antigo jornal “Diário de São Paulo”, dos Diários Associados, de propriedade de Assis Chateaubriand. Nada mais justa, portanto, e oportuna, do que essa reedição de “Selva trágica”, para coroar a impecável carreira literária desse escritor que, aos 89 anos de idade, permanece lúcido e ativo e que merece ser sempre lembrado e reverenciado pelo que é e pelo tanto que fez.
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