Albânia sepulta o stalinismo
Pedro J. Bondaczuk
A Albânia dos derradeiros 40 anos girou em torno de uma só figura: carismática, para uns, histriônica, para outros e controvertida, conforme o consenso internacional. Trata-se de Enver Hoxha. Não fosse por um ridículo desafio feito a dois gigantes marxistas, tanto esse líder fanático, quanto seu minúsculo país, situado nos Bálcãs (tem uma área pouca coisa maior do que o nosso Estado do Alagoas), provavelmente seriam notados e dificilmente mereceriam sequer ligeira menção na imprensa mundial.
Trata-se do primeiro caso de rompimento (anunciado com estardalhaço na ocasião por determinados veículos de comunicação, como se isso fosse alterar o próprio curso da História) de Hoxha com a União Soviética, em 1961, quando Nikita Krushev exorcizava da vida do seu país a figura de triste lembrança, para a sua população, de Joseph Stalin, ídolo do ditador albanês.
Para contrabalançar essa briguinha familiar na galáxia vermelha, que tinha Moscou como “Sol”, a Albânia aproximou-se, irresistivelmente, de outro gigante comunista: a China. Acompanhou-a em toda a trajetória anárquica do período em que o famoso livrinho de Mao Tse-Tung foi o catecismo, a bíblia e a suprema manifestação da verdade e da justiça para os mais de um bilhão de chineses, durante os cantados e decantados, em verso e prosa, movimentos das “Mil Flores” e da “Revolução Cultural”.
Sempre que de Pequim partia alguma crítica ao revisionismo soviético, era inevitável o eco de Tirana, divulgado com a mesma ênfase pela imprensa com que eram informadas as verberações da China contra a União Soviética.
E o que vem a ser, afinal, essa Albânia, tantas vezes citada e tão pouco conhecida? É um minúsculo país, situado entre a Iugoslávia e a Grécia, com 2,9 milhões de habitantes, com 80% do seu território localizado nas montanhas, cobertas por florestas, ralas e raquíticas. O idioma falado nessa República, o albanês, é fruto da fusão de dois dialetos, cujas origens remontam a séculos: o gheg e o tosk.
Administrativamente, a Albânia divide-se em 26 distritos e mais a capital, uma cidade pacata, de 240 mil habitantes. As outras, mais importantes, são, pela ordem: Durazzo (75 mil), Skutari (72 mil) e Valona (63 mil), todas na costa do Mar Adriático.
Embora todos os cultos religiosos estejam proibidos, desde 1946, por Enver Hoxha, que jurava pelas barbas de Karl Marx que a religião é o ópio do povo, não é assim que a população pensa. Tanto é que o número de ateus confessos é irrisório no país. Setenta por cento dos albaneses são muçulmanos sunitas, 15% cristãos greco-ortodoxos e 15% católicos romanos. Quase todos, portanto, servem-se do “ópio” religioso!
A Albânia tornou-se independente da Bulgária em 1912, com o apoio da Áustria-Hungria, embora tenha sido invadida, em várias ocasiões, até 1920. Em 1939, Mussolini anexou esse território balcânico à Itália e apenas no final da Segunda Guerra mundial, com a ajuda russa, o país recuperou a autonomia. Em 1946, surgiu, na história nacional, a figura de Enver Hoxha, que apenas com a morte, ocorrida ontem, se desfez, finalmente, do poder.
País sem grandes recursos, proporciona uma renda per capita anual, aos seus habitantes, de US$ 240. Mas a expectativa de vida é alta, chegando aos 69 anos, favorecida pelo bom clima da região. Vinte e cinco por cento dos albaneses são analfabetos e a situação dos direitos humanos, segundo denúncias da Anistia Internacional, é lastimável, com as prisões abarrotadas de pessoas que se opõem ao regime, entre as quais 25 mil greco-albaneses, motivo de um recente e enérgico protesto da Grécia.
Com a morte do caudilho stalinista, que dominou, a ferro e fogo, a vida nacional no pós-guerra, a Albânia tem dois prováveis caminhos a seguir: ou volta a realinhar-se com Moscou, que além de lhe dar independência um dia, a admitiu no Pacto de Varsóvia e patrocinou seu ingresso na ONU; ou pende para o estilo reformista chinês.
Neste último caso, se essa for, de fato, a opção política dos albaneses, deve ocorrer provável abertura para o Ocidente. Com Hoxha, de acordo com observadores familiarizados com a vida desse país, o stalinismo na Albânia será, certa e irremediavelmente, também sepultado, como inútil velharia de um obscuro passado.
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 12 de abril de 1985).
Pedro J. Bondaczuk
A Albânia dos derradeiros 40 anos girou em torno de uma só figura: carismática, para uns, histriônica, para outros e controvertida, conforme o consenso internacional. Trata-se de Enver Hoxha. Não fosse por um ridículo desafio feito a dois gigantes marxistas, tanto esse líder fanático, quanto seu minúsculo país, situado nos Bálcãs (tem uma área pouca coisa maior do que o nosso Estado do Alagoas), provavelmente seriam notados e dificilmente mereceriam sequer ligeira menção na imprensa mundial.
Trata-se do primeiro caso de rompimento (anunciado com estardalhaço na ocasião por determinados veículos de comunicação, como se isso fosse alterar o próprio curso da História) de Hoxha com a União Soviética, em 1961, quando Nikita Krushev exorcizava da vida do seu país a figura de triste lembrança, para a sua população, de Joseph Stalin, ídolo do ditador albanês.
Para contrabalançar essa briguinha familiar na galáxia vermelha, que tinha Moscou como “Sol”, a Albânia aproximou-se, irresistivelmente, de outro gigante comunista: a China. Acompanhou-a em toda a trajetória anárquica do período em que o famoso livrinho de Mao Tse-Tung foi o catecismo, a bíblia e a suprema manifestação da verdade e da justiça para os mais de um bilhão de chineses, durante os cantados e decantados, em verso e prosa, movimentos das “Mil Flores” e da “Revolução Cultural”.
Sempre que de Pequim partia alguma crítica ao revisionismo soviético, era inevitável o eco de Tirana, divulgado com a mesma ênfase pela imprensa com que eram informadas as verberações da China contra a União Soviética.
E o que vem a ser, afinal, essa Albânia, tantas vezes citada e tão pouco conhecida? É um minúsculo país, situado entre a Iugoslávia e a Grécia, com 2,9 milhões de habitantes, com 80% do seu território localizado nas montanhas, cobertas por florestas, ralas e raquíticas. O idioma falado nessa República, o albanês, é fruto da fusão de dois dialetos, cujas origens remontam a séculos: o gheg e o tosk.
Administrativamente, a Albânia divide-se em 26 distritos e mais a capital, uma cidade pacata, de 240 mil habitantes. As outras, mais importantes, são, pela ordem: Durazzo (75 mil), Skutari (72 mil) e Valona (63 mil), todas na costa do Mar Adriático.
Embora todos os cultos religiosos estejam proibidos, desde 1946, por Enver Hoxha, que jurava pelas barbas de Karl Marx que a religião é o ópio do povo, não é assim que a população pensa. Tanto é que o número de ateus confessos é irrisório no país. Setenta por cento dos albaneses são muçulmanos sunitas, 15% cristãos greco-ortodoxos e 15% católicos romanos. Quase todos, portanto, servem-se do “ópio” religioso!
A Albânia tornou-se independente da Bulgária em 1912, com o apoio da Áustria-Hungria, embora tenha sido invadida, em várias ocasiões, até 1920. Em 1939, Mussolini anexou esse território balcânico à Itália e apenas no final da Segunda Guerra mundial, com a ajuda russa, o país recuperou a autonomia. Em 1946, surgiu, na história nacional, a figura de Enver Hoxha, que apenas com a morte, ocorrida ontem, se desfez, finalmente, do poder.
País sem grandes recursos, proporciona uma renda per capita anual, aos seus habitantes, de US$ 240. Mas a expectativa de vida é alta, chegando aos 69 anos, favorecida pelo bom clima da região. Vinte e cinco por cento dos albaneses são analfabetos e a situação dos direitos humanos, segundo denúncias da Anistia Internacional, é lastimável, com as prisões abarrotadas de pessoas que se opõem ao regime, entre as quais 25 mil greco-albaneses, motivo de um recente e enérgico protesto da Grécia.
Com a morte do caudilho stalinista, que dominou, a ferro e fogo, a vida nacional no pós-guerra, a Albânia tem dois prováveis caminhos a seguir: ou volta a realinhar-se com Moscou, que além de lhe dar independência um dia, a admitiu no Pacto de Varsóvia e patrocinou seu ingresso na ONU; ou pende para o estilo reformista chinês.
Neste último caso, se essa for, de fato, a opção política dos albaneses, deve ocorrer provável abertura para o Ocidente. Com Hoxha, de acordo com observadores familiarizados com a vida desse país, o stalinismo na Albânia será, certa e irremediavelmente, também sepultado, como inútil velharia de um obscuro passado.
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 12 de abril de 1985).
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