Tuesday, March 13, 2012







África, continente sem história?


Pedro J. Bondaczuk


O historiador J. M. Roberts, na introdução de um capítulo do livro "A História do Século XX", assinala: "...para a maior parte dos europeus, a África não tem história. Não de trata de arrogância, mas de ignorância dos fatos..."
O que esses europeus muitas vezes se esquecem, ou fazem questão de esquecer, é que a mais antiga civilização conhecida na história floresceu no continente africano, ou seja, no Egito, fertilizado pelo rico humus do Rio Nilo. E, através dos egípcios, certos detalhes sobre o misterioso continente africano eram conhecidos pelo mundo civilizado de então.
Já durante o Antigo Império, três ou quatro mil anos antes de Cristo, caravanas de mercadores e de exploração egípcias conheciam o Congo, no centro da África. O seu deus Seth era representado por uma cabeça de ocapi, animal somente encontrado na região do atual Zaire e somente poderia ser conhecido por quem por lá tivesse andado. O mesmo ocorria em relação aos pigmeus, mencionados por Homero, na "Ilíada", dos quais o grande poeta cego poderia ter tomado conhecimento somente através dos egípcios.
Num trecho da monumental epopéia, diz o poeta: "...tal como sobe ao céu o grasnar de grous que, afugentados pelo inverno e as constantes chuvas, voam com alarido, sobre as correntes do Oceano, para levar morte e ruína à raça dos PIGMEUS, já ao alvorecer prontos para a tremenda luta..."
Poucos europeus se lembram de Cartago e de Anibal Barcas, que chegou a colocar em xeque a superpotência da época, Roma, ao longo das três Guerras Púnicas. Muitos se olvidam que Santo Agostinho de Hipona foi africano. Isso, sem falar no total desconhecimento do notável e rico Reino Medieval de Gana, do poderoso Império de Mandigo e da extraordinária civilização do Zimbabwe que, embora tenha abarrotado os museus da Europa com suas preciosas obras de arte (obtidas através de pilhagens), poucos se deram ao trabalho de buscar conhecer a sua procedência.
O que os europeus conhecem a respeito da África se restringe às cartas e relatórios dos seus intrépidos desbravadores, como Fritz Hornemann, que decifrou o enigma do Rio Niger; do botânico e cirurgião escocês Mungo Park, que sob os auspícios da "Royal Geographical Society", costeando o Alto Senegal, explorou o centro-leste africano, indo além do Niger, demarcando o limite meridional do Saara e explorando o caminho do oeste, o Sudão; René Caillié, que atingiu a "Eldorado" da época na África, que excitava a imaginação da juventude européia em seus sonhos de riqueza fácil, ou seja, a mítica e perdida cidade de Timbuctu, já anteriormente descrita pelo viajante italiano Benedetto Dei.
Além desses, Heinrich Barth, que transmitiu ao Ocidente a imagem exata da África, pelo lado do Sudão e, assim, tornou possível a formação de uma idéia precisa das relações das tribos berberes e negras do Saara, bem como da sua história, língua, costumes, tradições e civilização, somente após sua viagem. Por esse feito, ele foi alçado, por Alexander von Humboldt, ao nível de Cristóvão Colombo, como desbravador de um mundo novo.
Gustav Nachtigal e Gerhard Rohlfs também exploraram o Saara, partindo dos desertos tunisino e líbio, desbravando caminhos inexplorados e revelando o coração da África aos europeus.
Além desses, ainda se inserem na galeria dos que desvendaram os segredos e as riquezas naturais do continente africano Hans Sucklow, Henry Duveyrier, o monge e ex-visconde Charles de Foucauld (mais um dos tantos mártires cuja vida a África ceifou), além das suas estrelas maiores (pelo menos mais conhecidas), ou seja, os exploradores David Livingstone, Henry Morton Stanley e Richard Burton, sem esquecer, todavia, de James Cook e Adolf Overweg.
Mesmo que a África não tivesse história (o que não é verdade), esses homens extraordinários, de espírito indômito, escreveram, com o sacrifício de suas vidas, as mais belas páginas de heroísmo e coragem do século XIX, tornando conhecidos para o mundo os mistérios, as riquezas e as misérias do "Continente da Esperança". Pena que das suas descobertas resultasse a covarde dominação da África pelas potências européias, no trágico episódio, de terríveis conseqüências, da colonização.

(Artigo publicado na página 3 da "Folha de Barão", em 17 de novembro de 1979).

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