Avareza e prodigalidade
Pedro J. Bondaczuk
A avareza e o seu antônimo (seu oposto), a prodigalidade, são dois comportamentos extremos, ambos referentes à conquista e posse de bens materiais. Os dois, óbvio, são desvios comportamentais que trazem maus resultados aos que agem dessa forma. São características que me intrigam e que, por isso, me fascinam. Aliás, não sou, claro, o único a ficar intrigado e fascinado com eles. Inúmeros escritores têm abordado, em prosa e verso, esses comportamentos radicais, ora registrando observações filosóficas a propósito, ora criando personagens que agem de uma dessas duas formas, terminando por relatar suas consequências, evidentemente desastrosas.
Reuni algumas citações a respeito, com o auxílio do excelente site português especializado nisso, “O Citador”, ao qual recorro, amiúde, à cata de temas para reflexões nos dias em que nenhum me vem de imediato à memória. Poderia transcrever muitas mais, umas infinidade delas, tantas que elas são, mas creio que as seis que selecionei são suficientes para dar uma ideia de como essas características extremas são encaradas pelos principais escritores mundo afora.
O fabulista Jean de La Fontaine, por exemplo, é enfático a propósito e assegura: “A avareza perde tudo ao pretender ganhar tudo”. Já Ariustóteles faz um contraponto entre o procedimento de um e de outro, ambos, obviamente, sérias distorsões de caráter. Afirma: “Os avarentos amealham como se fossem viver para sempre, os pródigos dissipam, como se fossem morrer”.
No primeiro caso, é evidente que essa pretensão de eternidade é uma tolice, face à mortalidade humana e, no segundo... não sei não. A morte não manda recado e uma de suas características é vir sem aviso, de repente, subitamente e de surpresa. Isso não justifica, porém, a dissipação descabeçada e insensata do que se tem, em geral conquistado com ingentes sacrifícios. Ainda se o pródigo fosse generoso, solidário e se desfizesse dos seus bens apenas para socorrer os que precisam, poderia ser considerado um sujeito virtuoso e até mesmo, quem sabe, “santo”. No entanto, desfaz-sde do que tem exclusivamente para satisfação própria. Por isso, não raro, termina na indigência.
O romano Plutarco, por seu turno, observa: “A avareza é um tirano bem cruel; manda ajuntar e proíbe o uso daquilo que se junta; visita o desejo e interdiz o gozo”. Terrível tirania, essa, da qual o avarento não consegue se livrar (porque não quer, diga-se de passagem)! Conta com todos os meios para levar vida confortável, agradável e sem preocupações, anseio de bilhões e bilhões de pessoas mundo e tempo afora, que não contam sequer com o suficiente para sobreviver com um mínimo de dignidade e... não leva. Seu doentio apego, notadamente ao dinheiro, impede isso. Quando morre, porém, tudo o que juntou, com tamanha paixão e absurdo afinco, quase sempre é dissipado pelos herdeiros e em questão de alguns simples dias. Tremenda ironia!
François Fénelon (pseudônimo de François de Salignac de la Mothe-Fenelon) aborda outro aspecto da psiquê do avarento. Trata das “fontes” do seu contínuo descontentamento. Claro que sua obsessão em ter sempre mais, e mais, e mais, de forma constante e insaciável, faz dele um descontente sem remissão. O ilustre teólogo, poeta e escritor francês observa a respoeito: “A avareza e a ambição mostram-se mais descontentes do que não têm, do que satisfeitos com o que possuem”. Daí... Jamais beirarem, mesmo que de passagem, relativa satisfação. Vivem inquietos, sobressaltados o obcecados por uma quantidade infinita de bens, tenham-nos quanto tiverem, querendo sempre mais, e mais, e mais.
O avarento, por maior que seja sua fortuna, sente-me mais desprotegido e necessitado do que o mais pobre dos pobres, do que o indigente que não tem nada de seu e que depende da caridade alheia para somente sobreviver. Estranho esse comportamento, não é mesmo? Estranhíssimo! Mas é assim que ele se sente. O escritor latino, que viveu em Roma no primeiro século da Era Cristã, Públio Siro, assim se referiu a essa questão: “À pobreza faltam muitas coisas, à avareza falta tudo”. De fato, trata-se do pobre dos pobres, do indigentíssimo indigente, já que lhe falta, acima de tudo, um mínimo de noção da realidade. E há milhões e milhões de pessoas assim, mundo e tempo afora.
Da minha parte, sem nenhum rigor científico, considero o avarento uma espécie de louco. Trata-se de loucura incurável. Nunca conheci ninguém que tivesse esse comportamento e que tenha se livrado dele, perdendo esse apego doentio pelo dinheiro e por tudo o que possa ser convertido em moeda sonante. É, se não a pior, uma das piores tiranias. Honoré de Balzac, com sua imensa capacidade de observação, opinou a respeito: “A avareza é um nó corredio que aperta cada dia mais o coração e acaba por sufocar a razão”. Não sobra um pingo que seja de racionalidade a quem é acometido dessa espécie de loucura.
Cabe a caráter, nestas descompromissadas reflexões, o que o filósofo norte-americano, Ralph Waldo Emerson, escreveu na página 71 do seu memorável livro “A conduta para vida”. O célebre pensador observou:"Há homens nascidos para possuir e que sabem vivificar tudo o que possuem. Outros não o sabem; a sua riqueza falta graça; parece um compromisso firmado com seu caráter. Dir-se-ia que roubam os próprios dividendos. Deveriam possuir aqueles que sabem administrar, não os que acumulam e dissimulam, não aqueles que quanto mais possuem, mais mendicantes se mostram, porém aqueles cuja atividade dá trabalho a maior número, abre caminho para todos".
Todos nós, de uma certa forma, somos, simultaneamente, avarentos e pródigos, a julgar pela conclusão do Padre Antônio Vieira. Talvez não tenhamos obsessão por juntar e nem dispersar bens materiais, concretos e palpáveis. Mas temos lá nosso quinhão de avareza ou de prodigalidade, ou ambos ao mesmo tempo. Pelo quê? A crer nas palavras do ilustre pregador português (e não há razão objetiva para descrer), “de nenhuma coisa são mais avarentos os homens que do louvor (...) de nenhuma são mais pródigos que do desejo de receber”. Voltarei, oportunamente, ao tema, para tratar de alguns personagens avarentos que se tornaram célebres na literatura mundial.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
A avareza e o seu antônimo (seu oposto), a prodigalidade, são dois comportamentos extremos, ambos referentes à conquista e posse de bens materiais. Os dois, óbvio, são desvios comportamentais que trazem maus resultados aos que agem dessa forma. São características que me intrigam e que, por isso, me fascinam. Aliás, não sou, claro, o único a ficar intrigado e fascinado com eles. Inúmeros escritores têm abordado, em prosa e verso, esses comportamentos radicais, ora registrando observações filosóficas a propósito, ora criando personagens que agem de uma dessas duas formas, terminando por relatar suas consequências, evidentemente desastrosas.
Reuni algumas citações a respeito, com o auxílio do excelente site português especializado nisso, “O Citador”, ao qual recorro, amiúde, à cata de temas para reflexões nos dias em que nenhum me vem de imediato à memória. Poderia transcrever muitas mais, umas infinidade delas, tantas que elas são, mas creio que as seis que selecionei são suficientes para dar uma ideia de como essas características extremas são encaradas pelos principais escritores mundo afora.
O fabulista Jean de La Fontaine, por exemplo, é enfático a propósito e assegura: “A avareza perde tudo ao pretender ganhar tudo”. Já Ariustóteles faz um contraponto entre o procedimento de um e de outro, ambos, obviamente, sérias distorsões de caráter. Afirma: “Os avarentos amealham como se fossem viver para sempre, os pródigos dissipam, como se fossem morrer”.
No primeiro caso, é evidente que essa pretensão de eternidade é uma tolice, face à mortalidade humana e, no segundo... não sei não. A morte não manda recado e uma de suas características é vir sem aviso, de repente, subitamente e de surpresa. Isso não justifica, porém, a dissipação descabeçada e insensata do que se tem, em geral conquistado com ingentes sacrifícios. Ainda se o pródigo fosse generoso, solidário e se desfizesse dos seus bens apenas para socorrer os que precisam, poderia ser considerado um sujeito virtuoso e até mesmo, quem sabe, “santo”. No entanto, desfaz-sde do que tem exclusivamente para satisfação própria. Por isso, não raro, termina na indigência.
O romano Plutarco, por seu turno, observa: “A avareza é um tirano bem cruel; manda ajuntar e proíbe o uso daquilo que se junta; visita o desejo e interdiz o gozo”. Terrível tirania, essa, da qual o avarento não consegue se livrar (porque não quer, diga-se de passagem)! Conta com todos os meios para levar vida confortável, agradável e sem preocupações, anseio de bilhões e bilhões de pessoas mundo e tempo afora, que não contam sequer com o suficiente para sobreviver com um mínimo de dignidade e... não leva. Seu doentio apego, notadamente ao dinheiro, impede isso. Quando morre, porém, tudo o que juntou, com tamanha paixão e absurdo afinco, quase sempre é dissipado pelos herdeiros e em questão de alguns simples dias. Tremenda ironia!
François Fénelon (pseudônimo de François de Salignac de la Mothe-Fenelon) aborda outro aspecto da psiquê do avarento. Trata das “fontes” do seu contínuo descontentamento. Claro que sua obsessão em ter sempre mais, e mais, e mais, de forma constante e insaciável, faz dele um descontente sem remissão. O ilustre teólogo, poeta e escritor francês observa a respoeito: “A avareza e a ambição mostram-se mais descontentes do que não têm, do que satisfeitos com o que possuem”. Daí... Jamais beirarem, mesmo que de passagem, relativa satisfação. Vivem inquietos, sobressaltados o obcecados por uma quantidade infinita de bens, tenham-nos quanto tiverem, querendo sempre mais, e mais, e mais.
O avarento, por maior que seja sua fortuna, sente-me mais desprotegido e necessitado do que o mais pobre dos pobres, do que o indigente que não tem nada de seu e que depende da caridade alheia para somente sobreviver. Estranho esse comportamento, não é mesmo? Estranhíssimo! Mas é assim que ele se sente. O escritor latino, que viveu em Roma no primeiro século da Era Cristã, Públio Siro, assim se referiu a essa questão: “À pobreza faltam muitas coisas, à avareza falta tudo”. De fato, trata-se do pobre dos pobres, do indigentíssimo indigente, já que lhe falta, acima de tudo, um mínimo de noção da realidade. E há milhões e milhões de pessoas assim, mundo e tempo afora.
Da minha parte, sem nenhum rigor científico, considero o avarento uma espécie de louco. Trata-se de loucura incurável. Nunca conheci ninguém que tivesse esse comportamento e que tenha se livrado dele, perdendo esse apego doentio pelo dinheiro e por tudo o que possa ser convertido em moeda sonante. É, se não a pior, uma das piores tiranias. Honoré de Balzac, com sua imensa capacidade de observação, opinou a respeito: “A avareza é um nó corredio que aperta cada dia mais o coração e acaba por sufocar a razão”. Não sobra um pingo que seja de racionalidade a quem é acometido dessa espécie de loucura.
Cabe a caráter, nestas descompromissadas reflexões, o que o filósofo norte-americano, Ralph Waldo Emerson, escreveu na página 71 do seu memorável livro “A conduta para vida”. O célebre pensador observou:"Há homens nascidos para possuir e que sabem vivificar tudo o que possuem. Outros não o sabem; a sua riqueza falta graça; parece um compromisso firmado com seu caráter. Dir-se-ia que roubam os próprios dividendos. Deveriam possuir aqueles que sabem administrar, não os que acumulam e dissimulam, não aqueles que quanto mais possuem, mais mendicantes se mostram, porém aqueles cuja atividade dá trabalho a maior número, abre caminho para todos".
Todos nós, de uma certa forma, somos, simultaneamente, avarentos e pródigos, a julgar pela conclusão do Padre Antônio Vieira. Talvez não tenhamos obsessão por juntar e nem dispersar bens materiais, concretos e palpáveis. Mas temos lá nosso quinhão de avareza ou de prodigalidade, ou ambos ao mesmo tempo. Pelo quê? A crer nas palavras do ilustre pregador português (e não há razão objetiva para descrer), “de nenhuma coisa são mais avarentos os homens que do louvor (...) de nenhuma são mais pródigos que do desejo de receber”. Voltarei, oportunamente, ao tema, para tratar de alguns personagens avarentos que se tornaram célebres na literatura mundial.
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