Saturday, March 24, 2012







Fazendo e desfazendo mitos

Pedro J. Bondaczuk

Mexendo em velhos papeis, numa das minhas periódicas arrumações nos caóticos arquivos, encontrei matéria de página inteira que escrevi e publiquei no “Correio Popular” de Campinas, em 21 de abril de 1985 (um domingo), intitulada: “Hollywood, onde se fazem e se destroem mitos”. O assunto é óbvio e já foi explorado, em livros, por diversos escritores, quer em ficção, quer em biografias de atores e atrizes (muitas autorizadas, outras tantas, a maioria, não). Eu havia me esquecido dessa matéria (pudera!), o que não é de se estranhar dado o volume das que redigi, editei e publiquei.

Pensando bem, este é um assunto ainda atual, a caráter para reflexões. Afinal, embora tendo perdido um pouco do seu charme, Hollywood continua despertando fantasias e sonhos em milhões, mundo afora. E mais, nessa espécie de “cidade das ilusões” dentro da cidade de Los Angeles, ocorrem, ainda, histórias e mais histórias trágicas (a maioria) ou com “happy end” (raras), além de escândalos de toda a sorte. É, pois, um paraíso para escritores em busca de enredos para seus livros. Ali, encontram, e aos montões, já prontos, bastando pôr no papel com a força do seu talento.

Assim como o público – ávido por dramas e escândalos (os alheios, claro) – Hollywood segue construindo e destruindo mitos, como máquina de moer carne, mas que mói, na verdade, sonhos, aspirações e vidas. E pelo que? Por um punhado de dólares (alguns milhões deles, embora) e para atender os anseios paranoicos e às vezes doentios, ou pelo menos distorcidos, do público. Quem move Hollywood age, em relação a esses “operários” dessa indústria de ilusões que é o cinema, que antes de arte é um negócio dos mais lucrativos (atores, atrizes, diretores, roteiristas etc.) como se não fossem humanos. Como se não passassem de robôs, sobre os quais e com os quais ser pode dispor ao bel prazer.

Diversas estrelas foram, literalmente, construídas, detalhe por detalhe e, posteriormente, destruídas, mas somente “depois da fama”, o que torna essa destruição ainda mais cruel. Um exemplo? Marylin Monroe, a “deusa loura”, sonho erótico de toda uma geração. Querem outro? Judy Garland, consumida pelo álcool, perdida num mundo onde entrou e de onde não soube como dele sair. Mais exemplos? Ava Gardner, Rommy Schneider, Merle Oberon, Diane Baker... e os nomes podem ser desfiados numa sequência quase interminável.

Um dos espetáculos mais deprimentes para os moradores de Los Angeles (ou para quem visita a cidade, e se mantém atento ao que se passa ao seu redor), é, por exemplo, ver figuras de estrelas, que outrora fulguraram no firmamento da fama, cujas fotos, não raro em poses provocantes, ilustraram cartazes e mais cartazes nas entradas dos cinemas de boa parte do mundo, relegadas ao ostracismo, ao completo esquecimento, não só de quem as explorou para fazer fortuna, mas do público que as endeusou.

É comum essas mulheres outrora maravilhosas e famosas serem encontradas em bares baratos e inúmeros inferninhos afogando em álcool a perdida glória. Não raras recorrem às drogas que as tornam ridículas caricaturas do que foram. Refiro-me a estrelas, mas essa realidade não distingue, claro, sexo. Não se restringe, também, a Hollywood ou aos Estados Unidos. Não envolve apenas artistas de cinema, teatro ou televisão, mas abrange cantores, astros e estrelas dos esportes, políticos e, por que não, escritores.

Especificamente em Hollywood, há centenas de atrizes e atores que em determinado tempo freqüentavam assiduamente as colunas de arte e os mais badalados círculos sociais, cujos simples autógrafos valiam fortunas, fazendo marcação cerrada sobre produtores e diretores, mendigando, desesperadamente, por reles ponta como figurantes, em filmecos de quarta categoria ou em algum inexpressivo seriado de TV, sem nenhuma audiência, mero tapa buraco da programação. E em vão. Oportunamente, trarei à baila alguns casos em que esses mitos pré-fabricados foram destruídos, da forma como deletamos, por exemplo, no computador, algum texto que não seja do nosso agrado.

Esse tipo de situação – que me levou a refletir a respeito da fama na oportunidade em que redigi a referida matéria e que permanece mais atual do que nunca (não corre risco de perder a atualidade) – é tema inesgotável para bons escritores. Ao retratarem fatos reais, todavia, correm o risco de suas histórias serem tidas por inverossímeis. Porquanto a realidade, não raro, é muito mais absurda e estranha do que a mais surrealista ficção.

Nada é mais volátil do que a glória. Nada é mais volúvel do que a idolatria popular. Nada, nada é mais triste do que o fato de alguém, que criou alguma coisa na vida considerada algum dia de valor, morrer na memória das pessoas, até dos parentes e dos supostos “amigos” (mui amigos!), permanecendo fossilizado, sem noção de que já não passa de “fantasma”. Principalmente quando se trata dessa figura tão vulnerável, a do artista (não importa a arte), cuja característica comum é a exacerbada vaidade, estimulada e inflada por uma carreira meteórica (mas sumamente curta) cheia de elogios hipócritas e de tapinhas nas costas, interesseiros e oportunistas.

Hollywood (mas não somente ela, reitero) está repleta de casos assim. É cenário de dramas, tragédias e comédias muito maiores do que os filmes que produz, projetados nas telas de cinema, ou perpetuados em romances, contos, novelas e peças teatrais dos mais consagrados escritores, posto que verídicos. E a realidade, como afirmei e faço questão de reiterar, supera, em muito, em loucura e absurdo, as mais delirantes fantasias da ficção.


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