Friday, March 02, 2012







O primeiro Nobel de Literatura


Pedro J. Bondaczuk


Os pioneiros, em qualquer atividade, principalmente se intelectual (e mais em especial ainda, se artística), deixam, quase sempre, o nome marcado na história. São lembrados ao longo de gerações, emprestam seus nomes a vários logradouros públicos (ruas, avenidas, escolas, ginásios, hospitais etc.) em suas cidades, ganham estátuas e vai por aí afora. É verdade que às vezes alguns são esquecidos, por circunstâncias várias. Todavia, esse esquecimento (felizmente) é raro. A regra é que sejam sempre lembrados e, se o que fizeram tiver mesmo valor, se tornem marcos divisórios, paradigmas, referenciais das atividades que exerceram.

Este é o caso, por exemplo, do poeta francês Sully Prudhomme. E sabem qual foi sua façanha (além de produzir uma obra consistente e brilhante)? Foi o primeiro escritor a ser galardoado com o Prêmio Nobel de Literatura, o de 1901. Poucos se lembram, hoje, desse fato. Mas seu nome está longe de ser esquecido. Sully Prudhomme é lido, admirado e reverenciado pela sua poesia. Claro que isso se deve à qualidade da sua obra. Aliás, se não fosse boa, (diz a lógica) certamente não seria premiado com o Nobel. Principalmente, por causa da concorrência, ou seja, da quantidade de bons escritores que havia naquele início de novo século, o XX da Era Cristã.

É oportuno, pois, recordar, e refletir, sobre quem foi esse ilustre personagem, primeiro ganhador de um prêmio que acabou se transformando, com o passar do tempo, no de maior prestígio e o mais cobiçado da literatura, o que fez, onde viveu etc. Não me proponho a esboçar sua biografia, até porque já existem muitas, e boas, e de pessoas muito mais habilitadas do que eu (embora eu não tenha encontrado nenhuma em português). Minha intenção é, apenas, chamar a atenção, e de passagem, para determinados aspectos da sua vida que me despertaram a curiosidade.

Por exemplo, o nome com o qual ficou conhecido não era o seu, de batismo, mas o do pai. Não deixa de ser estranho, não é verdade? O poeta, que nasceu em Paris, em 16 de março de 1839, chamava-se René Armand François Prudhomme. E por que adotou o prenome Sully? Por achá-lo mais sonoro e mais fácil de memorizar? Ou para homenagear o pai, bem sucedido comerciante? As duas hipóteses têm lógica. É possível que o tenha feito até pelos dois motivos simultaneamente. Mas não posso jurar que esta seja a verdadeira causa.

Seu sonho de moço sequer era o de se tornar escritor. É verdade que desde tenra idade compunha versos, mas isso, boa parte dos adolescentes, mundo afora, também o faz. Sully Prudhomme desejava mesmo era ser cientista, passar a vida pesquisando para descobrir os segredos do mundo e da natureza. Chegou a ingressar num instituto politécnico de Paris para estudar na área científica. Uma doença oftalmológica, todavia, levou-o a abrir mão desse sonho. Enxergando mal, por exemplo, como poderia pesquisar o mundo microscópico? Não poderia! Optou, pois, por uma carreira que não lhe exigisse tanto da visão, o Direito.

Aos 26 anos de idade, em 1865, instado por amigos, resolveu publicar uma coleção de poemas, meio temeroso, desconfiado que poderia fracassar na atividade literária. Obviamente, não fracassou. Aliás, muito pelo contrário. Seu livro “Stances et Poémes” foi um sucesso, tamanho, que no ano seguinte, lançou um segundo, “Les Èpreuves” e não parou mais de produzir. Havia encontrado seu caminho, e quase que por acaso.

À medida que novas obras eram publicadas, seu prestígio crescia. Prudhomme ligou-se aos poetas parnasianos, que publicavam a revista “Parnasse contemporain”. O parnasianismo, esclareça-se, na ocasião, era o que havia de mais moderno e revolucionário no campo da poesia. E foi nessa escola literária que se destacou. Primeiro, foi eleito para a prestigiosa Academia Francesa de Letras. Passou a ocupar a cadeira de número vinte e quatro. E seu sucesso culminou com a inesperada conquista do então recém-criado Prêmio Nobel. Tornou-se, dessa forma, o pioneiro dessa premiação, que em 2011 completou 110 anos.

Sully Prudhomme morreu, no auge do prestígio e do sucesso, na cidadezinha francesa de Châtenay-Malabry, em 6 de setembro de 1907. Legou à posteridade uma obra consistente e bela, de doze livros, muitos dos quais (para não dizer todos) constituem-se, hoje em dia, em preciosidades para os bibliófilos e amantes da boa poesia (como este Editor, por exemplo).

Entre os tantos poemas que compôs, selecionei, meio que a esmo, dois, um traduzido por Augusto de Lima e outro por Álvaro Reis. Aprecie-os, como eu apreciei:

As lembranças

Das velhas impressões da infância a idéia grata
perdura-nos fiel, volvam embora os anos;
em vão do nosso abril as flores sofrem danos,
a imagem delas fica indelével, exata.

Ao contrário, ai de nós! – ninguém conserva intacta
a memória, apesar de esforços sobreumanos,
das novas emoções, efêmeros enganos,
cujo traço se apaga apenas se retrata.

Como esperto escansão que no banquete a taça
entretém sempre cheia, a cada vez que passa,
passa o tempo e nos enche a memória também.

A lembrança mais nova é a gota derradeira,
que ao choque mais sutil, transborda e cai; porém
no fundo permanece a primitiva – inteira.

Os laços

Querendo a tudo amar, trago a alma dolorida,
porque multipliquei a causa dos tormentos...
Frágeis laços, grilhões inúmeros, cruentos...
prendem meu coração às coisas desta vida.

Tudo a um tempo me atrai e enlaça-me igualmente:
por seu brilho, a verdade e seus véus, o mistério;
minh’alma se une ao sol num raio de ouro, etéreo,
e em mil fios de seda a cada estrela ardente...

A cadência me prende à ária que triste evoca;
seduz-me a veludez da rosa entre os abrolhos:
eu de um sorriso fiz o grilhão dos meus olhos
e fiz também de um beijo a cadeia da boca!

Assim, cativo sou dos seres que adoro, a esmo...
Suspenso é meu viver nesta rede que o enlaça...
E quando o menor sopro entre aqueles perpassa
sinto um pouco de mim se arrancar de mim mesmo.

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