Tuesday, March 06, 2012







A guerra, agora, é contra a miséria


Pedro J. Bondaczuk


O Vietnã, do ponto de vista militar, tem por tradição conseguir espetaculares vitórias sobre forças que lhe são muito superiores em todos os aspectos. A combatividade dos vietnamitas é legendária, não fosse por outra coisa, por terem conseguido expulsar, em períodos diferentes de sua longa história (iniciada por volta do ano 200 a.C) chineses, japoneses, franceses e para culminar, os norte-americanos sucessivamente, do seu território.

Todavia, quando se trata de feitos obtidos em tempos de paz, seu retrospecto não é tão brilhante. Pode-se, mesmo, dizer que ele chega a ser decepcionante. Doze anos após a longa e penosa guerra que travou contra a maior superpotência mundial, o país ainda não conseguiu se recuperar de seus efeitos terríveis. Ao contrário, afunda-se em crises sucessivas, de caráter econômico, que fazem com que a sociedade vietnamita seja, hoje, uma das mais pobres do mundo, senão a mais carente de todas.

Somente agora seus líderes parecem estar se dando conta que governar uma nação não é o mesmo que comandar uma caserna. Que na vida nacional, as coisas são impossíveis de transcorrer dentro de previsibilidades como num quartel, com o seu senso de disciplina e de respeito às normas existentes.

Com mais de 60 milhões de habitantes, a renda per capita de cada habitante dessa República não atinge sequer a US$ 250 anuais. Ou seja, não alcança a dois salários mínimos mensais da maioria dos países da América Latina (à exceção do Brasil, onde ele mal chega a US$ 50), onde reconhecidamente se remunera mal o trabalhador.

Numa condição de penúria desse porte, é incompreensível que o Vietnã continue tendo, proporcionalmente, as maiores Forças Armadas do mundo, com mais de dois milhões de homens, entre militares e grupos paramilitares. A mobilização para a guerra, portanto, que começou virtualmente em 1887, há exatos cem anos, quando a França se apossou de toda aquela região a poder de armas, ainda não terminou.

Só que as autoridades vietnamitas se esqueceram que o inimigo de agora não se combate com mísseis, granadas e fuzis. Esses materiais bélicos de nada servem para derrotar a nova ameaça, agora muito mais sinistra, que paira sobre essa nação. O adversário a ser enfrentado e vencido, agora, é mais renitente e manhoso do que poderosos exércitos. É a miséria popular.

Quando não se possui grandes riquezas, manda o bom senso que o pouco existente seja bem administrado. Mas não é isso o que os dirigentes do Vietnã (anciões que ostentam a pose e a fama de heróis dos campos de batalha, mas que não levam jeito para a administração) estão fazendo. Num país carente de capitais e de produtos naturais abundantes para exportação, é inconcebível que se gastem US$ 10 bilhões por ano em defesa. Que se conserve 160 mil soldados, por onze longos anos, em território alheio, no caso o do Camboja, a custos absolutamente proibitivos. Para complicar, os vietnamitas possuem ainda uma dívida externa que em 1983 era de US$ 6 bilhões e que agora deve estar, certamente, bem mais alta.

Da forma que as coisas estão caminhando, o país corre o risco de quedar vencido pela primeira vez em sua história e diante de um inimigo pernicioso e cheio de manhas. Um adversário imune a táticas militares, a balas e a atos de bravura suicidas. Um oponente que não teme ações de guerrilha e nem mortíferas armadilhas na selva.

Se o Vietnã, a despeito das profundas e sucessivas reformas que vêm sendo feitas em sua estrutura governamental, não souber definir suas prioridades, pode acabar, fatalmente, perdendo a sua milenar invencibilidade para a fome. E diante dela não há bravura que resista.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 18 de fevereiro de 1987).

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