O impasse afegão
Pedro J. Bondaczuk
O ano começa sob intensa movimentação diplomática, especialmente por parte das superpotências, com a chegada inesperada, ontem, a Cabul, do ministro das Relações Exteriores da União Soviética, Eduard Shervadnadze e do subsecretário de Estado norte-americano, Michael Armacost, ao Paquistão, ambos procurando a mesma coisa: a solução para o problema do Afeganistão, cuja guerra civil e ocupação militar entram em seu nono ano.
Por um motivo compreensível, nenhuma das duas chancelarias revelou a razão dos respectivos giros de seus representantes. Presume-se, porém, que as missões estejam dentro do contexto daquilo que Reagan e Gorbachev discutiram em Washington, acerca da questão afegã, na reunião de cúpula que mantiveram de 8 a 10 de dezembro passado. Algo de bom e surpreendente pode estar em andamento.
Uma coisa ficou bastante clara para todos. A exemplo do que ocorreu com os Estados Unidos, em 1975, em relação ao Vietnã, os soviéticos estão desesperados para voltar para casa. De todos os pontos de atrito que Moscou tem com o Ocidente, o pior é este, único que o atual líder do Cremlin não conseguiu equacionar a contento.
Mas sua preocupação, certamente, não se prende a esse motivo. As considerações de Gorbachev devem ser mais práticas, de âmbito doméstico, próximas, portanto, a ele mesmo. Há um evidente clima de descontentamento entre os familiares dos soldados que se arriscam à morte e à mutilação, num país que não é o seu, numa guerra que lhe é alheia e que ninguém entende a razão pela qual está sendo feita. Milhares já pagaram um alto preço por ela.
Há uns dez dias, ocorreram inusitadas manifestações na União Soviética, contrárias à permanência dessas forças em território afegão. Se o líder russo deseja, de fato, estabelecer uma política de “transparência” na vida nacional, deve estar preparado para esses entrechoques, que tendem a se tornar cada vez mais freqüentes.
Mas Moscou não deseja, após oito anos de ocupação, sair de mãos abanando, com uma conotação de derrota, como aconteceu com os norte-americanos no Vietnã. Não se conforma em se dar por vencido diante de guerrilheiros esfarrapados e famintos, mas que possuem uma capacidade de combate que antes era insuspeitada, principalmente por uma razão essencial: porque estão defendendo o que é seu. Seu solo, seus costumes, suas contradições e misérias. É nisso que reside o impasse.
Os rebeldes aceitam uma única condição para depor armas: a saída completa e incondicional das tropas invasoras. A União Soviética garantiu que sai do Afeganistão, até em menos de 12 meses, desde que tenha uma garantia da total neutralidade desse país.
Os norte-americanos, por seu turno, que sustentaram a guerrilha, garantem que suspendem a ajuda que lhe fornecem, mas somente depois da retirada russa. É esse impasse que precisa ser resolvido. Alguém vai ter que ceder, e logo. Mas quem?
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 5 de janeiro de 1988).
Pedro J. Bondaczuk
O ano começa sob intensa movimentação diplomática, especialmente por parte das superpotências, com a chegada inesperada, ontem, a Cabul, do ministro das Relações Exteriores da União Soviética, Eduard Shervadnadze e do subsecretário de Estado norte-americano, Michael Armacost, ao Paquistão, ambos procurando a mesma coisa: a solução para o problema do Afeganistão, cuja guerra civil e ocupação militar entram em seu nono ano.
Por um motivo compreensível, nenhuma das duas chancelarias revelou a razão dos respectivos giros de seus representantes. Presume-se, porém, que as missões estejam dentro do contexto daquilo que Reagan e Gorbachev discutiram em Washington, acerca da questão afegã, na reunião de cúpula que mantiveram de 8 a 10 de dezembro passado. Algo de bom e surpreendente pode estar em andamento.
Uma coisa ficou bastante clara para todos. A exemplo do que ocorreu com os Estados Unidos, em 1975, em relação ao Vietnã, os soviéticos estão desesperados para voltar para casa. De todos os pontos de atrito que Moscou tem com o Ocidente, o pior é este, único que o atual líder do Cremlin não conseguiu equacionar a contento.
Mas sua preocupação, certamente, não se prende a esse motivo. As considerações de Gorbachev devem ser mais práticas, de âmbito doméstico, próximas, portanto, a ele mesmo. Há um evidente clima de descontentamento entre os familiares dos soldados que se arriscam à morte e à mutilação, num país que não é o seu, numa guerra que lhe é alheia e que ninguém entende a razão pela qual está sendo feita. Milhares já pagaram um alto preço por ela.
Há uns dez dias, ocorreram inusitadas manifestações na União Soviética, contrárias à permanência dessas forças em território afegão. Se o líder russo deseja, de fato, estabelecer uma política de “transparência” na vida nacional, deve estar preparado para esses entrechoques, que tendem a se tornar cada vez mais freqüentes.
Mas Moscou não deseja, após oito anos de ocupação, sair de mãos abanando, com uma conotação de derrota, como aconteceu com os norte-americanos no Vietnã. Não se conforma em se dar por vencido diante de guerrilheiros esfarrapados e famintos, mas que possuem uma capacidade de combate que antes era insuspeitada, principalmente por uma razão essencial: porque estão defendendo o que é seu. Seu solo, seus costumes, suas contradições e misérias. É nisso que reside o impasse.
Os rebeldes aceitam uma única condição para depor armas: a saída completa e incondicional das tropas invasoras. A União Soviética garantiu que sai do Afeganistão, até em menos de 12 meses, desde que tenha uma garantia da total neutralidade desse país.
Os norte-americanos, por seu turno, que sustentaram a guerrilha, garantem que suspendem a ajuda que lhe fornecem, mas somente depois da retirada russa. É esse impasse que precisa ser resolvido. Alguém vai ter que ceder, e logo. Mas quem?
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 5 de janeiro de 1988).
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