Sunday, March 04, 2012







Inflação não é acidente


Pedro J. Bondaczuk


As explosões sociais verificadas em fevereiro passado, na outrora próspera e pacata Venezuela, e agora na Argentina, com a onda de saques e pilhagens a supermercados e armazéns provocando um clima de tensão muito grande no país, devem servir no mínimo como lições a determinados políticos insensíveis, que se esquecem da missão que os eleitores lhes conferem quando os elegem e pensam apenas em sai próprios.

Agem como se o mandato que lhes foi conferido nas urnas seja um prêmio por alguma eventual virtude “suprema” que possuam, por “inspiração divina”, e não um trabalho a ser exercido. É evidente que ninguém aprova o que aconteceu na capital venezuelana, no início do ano, com a perda de 300 vidas e prejuízos materiais incalculáveis e nem o que se repete, posto que de forma um tanto atenuada, na Argentina.

É claro que os comerciantes, que tiveram seus estabelecimentos saqueados, nos dois casos, não são responsáveis por processos inflacionários. Eles são igualmente vítimas de políticas equivocadas. E mesmo que o fossem, não caberia à população “punir” suas eventuais faltas, cometendo outro delito, muito mais grave, que é o de se apropriar do que não lhe pertence.

Os atos lamentáveis verificados nos dois países foram frutos de puro desespero. O instinto de sobrevivência, básico em cada um de nós, é mais forte do que qualquer espécie de consideração moral. Mas a inflação não é, como procuram impingir a todo o momento à opinião pública, algo acidental (como uma catástrofe climática ou natural) impossível de ser evitada. Não se trata, também, de um balão que ninguém saiba de onde vem, desgovernado no ar, que as autoridades lutam titanicamente para controlar, e em vão.

Ela é a conseqüência de uma determinada “decisão política”. No caso argentino (e também nos da Venezuela e do Brasil), as altas taxas inflacionárias registradas têm, pelo menos em boa parte, sua origem na ineficiência e falta de controle governamentais. Na sua ausência de austeridade.

Se o leitor tiver uma empresa com faturamento mensal de NCz$ 50 mil e as despesas para o seu funcionamento chegarem a NCz$ 51 mil, não é preciso ser nenhum gênio em finanças para saber o que vai acontecer. Principalmente se ela contar com três funcionários fazendo tarefas onde um só seria suficiente. É o que ocorre com governos perdulários.

É o que acontece na Venezuela, por exemplo, onde o déficit público se tornou insuportável. O mesmo se verifica na Argentina, onde o rombo de caixa chega a catastróficos 15% do Produto Nacional Bruto. E também no Brasil.

De nada adianta tais governos tentarem “gerir” empresas alheias, que não lhes pertencem evidentemente, mediante pacotes e mais pacotes, congelamentos e achatamentos salariais, que só conseguem ter o efeito que o último deles no nosso vizinho do Rio da Prata teve. Levar a população humilde, aquela que vive abaixo da linha da miséria, ao pânico. O resultado só poderia ser o que foi: convulsão social.

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 2 de junho de 1989).

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