Friday, March 23, 2012







O mundo de olho em El Salvador


Pedro J. Bondaczuk


A cidadezinha salvadorenha de La Palma, não mais que um pequeno vilarejo, com meia dúzia de ruas e um casario pobre e velho, localizada na Província de Chalatenango, ao Norte de El Salvador, vai ser, a partir de amanhã, foco das atenções da imprensa mundial.
Nela, vai ser desenvolvida uma reunião que, se bem-sucedida, pode trazer uma série de conseqüências na estratégia das superpotências e amainar o clima de tensão reinante na América Central. Pela primeira vez, em cinco anos de guerra civil, guerrilheiros e governo salvadorenho aceitam reunir-se em torno de uma mesa de negociações, buscando um acordo para pôr fim a tanta matança inútil e desnecessária, como a que vem ocorrendo nesse longo período.
El Salvador, uma das menores e mais populosas Repúblicas centro-americanas, teve a sua vida, como sociedade nacional independente, caracterizada, principalmente, por regimes militares, ou seja, por uma sucessão de golpes, cujo derradeiro foi o chamado “dos coronéis”, ocorrido em outubro de 1979, oportunidade em que foi derrubado o general Carlos Romero, empossado em 1977, e substituído por uma junta, composta pelos coronéis Adolfo Majano, Jaime Abdul Gutierrez e pelos políticos Ramon Avalos, José Morales Ehrlich e José Napoleón Duarte, o atual presidente da República.
A expectativa dos observadores, na oportunidade, era a de que a mudança brusca de governo, aliás dentro da mais tradicional linha salvadorenha de trocas violentas de “gendarmes”, iria ensejar o alastramento para aquele país da eufemisticamente chamada “guerra de libertação”, dentro da estratégia soviética de penetração no continente (bem às barbas dos EUA) chamada de “dominó”. Isso é, a passagem de vários países centro-americanos para a esquerda, sucessivamente, um servindo de apoio a outro, até que toda a área estivesse em mãos de governos “revolucionários”.
Na oportunidade, fazia pouco tempo que os sandinistas haviam deposto, na Nicarágua, a ditadura da família Somozza. Honduras e Guatemala viam-se às voltas com guerrilhas, cujas ações tornavam-se crescentemente ousadas, dentro do esquema cubano de exportação de sua revolução.
Para complicar as coisas, as estruturas sociais salvadorenhas eram propícias para uma investida das esquerdas. Toda a riqueza nacional, por exemplo, estava (e praticamente ainda está) virtualmente em mãos de apenas 21 famílias.
A concentração de renda do país era uma das mais altas do mundo, com 5% das pessoas detendo a posse de 95% das riquezas salvadorenhas. El Salvador ocupava o topo das estatísticas de mortalidade infantil, analfabetismo, desemprego e subemprego. Ou seja, tinha um “caldo de cultura” ideal para o desenvolvimento dos germes do aventureirismo político e das convulsõesa sociais, diante do natural descontentamento e, mais do que isso, desencanto de um povo em relação ao seu próprio futuro.
É necessário que se frise, porém, a bem da verdade e por uma questão de justiça, que as ações mais revoltantes e os casos mais rumorosos registrados nestes cinco anos de guerra civil ficaram por conta ou do exército nacional, apoiado por armas e dólares norte-americanos, ou dos direitistas esquadrões da morte. Como o assassinato, seguido de estupro, das quatro religiosas da terra de Tio Sam, da Ordem Maryknoll, ocorrido em 2 de dezembro de 1980 e cujo julgamento ocorreu apenas neste ano, com resultados que não convenceram de todo a opinião pública.
Ou a morte, fria e cruel, de um estudante de apenas 18 anos, perante as câmeras de TV do mundo todo, que, deitado ao solo, de bruços, com ambas as mãos à cabeça, implorou, desesperado, por sua vida, em vão, recebendo por resposta um tiro na nuca. Ou a execução do grande líder espiritual salvadorenho, candidato ao Prêmio Nobel da Paz, o arcebispo de San Salvador, Dom Oscar Arnulfo Romero, metralhado quando rezava uma missa e que caiu morto sobre o altar. E existem mais, muito mais casos dessa natureza, ou até mesmo piores, que por circunstâncias várias, não chegaram às manchetes internacionais.
Não resta qualquer dúvida que a iniciativa do atual presidente, José Napoleón Duarte (que fez parte da Junta Cívico-Militar que assumiu o governo após o golpe dos coronéis e que foi um governante-tampão quando esta se esfacelou), eleito em maio, num pleito pacífico, mas contestado tanto pela esquerda, quanto pela direita, foi arrojada. E pode tornar-se histórica, caso logre a pacificação nacional.
Mas, o que todos deverão ter em mente, é a necessidade de uma modernização do país. De uma distribuição mais eqüitativa e racional de rendas. De um programa de massiva alfabetização e educação nos princípios mais rudimentares de saúde e de higiene. E de outros avanços mais, de caráter social, político, econômico e institucional. Somente assim, El Salvador estará a salvo de novos aventureirismos e poderá conquistar, de vez, um regime verdadeiramente democrático. Caso contrário, essa pacificação não passará de uma pausa para a próxima guerra civil.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 14 de outubro de 1984)


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: