Cérebro excepcional
Pedro J. Bondaczuk
O único caminho que o homem – esse animal que oscila entre a fera bronca e a divindade – tem para atingir a “grandeza” e satisfazer a plenitude de seu potencial, é “ser grande”. É agir. É desenvolver ao limite (que ninguém sabe qual é) esse órgão maravilhoso e misterioso que é o cérebro. É observar, racionalizar, valer-se da lógica, extrapolar, chegar ao pleno entendimento – que é o significado último, intrínseco, da palavra “inteligência” – e expressar, de maneira inteligível, de sorte que todos entendam, o que até então permanecia obscuro.
Tenho um fascínio, na verdade veneração, pela genialidade e por quem é dotado dela, o gênio. Quando me refiro a grandeza, permitam-me explicar, não estou pensando em tamanho, em estatura. Há muitas pessoas pequenas, minúsculas, frágeis fisicamente, com estatura mental incomensurável. Também não me refiro ao que para o vulgo significa ser grande, ou seja, contar com fortuna – que é passageira e ocasional cuja detenção só é possível enquanto o detentor estiver vivo. E nem penso em poder, que é efêmero e enganador, nem na fama, na glória ou em qualquer outra característica social que coloca algumas pessoas num patamar mais elevado das demais.
Quando me refiro a grandeza, estou pensando na lucidez mental. Na capacidade de ver e de entender o que pouquíssimos (não raro ninguém) vê e muito menos entende. Estes homens são raros, raríssimos. Por isso, quando aparecem, ganham, de imediato, projeção. Pessoas como Leonardo da Vinci, Isaac Newton, Charles Darwin, Galileo Galilei Galileu e Albert Einstein, e um punhado de alguns outros, não nascem em abundância e nem em todas gerações. Na atualidade temos, é certo, alguns tantos gênios. Volta e meia, tomamos conhecimento de alguns, notadamente quando galardoados com o Prêmio Nobel, de Física, de Química, de Medicina e de outras categorias.
Entre os gênios de todos os tempos, cujas figuras reverencio e de cuja genialidade procuro usufruir de alguma maneira, uma das que mais admiro (e sobre a qual pretendo tratar neste espaço nos próximos dias), é contemporânea. Tem quase um ano a mais de idade do que eu (nasceu em 8 de janeiro de 1942 e eu em 20 de janeiro de 1943). Nunca ganhou um Prêmio Nobel de Física (é físico), embora bem que o mereça e seja candidato natural, todos os anos, dessa premiação. Esse gênio que admiro e que invejo (com aquela inveja que é mais um elogio do que qualquer outra coisa, pois consiste em fazer da pessoa “invejada” paradigma do que se aspira alcançar) não é, fisicamente, privilegiado.
Não tem estatura avantajada, pelo contrário. É fragílimo (pesa somente 50 quilos, se tanto). Não tem nenhuma agilidade. Mas nenhuma mesmo. Não tem sequer mobilidade. Não consegue se locomover por conta própria. Precisa de assistência permanente para prover as necessidades básicas. Sem ajuda alheia, certamente, não sobreviveria nem por uma semana, ou menos. Morreria. E se isso viesse a acontecer (ou “quando” vier a acontecer, pois a morte é a única certeza que todos temos), seria (e será) uma perda irreparável para a ciência e, mais, para a humanidade.
Nem mesmo falar este gênio consegue, sem o providencial auxílio de um sintetizador de voz, acoplado a um computador. Dispõe, para comunicação com o mundo, de um vocabulário escasso, limitado a 2.600 palavras, com as quais mantém contato não só com a mulher (a enfermeira Elaine Mason, do segundo casamento) e com os três filhos e um neto, mas brinda o mundo com as maravilhas do seu cérebro genial, em livros que escreve e palestras, seminários e conferências que profere.
O leitor bem informado certamente já sabe a quem me refiro. É a ele, sim, ao físico e cosmólogo britânico, um dos mais consagrados cientistas da atualidade, Stephen William Hawking. Trata-se de uma espécie de síntese de Galileo Galilei Galileu, de Isaac Newton e de Albert Einstein. E se houver exagero nessa comparação, este é para menos e não para mais.
Atado a tamanha dependência física, biológica, que é total e absoluta, ditada por rara doença que o acometeu quando tinha apenas 21 anos de idade – a esclerose amiotrófica lateral, que é progressiva e que ainda não tem cura – esse gênio contesta um dito popular, um clichê que considero injusto e mentiroso, citado amiúde por cultores apenas do físico, em detrimento do intelecto e do espírito: “mens sana in corpore sano”. Essa afirmação não só não é verdadeira, como é injusta para com aqueles que com férrea vontade superam incríveis limitações.
A língua inglesa tem um termo apropriado para expressar a superação de determinadas deficiências mediante esforço pessoal, através do poder da vontade, permitindo que a pessoa que recorre a esse expediente faça praticamente tudo o que quem não tem esse tipo de obstáculo faz: “handicap”. Muita gente supera dificuldades absurdas, aparentemente insuperáveis. Mas não conheço nenhuma que o faça com a mesma determinação e naturalidade desse gênio da física.
Stephen Hawking deve ser analisado (sei que esta é a sua vontade), não pela capacidade de superação orgânica, mas pela clareza e excelência do pensamento. Mas é impossível dissociar uma coisa da outra, porquanto a segunda valoriza muito mais ainda a primeira. Ressalta a genialidade da sua percepção, e não somente do que o cerca no cotidiano, mas, sobretudo, de algo que vai além, muito além, mais amplo, incomensurável, posto que projetado em um eixo cartesiano cujo espaço é o infinito e cujo tempo é o eterno: o universo.
Entendo, porém, que sua vontade, e sobretudo, alegria de viver não devam ser encaradas, somente, como mero detalhe. São exemplares. E esse exemplo dignificante deve ser imitado por milhões de pessoas, privadas, também, da saúde, por circunstâncias fortuitas do acaso e que por essa razão se julgam “imprestáveis” e se entregam ao desalento. Sua atitude exemplar pode e deve servir, sobretudo, de estímulo para os que, no auge do vigor físico, se vêem atacados pelo tão nefasto (mas tão comum) “vírus” do desânimo. Voltarei, certamente, ao assunto e em termos mais objetivos e, por conseqüência, menos emocionais.
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