Violência anula o talento
* Pedro J. Bondaczuk
A performance brasileira na Copa do Mundo de 1966, na Inglaterra, restringiu-se a três partidas, com uma vitória, duas derrotas, quatro gols marcados e seis sofridos. Campanha paupérrima, como se vê, para quem defendia um bicampeonato e tinha jogadores excepcionais, em qualidade e também em profusão, ou seja, em quantidade. Sua participação nesse mundial, portanto, foi um desastre, um vexame, uma catástrofe esportiva.
Foi, contudo, caso típico da violência, da subversão das regras de jogo, da apelação anulando o talento. O Brasil foi para a Inglaterra para jogar bola. Seus adversários, todavia, estavam determi8nados a não deixar nossa Seleção fazer isso. É verdade que boa parte do fracasso se deveu à desorganização, à arrogância e à falta de planejamento brasileiros. Mas desconfio que mesmo que o Brasil fosse organizado, concentrado e eficiente, jamais iria adiante naquele mundial, organizado pelos ingleses para ficarem com a taça, nem que para isso fosse preciso burlar todas as normas futebolísticas.
Acompanhei o jogo de estréia brasileiro no setor de contabilidade da Rhodia, empresa multinacional do ramo químico, sediada em Paulínia, no Planalto Paulista, em que trabalhava na ocasião. Ouvi a transmissão dessa partida meio que escondido, a convite do amigo José Carlos Lonetta, que me pediu, no entanto, extrema discrição, pois estávamos em pleno horário de trabalho. Tínhamos que nos limitar, pois, a ouvir o jogo baixinho, sem dar um pio, sem fazer nenhum alarde e sequer os comentários tão comuns quando acompanhamos uma disputa de futebol.
Ou seja, não poderíamos gritar os gols do Brasil e nem mesmo esbravejar contra o técnico ou xingar o árbitro sempre que marcasse alguma falta duvidosa a dano do Brasil. Detesto acompanhar jogos dessa maneira, furtivamente, como se estivesse cometendo algum delito.
Naquele tempo, todavia, as empresas não liberavam seus funcionários para acompanharem a Seleção Brasileira em copas do mundo. Quem quisesse torcer para o Brasil, sem faltar ao trabalho (e as faltas não justificadas eram descontadas, assim como o repouso remunerado da semana) tinha que fazer peripécias para tapear os chefes. Muitos ouviam as narrações radiofônicas nos banheiros da firma e com fones de ouvido.
Na Rhodia, os chefes sabiam que ouvíamos os jogos nas dependências da empresa e em horário de trabalho, mas faziam vistas grossas para não descontentar os subordinados. Proibiam, oficialmente. Todavia... Este é o país do jeitinho. Só exigiam discrição, para evitar problemas com a diretoria.
O setor de contabilidade ficava no segundo andar do prédio da administração. Tinha pouco movimento e raras pessoas que não trabalhassem no local entravam lá. Para sermos mais discretos e passarmos despercebidos, ouvíamos a narração na sala do arquivo morto, abarrotada, até o teto, de uma infinidade de prateleiras e de armários de aço estufados de documentos. O ambiente cheirava a mofo e a papel velho. Mas quem se importava? Valia qualquer sacrifício para torcer por Pelé, Garrincha, Gilmar, Djalma Santos e companhia. Ainda mais porque eu tinha esperanças do tricampeonato, embora sem entrar na “pilha”, no clima de “já ganhou” da imprensa, que sempre me pareceu (e olhem que eu há décadas faço parte dela) ciclotímica, oscilando entre a absoluta depressão e a euforia irresponsável. Coisa de maluco, como se vê.
A estréia brasileira ocorreu em 12 de julho de 1966, em Liverpool, onde a Seleção faria todos seus jogos daquela Copa. A adversária era estreante em mundiais, a Bulgária, que praticava (e ainda pratica) um futebol tosco, primário, ingênuo, mas de muita marcação, feita, não raro, na base da força física e da violência. Seu forte nunca foi o talento e nem a eficiência.
O árbitro alemão ocidental Kurt Trehnsher fez um tipo de arbitragem a caráter para a equipe européia, mais grossa: ignorou, o jogo inteiro, as jogadas violentas, muitas sumamente desleais, dos zagueiros búlgaros, sobre nossos jogadores mais talentosos. Os alvos preferenciais eram, obviamente, Pelé e Garrincha.
A Seleção não jogou bem, é verdade, mas nem dava para jogar. A partida foi muito truncada e a arbitragem irritou nossos atletas. Creio que irritaria até estátua de pedra. O Brasil, contudo, fez o suficiente para ganhar por 2 a 0. Em condições normais, ou seja, com um árbitro que realmente seguisse as regras como deveria, venceria o frágil adversário por 5 ou 6 a 0, sem fazer muita força.
Pelé fez o primeiro gol brasileiro nesse mundial, no primeiro tempo. Garrincha completou o placar, no segundo. Os búlgaros, reitero, não deixaram os brasileiros jogarem. Bastava algum jogador nosso pegar a bola para logo ser derrubado por uma rasteira ridícula ou por algum carrinho homicida. E o árbitro? Nem se tocava! Fingia que não era com ele. Os dois gols brasileiros saíram da única forma possível: na cobrança de faltas.
No segundo jogo, disputado em 15 de julho de 1966, as coisas, no aspecto disciplinar, se repetiram. Os húngaros, a exemplo do que haviam feito em 1954, também bateram, e bateram muito nos nossos jogadores. Acho estranho que os historiadores, ao abordarem aquela Copa, tenham omitido esse aspecto da violência. É gente do contra, que fica em transe de felicidade quando pode falar mal do Brasil. Se não gostam do país, por que não se mudam daqui?
O árbitro inglês, Kenneth Dagnal, não apitava a maioria das faltas sofridas pelos nossos jogadores alegando simulação. Achava que os brasileiros eram “malandros” e bons atores na tentativa de confundir a arbitragem. Puro preconceito. Um pilantra que ele era, isto sim.
Pelé não disputou esta partida, pois não se recuperou a tempo das pancadas recebidas no jogo contra a Bulgária. Depois ainda me acusam de bairrista quando levanto suspeitas de armação nessa Copa! Ora, com o Brasil fora do caminho, claro que as coisas ficariam mais fáceis para os ingleses. Ou será que eles temiam búlgaros, húngaros ou portugueses? Nem teria lógica!
O Brasil jogou com a Hungria parece que com medo (pudera) e o desempenho da equipe foi sofrível. Resultado? Derrota por 3 a 1. O primeiro tempo até que terminou empatado9, com um gol de Tostão, que estreava em Copas. Mas no segundo... Bem, deixa pra lá!
O jogo seguinte, contra Portugal, seria decisivo para o Brasil. Qualquer tropeço, significaria sua eliminação logo na primeira fase. Ninguém queria acreditar nessa possibilidade. Se na partida anterior, a Seleção ficara sem Pelé, nesta ficaria sem Garrincha.
Feola quis dar uma mexida nos brios dos brasileiros e mandou a campo uma equipe totalmente modificada, ou seja, com maioria de jogadores considerados reservas. Enfrentaram os portugueses: Manga, Fidélis, Brito, Orlando e Rildo; Denilson e Lima; Jairzinho, Silvca, Pelé e Paraná.
Nesse jogo, a arbitragem foi do inglês G. McCabe. Foi uma das piores coisas que já vi em décadas que acompanho futebol. A defesa portuguesa estava determinada a parar o nosso ataque de todas as maneiras. O que Vicente, Hilário e Jaime Graça fizeram com Pelé pode ser caracterizado como tentativa de homicídio. E nenhum dos três foi expulso ou sequer advertido com seriedade. Tanto bateram, que conseguiram tirá-lo de campo, carregado pelo massagista Mário Américo, sem sequer poder pisar no chão.
Para complicar, no ataque português o moçambicano Eusébio fazia misérias. O primeiro tempo terminou com 2 a 0 para Portugal. Até hoje não me conformo com a deslealdade dos nossos patrícios nesse jogo e olhem que eles eram comandados por um técnico brasileiro, Otto Glória. Eles tinham time para pelo menos tentar nos vencer limpamente, sem recorrer à apelação. A derrota, por 3 a 1, (o nosso gol foi do lateral esquerdo Rildo) resultou na desclassificação prematura do Brasil. É verdade que a violência anulou o talento, mas apenas conseguiu adiar o tricampeonato brasileiro por quatro anos. Podíamos esperar!
* Pedro J. Bondaczuk
A performance brasileira na Copa do Mundo de 1966, na Inglaterra, restringiu-se a três partidas, com uma vitória, duas derrotas, quatro gols marcados e seis sofridos. Campanha paupérrima, como se vê, para quem defendia um bicampeonato e tinha jogadores excepcionais, em qualidade e também em profusão, ou seja, em quantidade. Sua participação nesse mundial, portanto, foi um desastre, um vexame, uma catástrofe esportiva.
Foi, contudo, caso típico da violência, da subversão das regras de jogo, da apelação anulando o talento. O Brasil foi para a Inglaterra para jogar bola. Seus adversários, todavia, estavam determi8nados a não deixar nossa Seleção fazer isso. É verdade que boa parte do fracasso se deveu à desorganização, à arrogância e à falta de planejamento brasileiros. Mas desconfio que mesmo que o Brasil fosse organizado, concentrado e eficiente, jamais iria adiante naquele mundial, organizado pelos ingleses para ficarem com a taça, nem que para isso fosse preciso burlar todas as normas futebolísticas.
Acompanhei o jogo de estréia brasileiro no setor de contabilidade da Rhodia, empresa multinacional do ramo químico, sediada em Paulínia, no Planalto Paulista, em que trabalhava na ocasião. Ouvi a transmissão dessa partida meio que escondido, a convite do amigo José Carlos Lonetta, que me pediu, no entanto, extrema discrição, pois estávamos em pleno horário de trabalho. Tínhamos que nos limitar, pois, a ouvir o jogo baixinho, sem dar um pio, sem fazer nenhum alarde e sequer os comentários tão comuns quando acompanhamos uma disputa de futebol.
Ou seja, não poderíamos gritar os gols do Brasil e nem mesmo esbravejar contra o técnico ou xingar o árbitro sempre que marcasse alguma falta duvidosa a dano do Brasil. Detesto acompanhar jogos dessa maneira, furtivamente, como se estivesse cometendo algum delito.
Naquele tempo, todavia, as empresas não liberavam seus funcionários para acompanharem a Seleção Brasileira em copas do mundo. Quem quisesse torcer para o Brasil, sem faltar ao trabalho (e as faltas não justificadas eram descontadas, assim como o repouso remunerado da semana) tinha que fazer peripécias para tapear os chefes. Muitos ouviam as narrações radiofônicas nos banheiros da firma e com fones de ouvido.
Na Rhodia, os chefes sabiam que ouvíamos os jogos nas dependências da empresa e em horário de trabalho, mas faziam vistas grossas para não descontentar os subordinados. Proibiam, oficialmente. Todavia... Este é o país do jeitinho. Só exigiam discrição, para evitar problemas com a diretoria.
O setor de contabilidade ficava no segundo andar do prédio da administração. Tinha pouco movimento e raras pessoas que não trabalhassem no local entravam lá. Para sermos mais discretos e passarmos despercebidos, ouvíamos a narração na sala do arquivo morto, abarrotada, até o teto, de uma infinidade de prateleiras e de armários de aço estufados de documentos. O ambiente cheirava a mofo e a papel velho. Mas quem se importava? Valia qualquer sacrifício para torcer por Pelé, Garrincha, Gilmar, Djalma Santos e companhia. Ainda mais porque eu tinha esperanças do tricampeonato, embora sem entrar na “pilha”, no clima de “já ganhou” da imprensa, que sempre me pareceu (e olhem que eu há décadas faço parte dela) ciclotímica, oscilando entre a absoluta depressão e a euforia irresponsável. Coisa de maluco, como se vê.
A estréia brasileira ocorreu em 12 de julho de 1966, em Liverpool, onde a Seleção faria todos seus jogos daquela Copa. A adversária era estreante em mundiais, a Bulgária, que praticava (e ainda pratica) um futebol tosco, primário, ingênuo, mas de muita marcação, feita, não raro, na base da força física e da violência. Seu forte nunca foi o talento e nem a eficiência.
O árbitro alemão ocidental Kurt Trehnsher fez um tipo de arbitragem a caráter para a equipe européia, mais grossa: ignorou, o jogo inteiro, as jogadas violentas, muitas sumamente desleais, dos zagueiros búlgaros, sobre nossos jogadores mais talentosos. Os alvos preferenciais eram, obviamente, Pelé e Garrincha.
A Seleção não jogou bem, é verdade, mas nem dava para jogar. A partida foi muito truncada e a arbitragem irritou nossos atletas. Creio que irritaria até estátua de pedra. O Brasil, contudo, fez o suficiente para ganhar por 2 a 0. Em condições normais, ou seja, com um árbitro que realmente seguisse as regras como deveria, venceria o frágil adversário por 5 ou 6 a 0, sem fazer muita força.
Pelé fez o primeiro gol brasileiro nesse mundial, no primeiro tempo. Garrincha completou o placar, no segundo. Os búlgaros, reitero, não deixaram os brasileiros jogarem. Bastava algum jogador nosso pegar a bola para logo ser derrubado por uma rasteira ridícula ou por algum carrinho homicida. E o árbitro? Nem se tocava! Fingia que não era com ele. Os dois gols brasileiros saíram da única forma possível: na cobrança de faltas.
No segundo jogo, disputado em 15 de julho de 1966, as coisas, no aspecto disciplinar, se repetiram. Os húngaros, a exemplo do que haviam feito em 1954, também bateram, e bateram muito nos nossos jogadores. Acho estranho que os historiadores, ao abordarem aquela Copa, tenham omitido esse aspecto da violência. É gente do contra, que fica em transe de felicidade quando pode falar mal do Brasil. Se não gostam do país, por que não se mudam daqui?
O árbitro inglês, Kenneth Dagnal, não apitava a maioria das faltas sofridas pelos nossos jogadores alegando simulação. Achava que os brasileiros eram “malandros” e bons atores na tentativa de confundir a arbitragem. Puro preconceito. Um pilantra que ele era, isto sim.
Pelé não disputou esta partida, pois não se recuperou a tempo das pancadas recebidas no jogo contra a Bulgária. Depois ainda me acusam de bairrista quando levanto suspeitas de armação nessa Copa! Ora, com o Brasil fora do caminho, claro que as coisas ficariam mais fáceis para os ingleses. Ou será que eles temiam búlgaros, húngaros ou portugueses? Nem teria lógica!
O Brasil jogou com a Hungria parece que com medo (pudera) e o desempenho da equipe foi sofrível. Resultado? Derrota por 3 a 1. O primeiro tempo até que terminou empatado9, com um gol de Tostão, que estreava em Copas. Mas no segundo... Bem, deixa pra lá!
O jogo seguinte, contra Portugal, seria decisivo para o Brasil. Qualquer tropeço, significaria sua eliminação logo na primeira fase. Ninguém queria acreditar nessa possibilidade. Se na partida anterior, a Seleção ficara sem Pelé, nesta ficaria sem Garrincha.
Feola quis dar uma mexida nos brios dos brasileiros e mandou a campo uma equipe totalmente modificada, ou seja, com maioria de jogadores considerados reservas. Enfrentaram os portugueses: Manga, Fidélis, Brito, Orlando e Rildo; Denilson e Lima; Jairzinho, Silvca, Pelé e Paraná.
Nesse jogo, a arbitragem foi do inglês G. McCabe. Foi uma das piores coisas que já vi em décadas que acompanho futebol. A defesa portuguesa estava determinada a parar o nosso ataque de todas as maneiras. O que Vicente, Hilário e Jaime Graça fizeram com Pelé pode ser caracterizado como tentativa de homicídio. E nenhum dos três foi expulso ou sequer advertido com seriedade. Tanto bateram, que conseguiram tirá-lo de campo, carregado pelo massagista Mário Américo, sem sequer poder pisar no chão.
Para complicar, no ataque português o moçambicano Eusébio fazia misérias. O primeiro tempo terminou com 2 a 0 para Portugal. Até hoje não me conformo com a deslealdade dos nossos patrícios nesse jogo e olhem que eles eram comandados por um técnico brasileiro, Otto Glória. Eles tinham time para pelo menos tentar nos vencer limpamente, sem recorrer à apelação. A derrota, por 3 a 1, (o nosso gol foi do lateral esquerdo Rildo) resultou na desclassificação prematura do Brasil. É verdade que a violência anulou o talento, mas apenas conseguiu adiar o tricampeonato brasileiro por quatro anos. Podíamos esperar!
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