Rumo ao bi mundial
Pedro J. Bondaczuk
Acompanhei os jogos da (para o Brasil) dramática fase de classificação da Copa do Mundo de 1962, no Chile, em que quase nossa Seleção foi eliminada pela Espanha, pelo rádio, em casa, no meu quarto, sozinho, tenso e quase sempre no escuro.
A emissora para a qual eu então trabalhava tinha enviado equipe própria para cobrir o Mundial in loco. O acompanhamento dos jogos forçou-me a assumir dupla personalidade, tipo Dr. Jekyll e Mister Hyde, a ficar um tanto (ou totalmente, sei lá) dividido entre o torcedor apaixonado e irracional que sempre fui e o profissional de comunicação em que me tornei, atento e, sobretudo, isento.
Ocorre que eu havia sido escalado, pela direção da rádio, para participar das mesas-redondas sobre a Copa e não poderia decepcionar e nem dar vexame. Mas então eu já contava com preciosa aliada na busca pela requerida objetividade: a televisão. Ainda não eram possíveis transmissões ao vivo, diretas, dos estádios chilenos, via satélite. Mas havia o recurso do vídeotaipe, posto que em preto e branco.
Dada a relativa proximidade do Chile, os jogos (gravados) eram exibidos, muitas vezes, nos próprios dias que ocorriam, algumas horas depois de sua realização. As fitas eram enviadas ao Brasil por via aérea.
Para mim, esse foi um arranjo espetacular. Quem acompanhava as partidas pelo rádio, tenso e querendo de alguma forma participar do jogo, era o Pedro torcedor, que nunca deixou de torcer para o Brasil, mesmo que esse participasse de mero campeonato mundial de palitinho (ou de cuspe à distância, como queiram).
Já quem assistia os vídeos pela televisão, à cata de minúcias, de virtudes e de defeitos, era o Pedro radialista, o comunicador, o comentarista, o formador de opinião. Ainda assim, nas mesas-redondas que participei temo que não consegui disfarçar a paixão e a parcialidade que sempre tive quando meu País está envolvido. Tanto que no jogo com a Espanha, teimei com todo mundo que Nilton Santos não cometeu pênalti no ponta espanhol (felizmente não marcado), quando a imagem era clara e mostrava o contrário.
Depois da dramática classificação brasileira para as quartas-de-final, minha intuição dizia que ninguém conseguiria nos impedir da conquista do bicampeonato. O adversário seguinte era dos mais qualificados e perigosos. Havíamos empatado com ele quatro anos antes, na Suécia. E perdêramos alguns amistosos.
A Inglaterra, país inventor do futebol, cruzava, mais uma vez, nosso caminho, agora em Viña Del Mar, em 10 de junho de 1962. E nós estávamos sem Pelé. Só que os pessimistas se esqueceram que tínhamos Garrincha, e que na ocasião estava apaixonado, e que decidira “carregar o Brasil nas costas”, na ausência do rei. E como carregou!
Nossa Seleção jogou muito nesse dia e, embora o primeiro tempo terminasse empatado, por 1 a 1, esbanjou categoria e mandou o adversário mais cedo para casa. O Mané da perna torta fez dois gols nesse jogo e deu o terceiro para Vavá fazer.
Novamente, apesar do fantasma das contusões, o Brasil estava entre os quatro melhores do mundo. Mas era pouco para aquela geração vencedora. Queria mais, muito mais. Queria o título da competição, queria o bicampeonato. Mas, para ter a chance de buscá-lo, teria que superar um enorme obstáculo. Vencer o dono da casa, o Chile, em pleno Estádio Nacional de Santiago.
O jogo, disputado perante um público de 77 mil pessoas, foi verdadeira batalha campal, em que se misturaram, de ambas as partes, técnica, raça, garra, força física e boa dose de violência. Mas tínhamos algo que os chilenos não tinham: um Garrincha endiabrado, que só faltava fazer chover.
O Mané fez de tudo nesse dia. Driblou, cruzou, chutou de todos os jeitos, marcou, deu carrinho, bateu faltas, fez o diabo! Até expulso ele foi! Depois de apanhar muito do lateral Rojas, sob o acovardado olhar do peruano Arturo Yamazaki, e de levar uma cusparada do chileno, nosso capitão não se conteve. Partiu para o revide e acertou um pontapé no seu ofensor.
Foi mais cedo para o chuveiro. Mas não importava. Fizera dois gols e participara dos outros dois, marcados por Vavá (sempre ele!). O Brasil havia vencido a batalha de Santiago. Estava, pois, a uma única e solitária vitória da conquista da sua segunda Copa do Mundo consecutiva.
Fiz um poema, na ocasião, para Garrincha, inspirado neste jogo (que tive a oportunidade de publicar em duas oportunidades neste espaço). O anjo da perna torta, pelas atuações marcantes que teve em 1962, mereceria sorte melhor do que a que teve. Mereceria uma estátua? Talvez! Mereceria dar nome a estádios? Sem dúvida. Mas merecia, sobretudo, mais carinho e atenção, para não morrer solitário, triste e na semi-indigência, como morreu, sem a mínima ajuda dos tantos que exploraram os seus feitos e sua imagem e se aproveitaram da sua ingenuidade, de eterno menino, para enriquecer às suas custas.
Pedro J. Bondaczuk
Acompanhei os jogos da (para o Brasil) dramática fase de classificação da Copa do Mundo de 1962, no Chile, em que quase nossa Seleção foi eliminada pela Espanha, pelo rádio, em casa, no meu quarto, sozinho, tenso e quase sempre no escuro.
A emissora para a qual eu então trabalhava tinha enviado equipe própria para cobrir o Mundial in loco. O acompanhamento dos jogos forçou-me a assumir dupla personalidade, tipo Dr. Jekyll e Mister Hyde, a ficar um tanto (ou totalmente, sei lá) dividido entre o torcedor apaixonado e irracional que sempre fui e o profissional de comunicação em que me tornei, atento e, sobretudo, isento.
Ocorre que eu havia sido escalado, pela direção da rádio, para participar das mesas-redondas sobre a Copa e não poderia decepcionar e nem dar vexame. Mas então eu já contava com preciosa aliada na busca pela requerida objetividade: a televisão. Ainda não eram possíveis transmissões ao vivo, diretas, dos estádios chilenos, via satélite. Mas havia o recurso do vídeotaipe, posto que em preto e branco.
Dada a relativa proximidade do Chile, os jogos (gravados) eram exibidos, muitas vezes, nos próprios dias que ocorriam, algumas horas depois de sua realização. As fitas eram enviadas ao Brasil por via aérea.
Para mim, esse foi um arranjo espetacular. Quem acompanhava as partidas pelo rádio, tenso e querendo de alguma forma participar do jogo, era o Pedro torcedor, que nunca deixou de torcer para o Brasil, mesmo que esse participasse de mero campeonato mundial de palitinho (ou de cuspe à distância, como queiram).
Já quem assistia os vídeos pela televisão, à cata de minúcias, de virtudes e de defeitos, era o Pedro radialista, o comunicador, o comentarista, o formador de opinião. Ainda assim, nas mesas-redondas que participei temo que não consegui disfarçar a paixão e a parcialidade que sempre tive quando meu País está envolvido. Tanto que no jogo com a Espanha, teimei com todo mundo que Nilton Santos não cometeu pênalti no ponta espanhol (felizmente não marcado), quando a imagem era clara e mostrava o contrário.
Depois da dramática classificação brasileira para as quartas-de-final, minha intuição dizia que ninguém conseguiria nos impedir da conquista do bicampeonato. O adversário seguinte era dos mais qualificados e perigosos. Havíamos empatado com ele quatro anos antes, na Suécia. E perdêramos alguns amistosos.
A Inglaterra, país inventor do futebol, cruzava, mais uma vez, nosso caminho, agora em Viña Del Mar, em 10 de junho de 1962. E nós estávamos sem Pelé. Só que os pessimistas se esqueceram que tínhamos Garrincha, e que na ocasião estava apaixonado, e que decidira “carregar o Brasil nas costas”, na ausência do rei. E como carregou!
Nossa Seleção jogou muito nesse dia e, embora o primeiro tempo terminasse empatado, por 1 a 1, esbanjou categoria e mandou o adversário mais cedo para casa. O Mané da perna torta fez dois gols nesse jogo e deu o terceiro para Vavá fazer.
Novamente, apesar do fantasma das contusões, o Brasil estava entre os quatro melhores do mundo. Mas era pouco para aquela geração vencedora. Queria mais, muito mais. Queria o título da competição, queria o bicampeonato. Mas, para ter a chance de buscá-lo, teria que superar um enorme obstáculo. Vencer o dono da casa, o Chile, em pleno Estádio Nacional de Santiago.
O jogo, disputado perante um público de 77 mil pessoas, foi verdadeira batalha campal, em que se misturaram, de ambas as partes, técnica, raça, garra, força física e boa dose de violência. Mas tínhamos algo que os chilenos não tinham: um Garrincha endiabrado, que só faltava fazer chover.
O Mané fez de tudo nesse dia. Driblou, cruzou, chutou de todos os jeitos, marcou, deu carrinho, bateu faltas, fez o diabo! Até expulso ele foi! Depois de apanhar muito do lateral Rojas, sob o acovardado olhar do peruano Arturo Yamazaki, e de levar uma cusparada do chileno, nosso capitão não se conteve. Partiu para o revide e acertou um pontapé no seu ofensor.
Foi mais cedo para o chuveiro. Mas não importava. Fizera dois gols e participara dos outros dois, marcados por Vavá (sempre ele!). O Brasil havia vencido a batalha de Santiago. Estava, pois, a uma única e solitária vitória da conquista da sua segunda Copa do Mundo consecutiva.
Fiz um poema, na ocasião, para Garrincha, inspirado neste jogo (que tive a oportunidade de publicar em duas oportunidades neste espaço). O anjo da perna torta, pelas atuações marcantes que teve em 1962, mereceria sorte melhor do que a que teve. Mereceria uma estátua? Talvez! Mereceria dar nome a estádios? Sem dúvida. Mas merecia, sobretudo, mais carinho e atenção, para não morrer solitário, triste e na semi-indigência, como morreu, sem a mínima ajuda dos tantos que exploraram os seus feitos e sua imagem e se aproveitaram da sua ingenuidade, de eterno menino, para enriquecer às suas custas.
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