A boa convocação
Pedro J. Bondaczuk
Uma seleção para ser campeã do mundo não pode ter somente os onze titulares de excelente qualidade, mesmo que todos eles sejam craques que desequilibrem. Precisa contar, também, com reservas à altura e que acrescentem algo de diferente (positivo, claro) à equipe, sempre que solicitados. De preferência, o desejável é que tenham características bem diferentes daqueles a que poderão substituir numa eventualidade, dando o máximo de opções ao treinador.
Foi, todavia, o que, por exemplo, faltou à Seleção convocada por Dunga para a disputa da Copa do Mundo da África do Sul. Todos vimos no que isso deu. Não se pode dizer que o time-base brasileiro seja ruim, longe disso. Mas todas as vezes que o técnico precisou de algum jogador que pudesse mudar o andamento de algum jogo (como Ganso, Neymar, Ronaldinho Gaúcho ou Pato), não o encontrou em seu banco de reservas. Por que? Simplesmente porque não o convocou.
Dunga tratou a Seleção como coisa sua, como assunto particular que não dissesse respeito a mais ninguém se não a ele, como propriedade em que poderia fazer e desfazer sem dar satisfações a quem quer que fosse. Mas a culpa não foi dele. Foi de quem lhe deu tamanha e irrestrita liberdade.
O treinador turrão e disciplinador pregou “comprometimento” dos jogadores, o que não é ruim, se não vier isolado e, convenhamos, isso ele conseguiu. Não se pode acusar um único atleta de haver feito corpo mole nas cinco partidas do Brasil. Todos se esforçaram, mas o que faltou foi o que em várias outras ocasiões sobrava na Seleção Brasileira: futebol.
Em nome do comprometimento, Dunga sacrificou a técnica, levando para a África do Sul jogadores que atravessam más fases em seus clubes, deixando de levar alguns que estão “voando”, mas que não estiveram comprometidos com o treinador, e nem salvaram o seu pescoço nos últimos três anos e meio. Deu no que deu. Novo vexame e uma classificação (6º lugar) pior do que a de 2006 (5º lugar). Por que? Porque nosso comandante cometeu um imperdoável erro estratégico já a partir do instante da convocação.
O mesmo não ocorreu em 1962, com Aimoré Moreira. Convocou os melhores da ocasião, inclusive vários contundidos, mas com esperanças de recuperação a tempo de encararem a Copa. Faço questão de lembrar quais eram os reservas naquela oportunidade, pois eles também foram campeões mundiais, mesmo que esquecidos pela história.
O eventual substituto de Gilmar no gol brasileiro, Carlos Castilho, por exemplo, era experientíssimo em mundiais. Havia sido reserva de Barbosa em 1950, titular em 1954 e novamente reserva em 1958. Quando pendurou as chuteiras, tornou-se um técnico vitorioso, ganhando muitos dólares e títulos, principalmente no exterior.
Nos anos 90, cometeu suicídio, cuja razão ninguém entendeu até hoje, já que perpetrou seu tresloucado ato na véspera do embarque para um país do mundo árabe, que não me lembro qual foi, onde havia assinado um contrato milionário.
Para a lateral direita, Aimoré estava levando, para a reserva de Djalma Santos, Jair Marinho do Fluminense, mais marcador do que o titular, que era melhor no passe. Quanto a Bellini, então no São Paulo, nem é preciso ressaltar suas qualidades técnicas e sua capacidade de liderança.
Entre os quartos-zagueiros, Zózimo, do Bangu, e Jurandir, do tricolor paulista se equivaliam, embora o atleta sãopaulino fosse mais habilidoso. Mas não tanto que o tornasse detentor da titularidade da Seleção.
Missão impossível tinha o lateral esquerdo Altair, do Fluminense, que disputava posição sabem com quem? Com Nilton Santos! Justo com o jogador tão completo que era apelidado de “Enciclopédia do Futebol”! Não tinha, pois (como de fato nunca teve) chance alguma de entrar jogando. Mas era muito bom lateral! Se precisassem dele... Era um marcador implacável.
No meio de campo, o pernambucano Zequinha, do Palmeiras, estava à altura do santista Zito, embora sem a experiência internacional deste. O eventual substituto de Garrincha, Jair da Costa, era uma flecha, ou seja, velocíssimo. Fez carreira no exterior, depois da Copa, atuando pela Internacional de Milão. Foi, a exemplo de Julinho, revelado pela Portuguesa.
Mengálvio só não foi titular de Aimoré porque tinha que competir com Didi. E este, sabem como é, era um gênio na posição. Mas se precisasse entrar jogando não faria a torcida sentir falta alguma do dono daquele setor, do inventor da famosa “folha seca”.
Coutinho, em princípio, era para ser o centroavante titular, fazendo dupla com Pelé, na expectativa de ambos levarem para a Seleção as tais infernais tabelinhas que faziam com a camisa do Santos. Contudo, os dois não puderam jogar, nem juntos e nem separados. O sempre eficiente Vavá, então no Palmeiras, e o novato Amarildo, do Botafogo, mais tarde apelidado de “O Possesso”, formaram a dupla ofensiva e não decepcionaram.
Já os pontas-esquerdas Pepe e Zagallo não tinham nada em comum. A torcida preferia o primeiro. Aimoré, a exemplo do que ocorrera em 1958 com Feola, optava pelo segundo. Pepe (o que é raro num jogador da posição) era artilheiro. Foi o segundo em número de gols feitos com a camisa do Santos (420) em toda a história do clube. Foi superado, apenas, por Pelé. “Mas esse não conta, pois é ET”, diz o simpático e bem-humorado José Macias, ainda hoje, nas deliciosas entrevistas que dá.
Já Zagallo, embora também fizesse seus golzinhos, jogava mais no meio de campo, marcando as saídas de bola adversárias e puxando contra-ataques. A defesa, com isso, ficava melhor guarnecida. Embora jogasse com a camisa 11, portanto, não era propriamente um ponta-esquerda.
Como se vê, Aimoré Moreira não convocou nenhum cabeça de bagre para vestir a amarelinha do Brasil, apenas por comprometimento com o seu trabalho ou com o grupo. Afinal, Seleção não é nenhuma ação entre amigos. Para haver coerência, tem sempre que contar com os melhores. Que fiquem, pois, as lições positivas, de 1962, e também as negativas, de 2010, para 2014, para que o Brasil não repita a “tragédia grega” de 1950.
Pedro J. Bondaczuk
Uma seleção para ser campeã do mundo não pode ter somente os onze titulares de excelente qualidade, mesmo que todos eles sejam craques que desequilibrem. Precisa contar, também, com reservas à altura e que acrescentem algo de diferente (positivo, claro) à equipe, sempre que solicitados. De preferência, o desejável é que tenham características bem diferentes daqueles a que poderão substituir numa eventualidade, dando o máximo de opções ao treinador.
Foi, todavia, o que, por exemplo, faltou à Seleção convocada por Dunga para a disputa da Copa do Mundo da África do Sul. Todos vimos no que isso deu. Não se pode dizer que o time-base brasileiro seja ruim, longe disso. Mas todas as vezes que o técnico precisou de algum jogador que pudesse mudar o andamento de algum jogo (como Ganso, Neymar, Ronaldinho Gaúcho ou Pato), não o encontrou em seu banco de reservas. Por que? Simplesmente porque não o convocou.
Dunga tratou a Seleção como coisa sua, como assunto particular que não dissesse respeito a mais ninguém se não a ele, como propriedade em que poderia fazer e desfazer sem dar satisfações a quem quer que fosse. Mas a culpa não foi dele. Foi de quem lhe deu tamanha e irrestrita liberdade.
O treinador turrão e disciplinador pregou “comprometimento” dos jogadores, o que não é ruim, se não vier isolado e, convenhamos, isso ele conseguiu. Não se pode acusar um único atleta de haver feito corpo mole nas cinco partidas do Brasil. Todos se esforçaram, mas o que faltou foi o que em várias outras ocasiões sobrava na Seleção Brasileira: futebol.
Em nome do comprometimento, Dunga sacrificou a técnica, levando para a África do Sul jogadores que atravessam más fases em seus clubes, deixando de levar alguns que estão “voando”, mas que não estiveram comprometidos com o treinador, e nem salvaram o seu pescoço nos últimos três anos e meio. Deu no que deu. Novo vexame e uma classificação (6º lugar) pior do que a de 2006 (5º lugar). Por que? Porque nosso comandante cometeu um imperdoável erro estratégico já a partir do instante da convocação.
O mesmo não ocorreu em 1962, com Aimoré Moreira. Convocou os melhores da ocasião, inclusive vários contundidos, mas com esperanças de recuperação a tempo de encararem a Copa. Faço questão de lembrar quais eram os reservas naquela oportunidade, pois eles também foram campeões mundiais, mesmo que esquecidos pela história.
O eventual substituto de Gilmar no gol brasileiro, Carlos Castilho, por exemplo, era experientíssimo em mundiais. Havia sido reserva de Barbosa em 1950, titular em 1954 e novamente reserva em 1958. Quando pendurou as chuteiras, tornou-se um técnico vitorioso, ganhando muitos dólares e títulos, principalmente no exterior.
Nos anos 90, cometeu suicídio, cuja razão ninguém entendeu até hoje, já que perpetrou seu tresloucado ato na véspera do embarque para um país do mundo árabe, que não me lembro qual foi, onde havia assinado um contrato milionário.
Para a lateral direita, Aimoré estava levando, para a reserva de Djalma Santos, Jair Marinho do Fluminense, mais marcador do que o titular, que era melhor no passe. Quanto a Bellini, então no São Paulo, nem é preciso ressaltar suas qualidades técnicas e sua capacidade de liderança.
Entre os quartos-zagueiros, Zózimo, do Bangu, e Jurandir, do tricolor paulista se equivaliam, embora o atleta sãopaulino fosse mais habilidoso. Mas não tanto que o tornasse detentor da titularidade da Seleção.
Missão impossível tinha o lateral esquerdo Altair, do Fluminense, que disputava posição sabem com quem? Com Nilton Santos! Justo com o jogador tão completo que era apelidado de “Enciclopédia do Futebol”! Não tinha, pois (como de fato nunca teve) chance alguma de entrar jogando. Mas era muito bom lateral! Se precisassem dele... Era um marcador implacável.
No meio de campo, o pernambucano Zequinha, do Palmeiras, estava à altura do santista Zito, embora sem a experiência internacional deste. O eventual substituto de Garrincha, Jair da Costa, era uma flecha, ou seja, velocíssimo. Fez carreira no exterior, depois da Copa, atuando pela Internacional de Milão. Foi, a exemplo de Julinho, revelado pela Portuguesa.
Mengálvio só não foi titular de Aimoré porque tinha que competir com Didi. E este, sabem como é, era um gênio na posição. Mas se precisasse entrar jogando não faria a torcida sentir falta alguma do dono daquele setor, do inventor da famosa “folha seca”.
Coutinho, em princípio, era para ser o centroavante titular, fazendo dupla com Pelé, na expectativa de ambos levarem para a Seleção as tais infernais tabelinhas que faziam com a camisa do Santos. Contudo, os dois não puderam jogar, nem juntos e nem separados. O sempre eficiente Vavá, então no Palmeiras, e o novato Amarildo, do Botafogo, mais tarde apelidado de “O Possesso”, formaram a dupla ofensiva e não decepcionaram.
Já os pontas-esquerdas Pepe e Zagallo não tinham nada em comum. A torcida preferia o primeiro. Aimoré, a exemplo do que ocorrera em 1958 com Feola, optava pelo segundo. Pepe (o que é raro num jogador da posição) era artilheiro. Foi o segundo em número de gols feitos com a camisa do Santos (420) em toda a história do clube. Foi superado, apenas, por Pelé. “Mas esse não conta, pois é ET”, diz o simpático e bem-humorado José Macias, ainda hoje, nas deliciosas entrevistas que dá.
Já Zagallo, embora também fizesse seus golzinhos, jogava mais no meio de campo, marcando as saídas de bola adversárias e puxando contra-ataques. A defesa, com isso, ficava melhor guarnecida. Embora jogasse com a camisa 11, portanto, não era propriamente um ponta-esquerda.
Como se vê, Aimoré Moreira não convocou nenhum cabeça de bagre para vestir a amarelinha do Brasil, apenas por comprometimento com o seu trabalho ou com o grupo. Afinal, Seleção não é nenhuma ação entre amigos. Para haver coerência, tem sempre que contar com os melhores. Que fiquem, pois, as lições positivas, de 1962, e também as negativas, de 2010, para 2014, para que o Brasil não repita a “tragédia grega” de 1950.
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