Sunday, July 18, 2010




Pessoas não são números

Pedro J. Bondaczuk

A Venezuela viveu, nos últimos dois dias, um verdadeiro clima do que se costuma chamar de “explosão social”. O povo desse país, acostumado a ostentar o melhor padrão de vida da América do Sul, agora se vê diante de uma dolorosa realidade. Sua economia está virtualmente falida e a inflação, que durante décadas nunca ultrapassou o patamar de um único dígito, em seu acumulado anual, é estimada, em 1989, em catastróficos 70%.
O novo presidente, Carlos Andrés Perez, ao assumir, há 25 dias, advertiu a população que seria obrigado a tomar medidas amargas, que gerariam muito sofrimento, para a correção de rumos no caos econômico nacional.
Só que, como sempre acontece, o peso da carga recaiu todo sobre a classe trabalhadora. Os subsídios foram extintos, os combustíveis e alimentos fortemente aumentados e as tarifas públicas reajustadas além da inflação. Tudo no melhor dos figurinos da receita tristemente famosa do Fundo Monetário Internacional.
Deu no que deu. O pacote provocou uma ampla manifestação de descontentamento popular, que degenerou em saques, depredações e muita violência. O interessante é que os economistas e os administradores agem sempre sem compreender que suas ações vão afetar vidas de pessoas. Eles pensam somente em termos de demanda, de custos e outras expressões de “economês”, sem ter em conta que uma recessão purgativa, para trazer taxas inflacionárias para baixo, vai desempregar milhares, quiçá milhões, de pais de família, que têm em seu trabalho a única fonte de sustento de seus entes queridos.
Eles pedem paciência e compreensão à população. Mas não sabem (e se sabem, são mais frios e insensíveis do que parecem), que o locador de um imóvel não vai querer saber se o seu inquilino deixou de pagar o aluguel mensal por ter sido despedido do trabalho, em virtude de alguma medida governamental. Findos os três meses sem recebimento do que lhe é devido, promoverá, certamente, a competente ação de despejo.
E com toda a razão. Afinal, essa é a sua fonte de renda. Os credores, por outro lado, não vão perguntar aos prestamistas se a prestação do mês deixou de ser saldada por causa de algum pacote do governo. Vão querer receber o que lhes cabe.
Como se vê, joga-se com vidas humanas, como se elas fossem meros detalhes. Como se as pessoas não passassem de números estatísticos e nada mais. E isto é perigoso. Isto é injusto. Isto é desumano. Ninguém vive duas vezes. Uma existência estragada não há preço que pague.
Uma atitude econômica desastrada pode condenar, por exemplo, uma criança a morrer de fome. Ou a ficar sem escola. Ou a cair na marginalidade, gerando futuros, e maiores, problemas paara toda a sociedade. O Estado teria sido criado para essa finalidade?

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 1º de março de 1989).

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