Friday, July 02, 2010




Descrédito e hostilidade

Pedro J. Bondaczuk

A Seleção Brasileira que disputou a Copa do Mundo de 1958, na Suécia, conseguiu a façanha de obter consenso ao seu redor. Contudo, não o da confiança irrestrita, mas, exatamente o inverso. Pode-se dizer que, antes do embarque da delegação para a Escandinávia, não havia um único torcedor que acreditasse no sucesso daquele grupo. Os mais otimistas achavam que se conseguisse passar da fase inicial, já estaria no lucro.
Poucas vezes uma delegação brasileira, seja de que natureza for, saiu do País cercada de tanto descrédito e precedida por tanta crítica, como a Seleção Brasileira daquele ano. Houve, até mesmo, um radialista famoso – cujo nome prefiro omitir por já ter falecido – que chegou a pedir ao Congresso Nacional que proibisse o embarque dos nossos atletas, para evitar “vexame igual ou pior do que nossa equipe deu na Suíça”, quatro anos antes. Com coisa que esse fosse assunto de políticos. Claro que não era.
Não quero dar uma de bonzinho, mas, honestamente, eu era dos poucos torcedores que confiavam naquele grupo, com dois ou três remanescentes, apenas, de 1954. Talvez fosse por estar amando e por enxergar tudo mais cor-de-rosa no mundo. Era, ao menos, o que os colegas me diziam. Não posso garantir que a fonte do meu otimismo fosse essa. Será que não era intuição?
Para aumentar ainda mais o descrédito e a hostilidade da torcida, aquela Seleção de 1958 não teve lá um desempenho entusiasmante nas eliminatórias. Classificou-se com enorme dificuldade, na bacia das almas, num grupo em que só tinha ela e o Peru. A Fifa reservara três vagas para a América do Sul.
No primeiro jogo, em Lima, sob o comando do gaúcho Oswaldo Brandão, o Br4asil não saiu de um melancólico empate com os peruanos por 1 a 1. E tome críticas! No jogo da volta, nosso selecionado não foi muito melhor. Num Maracanã lotado, foi “salvo pelo gongo” por um gol mágico de Didi, que cobrou uma falta pouco antes da meia lua e colocou a bola na gaveta, consagrando um estilo que ficaria conhecido como “folha seca”.
Havia muita polêmica envolvendo a Seleção. Todos julgavam-se no direito de dar palpites e o besteirol desse período daria para encher páginas e mais páginas de um alentado (se não de vários) livro, caso alguém o pesquisasse e o reproduzisse para a jovem geração, esta que nasceu muito depois de 1958. A grande controvérsia envolvia a escolha do técnico.
A maior parte da imprensa era favorável à manutenção de Oswaldo Brandão à frente da equipe, apesar dele quase não classificar o Brasil para a Copa. Outros achavam que se deveria repetir o comando de 1954, ou seja, o de Zezé Moreira. Vários outros nomes eram pedidos, mas depois descartados, sem que houvesse nem sombra de consenso.
O certo mesmo é que ninguém cogitava que o treinador escolhido fosse o do São Paulo Futebol Clube, campeão paulista de 1957, que havia sido, aliás, auxiliar de Flávio Costa em 1950, Vicente Feola. Pois é, concordando ou não, a escolha recaiu mesmo no bonachão, mas competente, técnico do tricolor.
Quando sua indicação foi anunciada, a maioria balançou a cabeça, com desalento, e disse: “Estamos roubados” (bem, não foi exatamente isso, mas... deixa pra lá). Ah, se alguém pudesse vislumbrar o futuro naquela oportunidade! Que surpresa (agradável, claro) teria! Só que ninguém tem esse poder, embora alguns achem que sim.
Quanto à convocação, foi uma chiadeira só, principalmente da imprensa paulista. O bairrismo, mais uma vez, aflorava à pele. Havia 12 jogadores do Rio, contra 10 de São Paulo. O Flamengo, por exemplo, teve quase todo seu ataque convocado, à exceção do centroavante Índio (Joel, Moacir, Dida e Zagalo). O Santos cedeu três jogadores ( Zito, Pelé e Pepe), o mesmo número do São Paulo, campeão da temporada anterior (De Sordi, Mauro e Dino Sani).
Os outros times paulistas que cederam atletas foram o Corinthians (Gilmar e Oreco), Palmeiras (Mazola) e Portuguesa (Djalma Santos). O Botafogo contribuiu com três selecionados (Nilton Santos, Garrincha e Didi), o Vasco com outros três (Bellini, Orlando e Vavá), o Fluminense com um (Castilho) e o Bangu com o atleta restante (Zózimo).
“Com esse time, não vamos a lugar algum”, era o que mais se comentava na oportunidade, principalmente na imprensa. Por isso, leitor amigo, não vá atrás do que os jornalistas dizem da seleção. Eles não têm bola de cristal e nem são donos da verdade, como muitos se julgam (e como se julgam!). Siga a sua intuição. Ontem, como hoje e como talvez amanhã e sempre, houve, há e haverá quem veja elefantes onde existam somente formigas.
Na época com apenas 17 anos, Pelé era visto como mera “promessa”, que poderia ou não vingar. Sua convocação mereceu uma sucessão enorme de críticas. Foram poucos os que concordaram com ela. “É uma irresponsabilidade”, era voz corrente nas ruas, bares, salas de espera e em todos os lugares a esse respeito.
Para complicar, a revelação santista do último campeonato (uma espécie de Neymar de 1958), sofreu séria contusão, numa dura e desastrada entrada do zagueiro corintiano Ari Clemente, durante um amistoso que não serviria e nem serviu para nada, por pouco mudando a história do futebol. Pernas de pau às vezes conseguem isso.
A expectativa era a de que o menino prodígio do Santos seria cortado. “Só o fato de ter sido lembrado já é uma façanha para ele comemorar”, diziam os comentaristas esportivos. O chefe da delegação brasileira, Dr. Paulo Machado de Carvalho, todavia, opunha-se ferrenhamente à desconvocação, ou seja, ao corte de Pelé. Achava que valia a pena o risco de levá-lo para a Suécia e Feola resolveu apostar nessa possibilidade.
Santa inspiração! Todos sabem no que essa “teimosia” do técnico resultou. O menino Edson Arantes do Nascimento, que não fazia muito tivera o apelido de Gasolina, deu, nos gramados suecos, passos decisivos para a consagração e a glória, para se tornar o maior jogador de todos os tempos, o legítimo e único “rei do futebol”.

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